Tenho um fraquinho por álbuns que me levam a muitos sítios. De muitos géneros. De géneros completamente diferentes. Eu sei que isso não faz um disco melhor. E que há géneros manhosos onde seria evitável sequer pôr o pé. Mas é o risco que me seduz. A capacidade de surpreender. Acima de tudo, é desmontar a noção de “género”. Borrifar de bem alto para a dicotomia “Acústico/DAW”. A música tem de se deixar desses rodriguinhos.
Berlim é um caldeirão mágico de experimentalismo. Sempre foi, sempre continuará a ser. Antes dos nazis havia o expressionismo alemão, o cinema, a Bauhaus. De aí ao techno vai um pulinho de um século. Outras vanguardas, a mesma atitude. Laurén Maria é uma destas berlinenses, das de vanguarda digo. Em 2023 lançou-se com o seu primeiro trabalho Leaves Falling Beyond The Sky. Começa com um lamento. Depois já há a eletrónica ambiental de corta-e-cola. É um registo mais indie, quase ingénuo mas com muita natureza. Música ambiental como field recordings de um planeta alienígena. Literalmente em “Martian Whispers”. É já uma obra poética, a jovem tem essa tendência. Há muito trabalho mais ou menos experimental com a voz. O disco termina com “Ouquo”, um tema ambiental com vozes etéreas de 11 minutos. Lá está, ingénuo.
Em 2024, junta-se com o metaleiro Diamantista e lança Tomorrow we dream of sleeping in a garden of camellias. Ao contrário do que o título indica, não é um disco confortável. É noisy e apocalíptico enquanto ambiental e familiar. Entre a maquinaria e o black metal, algo desconstruído. Estranho. Em “Eyes to Kiss” há um momento de calmaria com sininhos. Alguém ri enquanto passa por nós no jardim. É docinho e prazeroso este solinho. Diamantista corrompe tudo em doses curtas de eletricidade arranhada numa corda, num pedal, quem sabe se numa máquina. Não interessa. O resultado deste duo, tendo em conta o quão longe estão estes dois um do outro, funciona bem. Embora não seja homogéneo, é na estranheza e na diferença que a coisa se dá pelo melhor. No fim fica a sensação de que a delicadeza de Laurén resiste a tudo menos às vontades da própria em se mutilar sonicamente. Como é seu direito.
E eis-nos chegados a You’re Beautiful em 2025. No início parece uma cantautora, só ela e a guitarra, doce. “Parecem” músicas de amor, mas são números quânticos e amanheceres ferrugentos. A primeira e a segunda música são mais acústicas, quase folky. A terceira é um avacalho digital com tudo até aqui, mais os glitchs das eletrónicas maradas. À quarta volta a guitarra mas já há ali qualquer coisa a arranhar. A quinta tem passarinhos e uma guitarra ainda mais bucólica. A sexta tem os overlays de voz, muito dela. Nota-se que este disco é mais bem produzido. Há mais sentido. Sabe melhor o que quer. E o que quer é confundir-nos. Porque no sétimo tema volta o noise, assumido e pesado. Agora com um beat que vai e vem. Tal como a doçura da Laurén. A oitava é um drone. Ambiental e aéreo a caminho de um corte algo industrial. A nona conta com o baterista e produtor do álbum Ludwig Wandinger, mas não se nota onde. A décima dá nome ao álbum e não tem nada a ver com o resto do disco. É quase um single. Quase dá para passar na rádio. Quase. É o mais pop que a Laurén consegue. A décima-primeira é a Laurén por quem já nos apaixonámos. A da folk estranha que nos seduz antes de sair. A décima-segunda começa algo noisy, algo fora. Logo volta o ambient e a viagem é curta. Termina com “Weater Wet” num piano e voz como se sempre tivesse sido assim.
Este disco não é como os outros. É uma trip folktrónica diferente, longe da pop e do refrão fácil. Desafiante. Não se dança e mal se canta. Laurén Maria está a fazer um caminho deveras interessante entre a composição de voz doce de uma cantautora à guitarra apaixonada por ambientes naturais e uma urbana berlinense com atitude experimental de colagens maquinais. Não é extraordinário mas é fresco. Não tem single orelhudo mas seduz-nos e dá que pensar. Acima de tudo, não é o que se está à espera. Querem arriscar ser surpreendidos?