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Publicado a: 12/03/2018

Lisboa Dance Festival 2018: a liberdade de bailar

Publicado a: 12/03/2018

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTO] Bruno Simão

Localizada no espaço Central Eléctrica do Hub Creativo do Beato, a exposição Visceral Monuments, sob a chancela do BOCA (Biennial of Contemporary Arts) e com a curadoria de John Romão, foi também um dos pontos de interesse da edição deste ano do Lisboa Dance Festival. Tal mostra criativa despoletou a curiosidade de muitos festivaleiros que, de forma algo contida, quase a conta-gotas, se dirigiram a uma das extremidades do complexo fabril para uma visita.

“Se a dança é imagem de movimento, ela é também imagem de qualquer acto criador verdadeiro”

E diga-se que a liberdade criativa esteve bem presente na Central Eléctrica. Logo à entrada, a projecção vídeo de um coro serve de banda sonora a todo o espaço. Os primeiros segundos são inconclusivos, até porque as ondas sonoras se perdem na acústica do edifício, confundindo-se com os ecos dos diálogos entre os  visitantes e outras ondas oriundas de outros pontos de paragem. Só quando nos aproximamos do local da acção é que se dá finalmente o clique. Trata-se de “The Robots” dos alemães Kraftwerk, interpretada por um afinado e organizado conjunto de homens e mulheres (os naipes estão bem definidos, cada um tem a sua função). Evocar um dos mais emblemáticos colectivos de música de dança numa exposição dedicada ao assunto é aposta ganha.

No interior de um pequeno cubículo localizado no fundo sala e mesmo ao lado de uma espécie de gerador eléctrico (se não o é, pelo menos parece…) deparamos-nos com um quadro de cachecóis com letras em preto e branco da Queer Nation da autoria de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira. A liberdade de escolha a falar alto no Lisboa Dance Festival 2018. Seja ela no âmbito sexual ou até nas preferências a nível musical. Cada qual é livre de optar pelo que prefere sem ser julgado por isso. E mesmo que a representação do hip hop tenha sido pobre na edição deste ano, se compararmos com 2017, o cartaz de 2018 teve, ainda assim, nomes para vários gostos, do techno à soul, da house music às sonoridades de índole tropical e da electrónica mais experimental ao rock que se embebe nas máquinas. Há espaço para tudo e todos.

Num patamar superior, três televisores mostram três imagens completamente diferentes. O da esquerda traça-nos um trajecto psicadélico pelo sistema digestivo de uma body builder. A viagem começa na boca e percorre o esófago até encontrarmos um bebé bailarino algures pelo caminho. O percurso regressa ao ponto de origem e assim sucessivamente (aconselhado a pessoas sob o efeito de substâncias psicotrópicas). O da direita, mostra uma performance lapdance em computador. A câmara desenha um movimento de rotação em torno do corpo da artista, enquanto os homens se babam nas poltronas à retaguarda. O do centro compila uma série de vídeos amadores e, por isso, de fraca qualidade, de aficcionados da música electrónica apanhados em flagrante adoração profética, ou seja, a dançarem como se a sua vida dependesse disso.

A dança continua. Desta feita, projectada numa enorme tela montada no lado oposto do tal cubículo onde se encontravam os cachecóis. Nela, um conjunto de bailarinos exprime-se de uma forma quase tumultuosa, num descampado ventoso que aparenta ser de origem vulcânica. Os movimentos são peculiares e até estranhos no contexto da coreografia geral. Não obstante, ganham outra essência se analisados individualmente, ao pormenor. A peça traz à memória o mais recente trabalho discográfico de Drake, More Life. A nível individual, as canções fazem todo sentido, porém, em disco não reúnem a continuidade e coerência que um álbum de longa duração (o commumente designado LP) pede, daí ser uma mixtape (ou playlist, como melhor entenderem). Poderá esta ser uma mixtape de danças?

Logo à direita da tela, dois rostos sustêm com a língua dois pequenos papéis como se de quadrados de LSD se tratassem. No primeiro podemos ler a frase “la liberdad no es por decreto”; no segundo, “tengo derecho a mi revolucion”.

Certíssimo.

No passado dia 10 de Março, o Expresso publicou uma entrevista a Assunção Cristas em que a própria confessa apreciar touradas e que se pensar “muito, muito, muito, muito” é capaz de ter pena dos animais. Mas a líder do Partido Popular consegue ir ainda mais longe, ao dizer que olha para a tourada como um bailado. Apreciar espectáculos em que se submetem animais a torturas bárbaras para deleite de uma audiência já é mau que chegue. Compará-los com bailados (assim de repente, vêm à cabeça títulos como Lago dos Cisnes, Quebra-Nozes, Café Muller, La Sylphide…) consegue ser ainda mais deprimente.

A tourada não é arte, mas sim maldade gratuita. Nunca poderá ser vista como um espectáculo nobre, nem nunca poderá ser comparada com qualquer tipo de dança, seja lá qual ela for.

Assunção Cristas deveria era ter ido ao Lisboa Dance Festival para ver o que é bailado a sério.

 


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