[TEXTO] Rui Miguel Abreu
23 Winters é o título do EP/mixtape de estreia de Kojey Radical, artista de ascendência ganesa, natural de Londres que se apresenta como poeta, músico e artista. Aplausos de divulgadores como Mary Anne Hobbs têm lançado luz sobre o trabalho subterrâneo deste artista que tem investido muita energia na construção de um caminho singular.
Ouvindo 23 Winters não é fácil identificar uma afiliação estética clara para Kojey Radical: na sua voz e no seu flow sente-se tanto da energia e rugosidade da escola grime quanto da capacidade de dispor palavras com sentido em cima de padrões rítmicos que artistas como Saul Williams têm evidenciado ao longo dos anos. Entre o puro mcing e a spoken word, Kojey desfila poderosas imagens poéticas num ep que trata questões fundas de identidade, que aborda o que significa ser imigrante numa terra estranha. A pontuar todo o EP, a voz nobre e carregada de cicatrizes do pai de Kojey Radical fornece uma espécie de moldura para as sofisticadíssimas figuras de ginástica que opera com a sintaxe. Por baixo, produções de Selvsse, Lupus Cain, Niels Kirk, KZ The Producer, New Machine (que já remisturou Ed Sheeran, por exemplo) e Mike Musiq – uma selecção de luxo de beatmakers animados por uma ideia progressiva da arte electrónica, todos a procurarem contornar normas e estilos de fronteiras claras. Há por aqui ecos de jazz, programações rítmicas que ecoam uma realidade pós-grime, guitarras dedilhadas e envoltas em reverb, ecos e ambientes densos. E a voz de Kojey, que tudo sobrevoa com uma autoridade que denota experiência e talento.
No início deste mês, a versão britânica da Source destacou Kojey Radical como uma das figuras a m,anter sob observação ao longo de 2016. Nesse perfil, Kojey é descrito como um intenso e carismático artista que sabe como prender uma audiêmcia, falando por vezes ao longo de muitos minutos entre canções quando pisa o palco, com as suas narrativas extra-musicais – “sobre ex-namoradas ou sobre o seu amor por Shakespeare”, como escreve a Source – a revelarem-se tão merecedoras de atenção quanto as canções que também apresenta. Essa capacidade ficou clara durante a digressão em que abriu para os Young Fathers (o grupo que acomnpanhará os Massive Attack na sua próxima passagem por Portugal, integrados no cartaz do SBSR), grupo com cuja estética a música de Kojey Radical aliás possui vários pontos de contacto.
Em 2015, Kojey Radical fez-se ouvir em temas soltos como o poderoso “Open Hand” ou “Blind Eye”, que contou com a participação de Frank Gamble. Até agora, estas amostras soltas do seu talento têm-se somado a esparsas colaborações (marcou presença numa edição de ItsNate e J.D. Reid na Astral Black), sentindo-se claramente que a gestão da carreira de Kojey Radical está a ser tranquilamente ponderada. A edição recente de 23 Winters indicia que este é o ano escolhido por Kojey Radical para deixar a sua marca de forma mais clara no panorama musical contemporâneo. E esse objectivo é conseguido com um trabalho intenso, original, poeticamente poderoso e sem concessões de qualquer espécie. “They think they’re Tony Montana, I think I’m Kwame Nkrumah” grita Kojey Radical no incrível tema em que referencia o líder independentista do Gana que líderou o primeiro groverno do seu país após a independência do império britânico em 1957. Tema poderoso em que Kojey manifesta toda a sua individualidade e talento. É uma das 10 faixas de 23 Winters.