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Publicado a: 19/05/2018

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[TEXTO] Vasco Completo

A extensão da influência dos Kraftwerk na música electrónica e, consequentemente, em todos os outros géneros é inegável. Pioneiros na utilização da electrónica com sintetizadores e sequenciadores, o grupo trouxe instrumentos que já eram trabalhados por compositores da música electroacústica para o contexto “popular”.

Numa época que sucede a utilização dos sintetizadores pelos Pink Floyd ou os Yes, falando de rock progressivo e psicadélico, e em contemporâneos como Vangelis (com uma abordagem mais ecléctica e relacionada com a música ambiente), os Kraftwerk retrataram o sentimento duma época que vê 2001: Space Odyssey de Kubrick – ou no lado soviético Solaris de Tarkovski –, Blade Runner de Ridley Scott; e os primeiros videojogos pela Atari ou Nintendo. O tema “homem-máquina” estende-se a vários campos e valências da cultura e a intenção de abordá-lo é declarada desde os primórdios do grupo de Düsseldorf, com temáticas sempre associadas à evolução tecnológica, à máquina, à velocidade, ao movimento.

Em Portugal, meio século antes, Álvaro de Campos, famoso heterónimo pessoano, tinha uma relação semelhante com a corrente modernista do futurismo. Quem ouve Kraftwerk só não lhes associa essa corrente por ter sido mais proeminente na década de 1920, em Itália, mas é impossível não vermos o que os une. A intenção de abordar esta ligação encontra-se logo à partida no título. Ao pormos no play, o intuito mantém-se óbvio.

A vontade de expressar o movimento – mecanizado, importante frisar – sente-se numa utilização contínua das drum machines e sequenciadores, com ritmos padronizados, inalterados ao longo de cada faixa. Não há desvios, não há erro humano. Há a perfeição dum relógio suíço nos BPMs que acompanham os sintetizadores e as vozes de Kraftwerk: ao natural ou com vocoder.

As figuras, demonstradas na famosa capa (original) com a típica estética da propaganda comunista soviética, todas vestidas de igual para afirmação da homogeneidade ou mesmo a própria mecanização do homem, são Florian Schneider e Ralf Hütter, membros-fundadores, acompanhados de Karl Bartos e Wolfgang Flür.

Ao longo das 6 faixas, The Man-Machine soa a tudo menos humano, no fim de contas. O sintetizador é uma máquina muito celebrada, mas sem a mão humana não toca. É aí que volta a ligação ao homem. Com estes instrumentos, a tensão criada nas várias camadas das músicas é completamente fértil e humana. “Metropolis” e o abismo dos prédios que nos engolem nas grandes cidades, na adição e subtracção dos sintetizadores e dos ritmos na variedade condicionada da sonoridade de videojogo 8-bit.

A simplicidade estrutural de “The Model” tem a voz a repetir uma melodia emblemática do sintetizador que dita toda a harmonia da faixa. A mais extensa, “Neon Lights”, demonstra os moldes de arranjo semelhantes às de todo o registo dos alemães, com sintetizadores que entram e saem, como se percorrêssemos todos os processos de produção numa fábrica. O vocoder de “The Man-Machine”, “The Robots” e de “Spacelab”, que repete o título para criar uma melodia sintetizada, destoa com a voz humana de “The Model” e de “Neon Lights”, onde a letra é mais explorada.

As repercussões de The Man-Machine vêem-se em tudo e todos. Desde o techno até IDM, passando pelo electro pop/synth pop ou o trip hop. É impossível ignorar essa influência no uso de sequenciadores em 100th Window dos Massive Attack, quase inteiramente concebido por Robert Del Naja, ou até na banda sonora de Ex-Machina de Ben Salisbury e Geoff Barrow, uma das grandes figuras dos Portishead.

A última ligação óbvia será o uso do vocoder, que, 40 anos depois, é um instrumento de relevância na música contemporânea e que teve períodos de maior importância — ou seja, cada ano em que houve um lançamento dos Daft Punk, mestres da música electrónica no contexto popular — e que passa nos últimos tempos por um período de evolução com a criação do Prismizer, instrumento criado por Francis Starlite (Francis and the Lights) e muito celebrado por Bon Iver, Kanye West ou Frank Ocean, alguns dos mais fascinantes artistas da actualidade.

 


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