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Publicado a: 28/03/2018

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lojii review

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [CAPA] Jessica Lehrman

Recuemos até ao Outono de 2015. A dar os meus primeiros passos na programação de eventos em Lisboa, foi no Bairrazza que assinei a primeira e única curadoria num registo semanal. Em busca de um conceito sujo, decadente q.b. mas sem nunca abdicar da pertinência sónica que o hip hop low life tem para nos oferecer, “no ebola”, tema de um MC de Filadélfia chamado uhlife, era uma daquelas faixas que viria a tocar sempre nos meus sets nesse bar, situado no Cais do Sodré.

O inexistente jogo de networking por parte do artista afastou-me das suas coordenadas — a promessa não cumprida de editar o álbum de estreia em 2016 e a mudança do nome artístico também contribuíram para que perdesse de vista uhlife, agora conhecido como lojii. “no ebola”, no entanto, foi um tema resistente, que ainda hoje se encontra guardado na pasta que carrego no portátil sempre que me calha a tarefa de passar algumas músicas noite fora. NiceGuyxVinny, da Soulection, é quem assina o instrumental da faixa que me fez chegar até ao rapper — canção hipnótica que vicia pela sua simplicidade. lojii adopta uma postura descontraída, que disfarça a dureza das rimas com que se apresentou a algumas das publicações musicais mais atentas.

Foi graças ao “nosso” Alexandre Ribeiro que voltei a cruzar-me com o MC que conheci como uhlife. Rapidamente investiguei um pouco mais sobre o seu passado recente e dei de caras com DUE RENT, o disco que criou a meias com o produtor Swarvy em 2017 e que, já feitos os balanços do ano passado, me remeteu para a ideia que este seria um projecto digno de menção. Mais vale tarde que nunca, até porque este lofeye é, até ver, o álbum mais interessante que me veio parar às mãos em 2018.

Não é descabido o sentimento obtido perante um talento em bruto que talvez seja um digno sucessor de uma linhagem de hip hop “preferia-estar-morto-do-que-fazer-isto” — Earl Sweatshirt celebrizou-se na era em que reina a depressão. E lojii fá-lo bem ao seu estilo. Lo-fi de circunstância e não por opção própria, lofeye é um disco extremamente versátil ao nível dos registos sónicos que adopta, com a premissa comum de ter sido concebido — quase literalmente — no meio da selva. “You can call it what you want — karma, fate, class, love, less stress”, rima em “six9”.

 


Won’t do no interviews, so new ain’t in the news
Don’t need to get reviewed, this ain’t got no critics due
‘Cause it can get critical, this flow got no inner loop
My wave is so tight tho, it should be on Tidal
But don’t need no titles, I don’t see no rivals, don’t need no idols

 


A parceria com NiceGuyxVinny volta a dar resultados gratificantes em “dutti”. O sucessor de “no ebola” leva a taça de melhor faixa de lofeye. Não esquecendo toda a frescura que lojii traz na cena boom bap (algo que parece estar a estudar através do mercado britânico, com Lee Scott como clara referência em “spook who sat by da floor”), há que destacar a abordagem a um tema esculpido a partir de uma malha que aponta para as pistas de dança. “dutti” traz-nos um flow novo mas “cansado”, no melhor dos sentidos. lojii questiona-se no refrão: “Why me on down? On way to thirty and underground / Why me on down? Find me on shine where no sun is found.”

A estreia a solo do rapper de Filadélfia é o resultado da plena competência em qualquer registo que o espectro sónico do hip hop pode assumir. Rap cabisbaixo que emana destreza lírica a fundir-se com flows mornos mas extremamente gulosos. lojii é alguém que consegue brilhar mesmo a chafurdar na lama — a cadência, quase morta, faz-nos querer que é tudo tão natural e que lhe sai pela boca sem ser necessário aplicar qualquer esforço. lofeye é a combinação corrosiva desse sacrifício que é a arte de (ter que) rimar e, mesmo assim, arrecadar todos os elogios possíveis — seja a batida de contornos boom bap, electrónica, trap ou outra coisa qualquer. De verso em verso (ou de liana em liana) lojii balança-se entre o “cá” e o “lá” nessa selva que é a mente, com NiceGuyxVinny, Heaprize, Thook, Marc Rebillet, Sadhu Golg e Repeated Measures a esculpirem na perfeição esse habitat onde mais nenhum ser humano consegue morar.

 


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