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Publicado a: 25/03/2016

Liima: “As bandas são como as relações: é preciso mudar para conseguir novos estímulos. E às vezes é preciso fazer um threesome

Publicado a: 25/03/2016

[TEXTO] Bruno Martins [FOTOS] Direitos Reservados

O dicionário Finlandês-Português – ou o Google Translator, em opção, caso não haja tamanho calhamaço nas estantes aí da casa – traduz a palavra “Liima” para “Cola”. Foi esse o nome que os dinamarqueses Casper Clausen, Mads Christian Brauer e Rasmus Stolberg – os Efterklang – e o percussionista finlandês Tatu Rönkkö escolheram para a banda que junta estes músicos da Europa do Norte. Electrónica experimental, por vezes ruidosa, acompanhada de vozes límpidas e polidas.  Os Liima nasceram da digressão dos Efterklang, quando Tatu foi convidado para ser o baterista de serviço da digressão de Piramida. Como mais tarde, nesta entrevista, nos há-de contar Casper Clausen, o percussionista tornou-se peça fundamental neste quarteto nórdico por provocar, desafiar e mexer com as orientações conceptuais do grupo – de tal forma que já nem fazia mais sentido continuar a usar o nome Efterklang.

ii é o primeiro disco dos Liima. Criado em quatro latitudes diferentes – Jyväskylän (Finlândia), Berlim (Alemanha), Istambul (Turquia) e Funchal (ilha da Madeira) – é o reflexo das experiências de Residências criativas que a banda quer usar como motor das composições. Casper, o vocalista – desde há poucas semanas morador numa Lisboa multicultural que ele sente querer integrar a tradição na modernidade – sentou-se à conversa com o Rimas e Batidas ali para os lados do Saldanha a explicar as origens e as ambições do quarteto que cria a “a partir de MPCs, como faziam os grupos mais antigos de hip hop”, com a raiz do groove mais longe das drum machines que utilizavam nos Efterklang e a nascer do ritmo nos dedos de Tatu.

 

Casper, vamos começar perceber como é que nasce este projecto. De onde vêm as ideias de Liima?

Começou tudo com um convite de um violinista finlandês chamado Pekka Kuusisto. Ele conhecia a nossa banda, os Efterklang e também o Tatu, que tem tocado connosco nos últimos dois anos. Esse violinista convidou-nos para ir ao festival dele na Finlândia, mas estar lá duas semanas a criar música para um concerto. A ideia era mesmo fazer música nova, com o nome Efterklang e Tatu. Fomos para uma casa de verão em Jyväskylän (no Sul da Finlândia a cerca de 270 quilómetros da capital Helsínquia). Levámos os nossos equipamentos e começámos a fazer música. Criámos umas cinco ou seis faixas que tocámos no concerto. Mas percebemos que havia mais músicas. Foi nessa altura que seguimos para Berlim.

 Não vos fazia sentido usar o nome Efterklang?

No início, como disse, não tínhamos nome. Quando começámos a perceber melhor a música que estávamos a fazer, achámos que era melhor dar outro nome ao grupo. Qualquer pessoa que ouça este disco e que já tenha ouvido Efterklang, vai perceber que é outro som e outro ambiente.

Mas explica-nos qual é a diferença que sente nos dois projectos? É a forma como compõem? Os instrumentos que usam? A forma como cantas?

A grande diferença neste projecto é que compomos todos em conjunto. Não há só um escritor de canções. Começamos a tocar, talvez a improvisar, a explorar uma ideia, à procura de beats. Eu canto, o Rasmus toca baixo e sabemos que vão aparecer os teclados. Gravamos, ouvimos de novo e voltamos às canções, mas sempre de forma colectiva. Em Efterklang nunca faríamos isto… Outra grande diferença é que Liima assenta muito os seus conceitos na ideia das Residências: é esse o nosso período para compor. Quando deixamos as Residências, deixamos de pensar tanto nisso.

E porque é que gostam tanto desse trabalho das Residências?

Porque permite-nos afinar o foco, a nossa concentração. Quando temos uma ou duas semanas para criar canções, conseguimos estar mais concentrados. Se tivermos todo o tempo do mundo… não fazemos nada! (risos)



Também gostam dos períodos de Residência por encontrarem influências novas dos sítios por onde passam?

Acaba por ser um bom bónus para nós: cada sítio tem a sua particularidade. Mas não vamos tanto à procura de coisas específicas. Por exemplo: a primeira canção, “Your Heart”, foi feita no período em que estivemos na Finlândia. Começa com uma percussão que foi feita num jarro de vidro que o Tatu trouxe de casa do pai dele, na Finlândia. Metemos uns microfones lá dentro – e tecnicamente torna-se chato (risos) – mas o som que saía foi o que despertou tudo isto. “Amerika” já foi feita na Madeira, na última residência, bem como o tema “Black Beach” – que faz sentido para quem já lá foi! “Roger Waters”, que é da altura em que estivemos em Istambul, pode ter algumas influências, mas porque falávamos muito dos Pink Floyd, dos concertos de Pompeia. E as coisas podem ter tido algum reflexo, claro, mas deixamos as coisas entrarem à medida que aparecem.

