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Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 02/12/2023

Celebração de uma das obras mais ricas do hip hop nacional.

L-ALI no Musicbox: o rapper das mil e uma peles

Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 02/12/2023

Um encontro com a música de L-ALI é sempre como um regresso à casa de partida. Em 2014, a urgência dos seus raps ao lado de VULTO. em SURREALISMO XPTO levaram-me a querer envergar pelas primeiras aventuras mais sérias no ramo da divulgação e crítica musical, procurando dar voz a quem não a tinha e que tanto estava a fazer por merecê-la. Ao mesmo tempo, ver L-ALI é, também, quase como olhar no espelho, já que todas as suas mudas de pele foram sempre coincidindo com a forma com que a minha relação com a música se foi alterando ao longo destes quase 10 anos — sim, o eterno clássico do underground está prestes a alcançar a sua primeira marca redonda —, evitando purismos e catalogações desnecessárias que, ao fim e ao cabo, só acabam por nos deixar reféns.

O calibre lírico pouco se alterou, tendo apenas sido limado para que as mensagens que procura transmitir sejam servidas da forma mais poética (e até melódica) possível. Foi sobretudo musicalmente que a coisa deu inúmeras voltas. Hélder Sousa passou pelo boom bap de cariz mais inventivo, deixou vasto legado em batidas sombrias que têm o bass com linha condutora, abraçou fases de maior acidez à boleia de sintetizadores, encontrou novos rumos possíveis de se explorarem entre uma parafernália de glitches, arriscou cantar — e cada vez mais o faz — sempre que a voz lhe transmite essa segurança e, aos poucos, foi saltando para fora da “caixinha” do hip hop, género que hoje está na base de tudo o que faz mas que já se torna demasiado redutor para tentar descrever qual o planeta em torno do qual a sua arte orbíta.

Na noite de ontem, 1 de Dezembro, no Musicbox, L-ALI prestou uma vénia a todo o seu espólio, sinal de que não renega nenhuma das fases da sua Lua e, acima de tudo, permitindo ao público uma experiência ao vivo bem mais eclética ao nível das sonoridades. Ao longo de cerca de hora e meia, foi dos temas ao lado de VULTO. até às malhas mais dançáveis que tem esculpido juntamente com Lunn, produtor que o acompanhou em palco durante o espectáculo no clube do Cais do Sodré, passando por todos os seus êxitos que foram surgindo ao longo dessa caminhada. “BangHello! (O Gesto)”, “UAIA”, “BABA”, “SIRI”, “Ciclo” ou “Plenitude” foram algumas das faixas que debitou perante uma audiência totalmente composta por verdadeiros fãs, que o acompanharam de forma espontânea em muitos momentos, alguns deles formando um coro suficientemente forte para fazer o artista abdicar do microfone por segundos e olhar com orgulho para a plateia que conquistou.

Salta ainda à vista o amadurecimento de L-ALI naquilo que é o delineamento da sua performance, que no Musicbox teve direito a várias nuances que impedem qualquer tipo de sensação de monotonia. O gig arrancou com um impostor em palco a cantar em playback — talvez inspirado pelo fenómeno Doomposter — que envergou a mesma máscara com que o rapper deu os primeiros concertos. Em termos de cores, levou-nos da escuridão até à luz à medida que o alinhamento se desenrolava, deixando as faixas mais solares para recta final e terminar a tarefa dentro do espectro onde sente que melhor se encaixa no presente. Quase não houve tempo perdido, porque Lunn disparava os beats praticamente todos uns a seguir aos outros, promovendo energia e entertenimento constantes para todos os presentes. Além disso, conseguiu ainda um invejável leque de convidados para somar outros timbres ao seu, todos eles com prestações irrepreensíveis e visivelmente honrados por fazerem partes desta celebração de uma das obras mais ricas e plurais que o hip hop português guarda na sua história — xtinto, Mike El Nite, Mirai, Icaro, JÜRA, Ellanor e Kyle Quest acederam ao chamamento para integrar aquela que foi a grande festa de L-ALI numa das salas de espectáculos mais emblemáticas para a música urbana do nosso país.


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