LP / CD / Digital

Leland Whitty

Anyhow

People's Champ / 2022

Texto de Rui Eduardo Paes

Publicado a: 09/12/2022

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Lembram-se de quando Charlie Parker foi achincalhado quando em 1950 lançou o seu with Strings? Mal sabiam os puristas do jazz da altura que tal atrevimento haveria de ter continuidade no jazz dos nossos dias, ainda e sempre com protestos e oposições dos velhos do Restelo. É o caso do multi-instrumentista, compositor e produtor Leland Whitty, membro da banda BADBADNOTGOOD e colaborador de figuras do rap como Kendrick Lamar, Snoop Dogg e Earl Sweatshirt, entre outros. Pois, muitos arranjos de cordas, via samples de computador, encontramos neste Anyhow.

A flauta e os saxofones são também de Whitty, bem como a guitarra e o sintetizador; outros instrumentos foram entregues a Lowell Whitty (bateria), Julian Bowes (contrabaixo), Matthew Tavares (Fender Rhodes), Chester Hansen (baixo eléctrico) e Alex Sowinski (bateria), o que o coloca à frente, no meio e atrás do emaralhado de sons tratado em estúdio destes temas (a pós-produção do disco tem, de resto, enorme relevância, com montagens, misturas e processamentos milimetricamente realizados), num imaginário que tem a latitude das músicas afro-americanas: há muito de fusão jazz-rock, mas também de disco, funk e hip hop. A atenção aos formatos não é, no entanto, de colagem, o que tornaria esta música numa antropofagia de outras músicas, ou seja, num formalismo corta-e-cola.

O propósito está, sim, na imagética e no tipo de narrativa que vem do cinema, como se cada faixa fosse a banda sonora de uma cena num filme. É isso o que nos encanta a audição, libertando-nos o olho interior e as emoções, mas, claro, também nos levantando questões de gosto pessoal: resulta uma lounge music que ou nos cativa ou nos faz carregar no stop. De uma maneira ou de outra, há que aplaudir um particular aspecto, o de que Anyhow está fantasticamente construído. 

Muito curioso, tendo em conta que, composicionalmente, tudo parte de simples riffs. Whitty começa pela síncope e pelo ritmo, mas é a harmonia que se impõe, numa sobreposição de camadas que ora é densa, ora abre janelas para o céu. De certeza que Charlie Parker haveria de ficar contente com o que a sua heterodoxia nos deixou em trabalhos como o presente.


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