pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/06/2023

Uma voz promissora da diáspora a alinhar-se com as suas origens.

Lisandro Cuxi: “Vou colocar crioulo, português e francês nas minhas próximas músicas”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/06/2023

Depois de uma entrada no mundo da música pela porta grande, apesar de tão novo, Lisandro Cuxi precisou de 5 anos para se redescobrir na música e na arte. Vencedor da edição francesa do The Voice (em 2017) e participante no The Voice Kids (em 2015), viu-se forçado a cantar os primeiros originais em francês, mas é em português e crioulo que a sua voz entoa melhor. E depois de um disco de estreia com o qual já não se identifica, o caminho passa pelo país onde nasceu e passou os primeiros anos da vida, tentando traçar uma carreira em paralelo com a da irmã Soraia Ramos, que é já um dos principais nomes da música luso-caboverdiana.

O primeiro produto desta nova era chama-se BLTV e é para já apenas uma amostra daquilo a que chama CP&B — uma nova nomenclatura que admite ter criado de propósito para acolher o que ainda está para vir — e que mistura o melhor de Cabo Verde e do rhythm & blues a que estamos acostumados.



Fala-me um pouco sobre o teu trajeto de vida antes de começares a fazer música. 

Eu nasci em Portugal, em Lisboa, no seio de uma família cabo-verdiana. Depois, com 9 ou 10 anos, mudei-me para França.

E quando é que entras no The Voice Kids em França? Não foi muito depois, pois não?

O programa foi gravado quando eu tinha 14 anos, portanto cerca de quatro anos depois de ter chegado a França. Mas só foi para o ar mais tarde, quando eu já tinha 15.

Imagino que tivesses chegado a França sem falar francês. Como é que em 4 anos passas de não falar a língua para conseguir encantar a cantar em francês?

É um pouco estranho, tenho que concordar [risos]. O meu primeiro ano em França foi muito complicado precisamente por não falar a língua. E para além disso era um pouco gago e isso fazia com que as meninas gozassem comigo na escola.  Mas eu continuei a fazer a minha vida e a ir para a escola, até que a paixão pela música chegou ali pelos 12 anos, graças à minha irmã que se chama Soraia Ramos. 

Bem sei, e já te ia perguntar por ela. Portanto, tu inscreves-te para o The Voice Kids em 2015 e ficas em segundo, e dois anos depois, em 2017, vences o The Voice no formato para adultos. No meio disto tudo, a carreira da tua irmã estava também a descolar. Já agora, quantos anos mais velha é ela?

Eu acho que uma mulher nunca gosta que se fale da sua idade. Ou não? [Risos]

Vou aceitar essa resposta, mas é curioso que, apesar da diferença de idades, as vossas carreiras acabam por nascer em simultâneo. E nessa altura tu és uma criança e ela devia ser uma adolescente. 

Sim, isso é verdade. 

Explica-me como é para uma criança gerir a escolha das musicas num programa como o The Voice. Alguma vez te aconteceu escolheres interpretar uma música porque te dava mais hipóteses de ganhar, quando na verdade aquilo que tu querias mesmo cantar era outra coisa? 

Isso foi muito fácil, na verdade. Como perdi o The Voice Kids em França na final, acabei por trabalhar muito entre as duas edições em que participei – foram aulas de dança, aulas de canto… Então eu já tinha o meu setlist praticamente pronto. Já sabia que queria cantar aquela música no início, a outra no meio, e tinha mesmo tudo planeado. Afinal, já tinha vivido a experiência uma vez, por isso já sabia o que esperar. Com isso em mente, fui numa de impor a minha visão e o The Voice aceitou tudo. Cantei Rihanna, [Justin] Timberlake, Bruno Mars… sei lá. 

Nesses programas, alguma parte de ti pensa no que é que o público pode querer ouvir-te cantar, ou isso não é uma preocupação?

Sinceramente, acho que o público gostou do meu lado mais americano que tentei trazer com o r&b. Eu percebi logo na primeira edição que devia cantar Rihanna e Bruno Mars, e isso deixou a minha direção artística bem clara desde bem cedo. 

Entretanto, o vencedor do The Voice edita sempre um álbum e tu não foste excepção. 

Exatamente. Esse não foi um projeto de que tenha gostado muito, para te ser sincero, porque não fiz quase nenhuma composição. Fiz com pouca confiança também, era muito jovem e não tinha a noção do que era realizar e fazer a minha própria música. Hoje mal consigo ouvir esse álbum. Mas acho que isso faz parte da minha história, e assumo esse álbum com toda a naturalidade. Mas também acho que tem pouco a ver com o estilo de música que pratico hoje.

É engraçado falares nisso, porque eu até percebo o que me dizes mas sou tão crítico. E até acho que captaram bem esse teu lado americano, como dizes. Quando ouvi o disco [Ma bonne étoile] pensei num mini Chris Brown francês e achei alguma graça.

Uau, isso nem é mau. Muito obrigado.