Jyväskylän, Berlim, Istambul e Funchal. Como é que acontece a escolha dos locais das Residências? São escolhas conscientes?

Mais ou menos. Ainda assim, a raiz do disco está em Berlim e na Finlândia. Na altura, Berlim até era o sítio onde todos vivíamos. Foi aí que fizemos muitas canções, onde criámos a ideia da banda e de onde ligámos ao nosso booker a dizer: “Remos uma banda e vamos fazer mais canções.” E foi ele que nos disse para irmos até Istambul, a uma sala onde já tínhamos tocado como Efterklang, que estava a ser renovada e deixaram-nos ficar lá uma semana.

E como foram parar à Madeira?

Temos um amigo aqui em Lisboa, o Pedro Azevedo, que é da Madeira. Tem lá uns amigos que organizam o festival  Aleste. Estávamos a tocar aqui em 2014 e dissemos que queríamos fazer mais residências. Foi aí que ele disse: “Deviam ir à Madeira”. Foi o que fizemos. Às vezes as coisas acontecem por oportunidades como estas – o convite festival ou obras numa sala de espectáculos!


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A banda esteve na Ilha da Madeira, em Maio do ano passado, onde fez uma Residência criativa que culminou com uma apresentação no festival Aleste – Foto: Facebook Liima


É interessante pensar que só uma pessoa, neste caso um percussionista, o Tatu, conseguiu mudar o chip de três músicos que tocavam juntos há tanto tempo e a abordagem que fazem à composição.

É como as relações… é preciso mudar para conseguir novos estímulos e às vezes é preciso fazer um threesome (risos). É muito importante, em qualquer relação, que as pessoas refresquem as ideias, que se perceba e respeite aquilo que os colegas e amigos estão a fazer à nossa volta. Ao final de um tempo, começamos a dar tudo por garantido. “Ah, o Mads está a fazer aquilo no computador que é ele que faz”, ou “o Rasmus está a tocar baixo e toca sempre assim”… mas isso traz más energias. E, de repente, aparece outra pessoa que se enturmou tão bem desde o início, que é um baterista incrível e tecnicamente muito à nossa frente. Mas ele não se preocupou muito com estas regras que tínhamos estabelecidas na forma de trabalhar da banda e, como tem uma personalidade forte, impôs-se naturalmente. Tornou-se uma parte natural. Mas sim, é curioso…

Musicalmente, sente-se uma vibração electrónica, exploratória e experimental neste ii ,com recurso a instrumentos fora do comum e diferentes daqueles que certamente usavam nos Efterklang. Mas conta-nos tu como é que ouves este disco.

Se tivesse de descrever rapidamente à minha mãe, por exemplo, diria que é uma banda de electrónica de garagem. Mas a mim soa-me muito a fresco pela forma como tudo foi feito, com muita pouca meditação e reflexão no trabalho. Muita espontaneidade de quatro gajos que gravam tudo em conjunto, sem overdubs: tocamos três takes e escolhemos o melhor! De certa forma, é antiquado, mas feito com sons novos, a partir de samples. As baterias vêm a partir dos MPCs, como faziam os grupos mais antigos de hip hop… o centro do groove não está numa drum machine, mas sim nos dedos do Tatu. Sentimos que temos mais controlo sobre os sons. Nos Efterklang usávamos muitos sequenciadores, loops… aqui é tudo muito mais orgânico, criado e tocado. É música electrónica orgânica.


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“As baterias vêm a partir dos MPCs, como faziam os grupos mais antigos de hip hop… o centro do groove não está numa drum machine, mas sim nos dedos do Tatu. Sentimos que temos mais controlo sobre os sons”Foto: Facebook Liima


Agora arrancam para a digressão. Há planos para fazerem mais Residências em breve?

Sim, porque é o centro daquilo que fazemos, onde vamos buscar inspiração. Depois do disco estar feito já fizemos uma outra residência em Londres e outra em Copenhaga. Havemos de começar a gravar em determinada altura.

O Casper mudou-se para Lisboa há pouco tempo. Porquê?

Porque gosto muito da cidade: é muito diferente das outras onde vivi: seis anos em Berlim e dez em Copenhaga. Aqui há muitas influências variadas do ponto de vista musical: há o lado mais tradicional e também o mais moderno, que tenta escapar às tradições ao mesmo tempo que as incorpora. De onde venho, não se pensa em nenhum momento nisso da tradição – só interessa a nova música e as influências de Inglaterra ou dos EUA … isso atrai-me.

E em que zona é que mora?

Comecei em Alfama. Agora estou na zona da Sé, perto do Castelo. Mas quero experimentar viver noutros sítios, explorar a cidade.

E aposto que tem planos para fazer cá uma Residência.

Espero que sim! Já sugeri (risos). É natural. Acho que basta encontrar o sítio. Também queremos fazer algo diferente: se calhar, encontrar sítios onde as pessoas possam vir ver-nos a criar, a compor. É mais um ponto de exploração da música.


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