LP / Digital

Kolida Babo

Kolida Babo

MIC Records / 2019

Texto de Rui Miguel Abreu

Publicado a: 16/04/2019

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Kolida Babo é o projecto que resulta do encontro de dois músicos gregos. Socratis Votskos é clarinetista, mas, enquanto parte integrante dos KB, aumenta o seu arsenal tímbrico com o duduk arménio (outro instrumento de sopro da família das madeiras), baixo eléctrico, saxofones barítono e soprano, gaita de foles e piano; Harris P também usa o duduk,, mas, de igual forma, não se queda por aí recorrendo também a um par de Moogs (Sub Phatty e Minimoog), percussões acústicas e electrónicas, mais sintetizadores como o Jupiter 6 ou o JX10 da Roland e assumindo ainda o que se credita na ficha técnica como “atmospherics”. Aos dois elementos centrais do projecto, junta-se neste homónimo registo ainda o músico Nick Varelas em Dhol arménio, Bendir e Daf.

O álbum agora lançado  pela MIC (Music Inspires Change) é um extraordinário registo que parte de tradições arménias e gregas (das regiões de Epiro e Trácia) e as cruza com electrónica ambiental e derivas exploratórias que se podem situar em terrenos free jazz. O conjunto resulta extremamente original, com o respeito pela tradição a não toldar no entanto uma criativa abordagem. O uso do duduk, por exemplo, é aqui subvertido: este instrumento é normalmente executado em pares, com o primeiro músico a assumir a componente melódica e o segundo a sustentar a acção com um drone que lhe confere espessura harmónica, só que aqui o papel do segundo duduk é por vezes assumido pelas ferramentas electrónicas, com os Moogs a oferecerem os drones graves que o duduk exige para as suas colorações melódicas.

O mérito de Kolida Babo é precisamente o limbo indefinível que parece revelar, entre tradições e modernidade, entre passado presente e futuro, entre o rigor acústico e a manipulação electrónica, entre o jazz de recorte mais espiritual e, como muito bem refere o texto de apresentação do projecto, o quarto mundo projectado nas imaginações de Jon Hassell ou Brian Eno e o olhar cósmico que alguma produção electrónica alemã dos anos 70 ousou alimentar. Esta música que cruza as fronteiras do tempo, do espaço e da estética é, também por isso (ou exactamente por isso…) igualmente política, livre porque nunca presa a um rótulo ou a uma intenção singular ou a uma ideia. Subverter os próprios pontos de partida, rasgar os mapas e não temer navegar às cegas por terrenos não identificados costuma ser uma boa ideia na música. Com estes Kolida Babo é igualmente uma estratégia de congeminação de uma música que é vibrante precisamente porque existe para lá de categorizações fáceis e simplistas. E ajuda, obviamente, que a técnica demonstrada seja sólida e até virtuosa, com o duduk a servir como guia num admirável mundo novo que é produto da imaginação e da vontade de dois músicos que faremos bem em manter debaixo de olho.


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