E, no meio disto tudo, qual é o papel da tua irmã na tua carreira? Eu sei, por exemplo, que ela também participou no Festival Revelação Vozes da Diáspora…

Exatamente. Foi ela que me iniciou em tudo, na verdade. Eu comecei a cantar com cerca de 12 anos e ouvia todos os covers dela. Ela em 2011 já tinha covers no Facebook e eu ouvia todos os dias. Nessa altura o meu objetivo era cantar exatamente como ela. Até que houve um dia em que ela foi ter onde eu vivia, em Cannes, e eu disse-lhe que cantava. Ela não acreditou e mandou-me cantar. Arrependi-me logo e fiquei muito envergonhado, mas acabei por lhe cantar a “Baby” do Justin Bieber e a “Let Me Love you” do Mario. Ela ficou chocada, acabou por elogiar a minha voz e acabámos por fazer um vídeo nesse mesmo dia num parque qualquer lá em Cannes, e o vídeo foi para o Facebook ao final do dia. Aquilo foi a uma sexta-feira ou a um sábado e teve imensas partilhas, o pessoal estava chocado pelo facto do irmão da Soraia Ramos cantar tão bem. Na segunda-feira, quando cheguei à escola era uma superstar. Isto sabendo que sexta-feira as damas não queriam nem saber de mim [risos]. Estavam todas coladas a mim. Daí veio aquela força para continuar. Antigamente não tinha uma única rapariga com quem falar, de repente tinha todas…

Há motivações piores. Isso deu-te, claro, um boost na confiança. 

Claro que sim, e repara que eu era gago e mal sabia falar francês… Tinha 11 anos, ainda estava em França há pouco tempo, e quando eu vi que cantar me abria aquelas portas com os colegas e mesmo com os professores, percebi logo que tinha que continuar. 

Depois dessa primeira sessão num parque, com a tua irmã, ela continuou a ajudar-te e a dar-te dicas?

Ela acabou por vir para Portugal pouco depois mas estivemos sempre conectados. Se eu fazia um cover ela era das primeiras a ouvir e a dar feedback. Ela esteve sempre na minha back, mesmo. 

E fala-me um pouco sobre o resto da tua família. Como é para um míudo português, que não fala francês mas que está a viver em França, filho de pais cabo verdianos… O que é que se ouve em casa?

A minha família nem é muito dada à música, mas o meu pai até hoje ouve Michael Jackson e sempre me falou dele. Quando o Michael Jackson morreu eu não sabia quem ele era, tinha 9 anos. Mas quando vi isso na televisão o meu pai ficou tão triste que eu chorei também. Já a minha mãe, não ouve muita música. Foi mesmo a Soraia que me puxou.

E o que é que ela ouvia que tu, por estares com ela, acabavas por ouvir também?

Era o r&b americano, a Alicia Keyes, Tori Kelly, Beyoncé, Jessie J… sobretudo musica americana. Mas depois ouvia também Anselmo Ralph, Nelson Freitas, C4 Pedro e fazia covers deles. 

No meio disto tudo, e gostava de voltar aqui atrás um pouco, a tua carreira começa em francês, apesar do teu francês não ser o melhor. Porquê cantar no teu pior idioma?

Porque ganhei um concurso em França e o meu público veio desse concurso. Esse público, que era o meu único público, realmente forte em comparação com o público do Facebook. E achei que era para eles que devia cantar.

Havia essa expectativa de que, depois de um concurso de televisão francesa, cantasses em francês apesar de não teres qualquer raiz francesa?

Claramente. Mesmo cantando músicas em inglês no concursos. Em França não gostam muito que um cantor cante muito em inglês. Podes fazer covers, claro, mas são mais fãs de um artista que escreva as suas músicas em francês.

E depois dos concursos, que não só foram muito próximos no tempo mas em que tiveste particular destaque pela tua prestação, é normal que as pessoas soubessem bem quem tu eras. Como é que foi sair dalí com uma imagem formada e fãs com certas expectativas? Foi um entrave à tua evolução como artista?

Foi. Eu tinha 14 anos depois do The Voice Kids e o público conheceu-me pequenino, jovem… então acho que o público francês ainda me vê um pouco como um bebé, apesar de já ter barba e fazer outro tipo de música.  Mas agora estou a fazer música que eu amo, e acredito que isso está a mudar a perceção desse meu público antigo sobre mim. Mas acredito que o The Voice me tenha criado uma boa imagem, por isso estou relaxado.

Sentes o teu público a mudar?

Sim, sem dúvida. agora faço músicas de love e posso contar as minhas histórias. Aos 17 anos não podia porque ainda nem tinha vivido assim tantas coisas. Agora as coisas estão a ficar mais puras porque estou a contar as minhas histórias.



Entre o Ma bonne étoile e o teu último trabalho, BTLV, passaram cerca de 5 anos. É um intervalo de tempo considerável para um artista, sobretudo para um tão novo como tu. O que é que aconteceu nestes últimos 5 anos?

Foi o tempo de eu crescer, viver coisas, cair e levantar depois. Foi também tempo de criar a minha própria label, a LisMusic. E foi isso, Deus faz tudo por alguma coisa. Caí várias vezes e devo ter as costas todas partidas, mas agora estou num lugar muito fixe porque faço o que quero e estou mesmo livre. A música “Karma” fui eu que compus e produzi.

Quando dizes que caíste e que tens as costas todas partidas, isso é em termos musicais também.

Sim, sim. Foram muitas portas a fechar, estive bloqueado alguns anos em contratos… Houve coisas que afetaram muito a minha vida artística.

E nesse espaço de 5 anos entre projetos, quando é que começaste efetivamente a trabalhar neste EP e foste para o estúdio?

É verdade que eu não estive 5 anos a trabalhar neste EP. No final de 2021, creio, entrei no estúdio para gravar as primeiras ideias para este projeto.

Qual é o teu papel em termos de créditos deste teu novo projeto? Já percebi que escreveste os temas. Produziste-os também?

Sim, eu é que produzi e escrevi todos os sons neste EP. Trabalhei com muito pessoal de França, willow beats, Hailé Dasta, Aznar Zahora, e com um produtor também de Portugal que se chama RJ, que foi quem fez o “Bai” da Soraia Ramos. Fui procurar vários sons diferentes.

Uma das coisas que também mudou entre álbuns teus foi a questão do idioma. Tu começaste a cantar em francês. Como é que o crioulo entra na tua música, e mesmo o português, que até agora apenas tinhas ensaiado num tema do Ma bonne etoile?

Depois do meu featuring com a Soraia Ramos, que coloquei no Instagram e chocou o meu público – tive mais de 200 mil views. Porque eles não estavam habituados a ouvir-me a cantar em criouloE foi muito fixe, acabei por ter 30 milhões de views. Ainda por cima, eu adoro cantar em crioulo.  Eu estava mesmo à espera de ter a minha música e ela chegou 3 anos depois desse remix, mas foi esse cover que me deu a vontade de puxar mais para o crioulo e hoje não me arrependo nada. É mesmo a língua em que prefiro cantar.

O BLTV é meio crioulo, meio francês, não é?

Sim. E nas minhas próximas músicas vou sempre continuar a colocar algum crioulo, portugues e francês. Vai sempre haver esta misturazinha.

Há sempre a questão da letra das músicas e de quanto dessa letra o público perceberá realmente. Tu, cantando em dois ou até três idiomas num só tema, como achas que as pessoas vão receber a tua música?

Não fica assim tão fácil, não. Mas pior é eu tentar fazer uma live de Instagram, em que acabo por não perceber em que língua devo falar. Tou na live e se falo em francês vejo o público a perguntar porque é que não falo em português. Se falo em português tenho os franceses a perguntar-me o que estou a fazer… [Risos] E parece que estou a fugir à tua pergunta, mas gostava mesmo de falar desta parte. Eu acho que hoje em dia não há língua que levante barreiras. Tu podes cantar em francês e se a música for boa ela vai chegar a qualquer lado.

Então vou colocar a questão de outra forma. Achas que tem as mesmas hipóteses de sucesso cantar em francês ou em português, em Portugal?

Acho que em francês não bate assim tanto. Por isso é que estou a tentar fazer mais músicas em português e em crioulo, para conseguir chegar aos ouvidos de mais portugueses.  

BLTV é um projeto relativamente curto e sem featurings vocais. Queria perguntar-te porque é que cantas tudo sozinho neste disco e se terias algum artista favorito para colaborar em Portugal.

Este foi o meu primeiro projeto 100% da minha autoria, e o objetivo era mostrar quem é o novo Lisandro Cuxi. Eu quis mesmo deixar o público descobrir o novo eu, sem interferências.

Agora, featurings aqui em Portugal são muitos. Adoro o GSon, a Nenny, Calema, a própria Soraia… São featurings que vão entrar, se calhar, no meu próximo projeto mais focado no português e no crioulo. 

Como é que descreverias este teu álbum em termos de género musical?

É um afro r&b, e o meu álbum que vai chegar é algo que tenho vindo a chamar CV&B, ‘Cape Verde & Blues’. É uma mistura entre o meu país e as minhas raízes, e o r&b mais tradicional.

Tens-me falado várias vezes já de um próximo projeto. Isso parece ir mesmo bem encaminhado.

Já tem uma estrutura montada, sim. Alguns temas já estão fechados e estão mesmo muito bons. 

E com algum destes artistas que acabaste de mencionar?

Isso não sei [risos]. 

E se tivesses que comparar os dois trabalhos que já editaste, que diferenças salientarias?

Este é muito diferente. Sinto-me eu mesmo e estou a cantar músicas que adoro mesmo cantar em palco. Quando eu cantava o Ma bonne étoile, eu não me sentia tão feliz como agora. E já aí ficou bem claro para mim que aquele não era necessáriamente um mau álbum, mas antes um álbum que não foi feito para mim. E a prova seria que se um outro qualquer cantor cantasse aquelas músicas, elas iam ficar igualmente bem. Mas eu próprio não me sinto tão agarrado a ele. Eu sempre gostei de r&b e é isso que ouves neste novo álbum, quando ouves o “Une erreur”, ou a “Limbisa”. São sons que me tocam, e isso não acontecia no álbum anterior.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos