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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/12/2023

O artista sediado em Berlim estreia-se pelo Colectivo Casa Amarela.

Kmado: “Como artista, não estaria satisfeito só a fazer coisas de uma forma ou só com o mesmo som”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/12/2023

Saiu hoje At Ease, Under a Falling Heaven, o primeiro lançamento de Kmado pelo Colectivo Casa Amarela, misturado e masterizado por Pedro Menezes e envolto num artwork assinado por Mafalda Melim.

O fenómeno da internet music em todo o seu esplendor tem informado e fomentado a criatividade de Kmado, produtor português sediado em Berlim que já editou material recorrendo a outros alter-egos ao longo da última década e que, desde 2021, tem vindo a cimentar um catálogo próprio de forma mais consistente. No último par de anos, tem vindo a colaborar com o rapper norte-americano Airospace, lançou o LP I Set Ablaze Across The Sky e contracenou com Swan Palace num single selado pela Soul Feeder, “Promises 2 Thorns”.

Neste seu novo At Ease, Under a Falling Heaven, mantém uma certa toada hyperpop que lhe detectámos em trabalhos anteriores, mas aproxima-se especialmente do planeta jungle e drum & bass, do qual admite ter extraído influências de uma era muito específica, quando o sub-género dessa electrónica mais “inteligente” criado a partir do Reino Unido inundava as bandas sonoras dos videojogos entre a década de 90 e o início do milénio. Nas suas mãos, a fórmula sofre mutações através de camadas shoegaze e noise e uma certa infusão com outras ramificações mais hardcore dentro do drum & bass, como o breakcore. Em 4 faixas, Kmado vai das pistas de Wipeout às lágrimas da estética emo e mostra-nos ao que soa aquilo que surge apelidado no Bandcamp como um universo “pós-SoundCloud”.

Como forma de melhor entendermos a forma como pensa e aborda a produção musical, o Rimas e Batidas enviou algumas perguntas por e-mail ao mais recente artista a ingressar numa edição pelo lisboeta Colectivo Casa Amarela.



Gostava que começasses por me dar uma retrospectiva do teu percurso. Como é que se dá a tua ligação com a música e em que altura é que surge a necessidade de colocar em marcha o projecto Kmado?

Sempre fui muito fascinado pela música, não sei como explicar mas sempre me intrigou. É daquelas coisas que quando era puto ficava vidrado com música nova e assim. Lembro-me de começar a fazer música quando ouvi pela primeira vez o “Bangarang” do Skrillex, essa malha mudou-me a vida. De repente no meu mundo há música que soa assim e eu nem sabia processar aquilo bem. Foi aí que me deparei com o FL Studio pela primeira vez, tipo 2011 ou assim, mas depois só comecei a sério no secundário a fazer house e electro e assim. Ao longo do tempo, e depois de lançar e apagar músicas sob vários heterónimos, lá fiquei com o nome de Kmado, lê-se “queimado” porque achei que tirar o “quei” e meter um K era a cena mais funny de sempre na altura. Depois fui mais uma vez lançando e apagando projetos e faixas de vários estilos, desde o hip hop ao house a cenas mais experimentais e pop, que já não sei se se encontram. Lá em 2021 é que comecei a lançar coisas com que posso dizer que finalmente me identifico artisticamente.

Tenho estado a escutar os projectos que tens lançado pelo Bandcamp e o que mais me tem chamado à atenção é a facilidade com que te desdobras por diferentes campos da produção electrónica — do noise à hyperpop. O que te fascina neste amplo universo ao ponto de não te deixares prender até ao momento numa coordenada mais específica?

Acho que uma das coisas mais intrigantes de fazer música, para mim, é mesmo saber que consigo fazer o que quero. Acho que é libertador saber que se quiser tomar uma direção que o posso e consigo fazer, mas ao mesmo tempo é também algo assustador para mim, especialmente trabalhando á base de projetos, sentir que preciso de fixar projetos a um certo estilo. À medida que vou evoluindo como artista vou tentando só fixar-me no que gosto de fazer e de ouvir e tentar não ficar tão preso a um só estilo ou género. É mais divertido assim.

Toda esta mistura de sons acaba por ser um propósito assumido em Kmado, ou é mais parte de um processo a decorrer que te está a levar a procurar pela tua própria linguagem e que, consequentemente, te direcciona a explorar várias opções?

Isso é uma ótima pergunta na medida em que não sei responder ao certo. De certa forma, são as duas coisas — por um lado é todo o processo de criar até encontrar o som que me define, mas por outro é mesmo pelo prazer de explorar novos sons e novas ideias. Para mim, como artista, não estaria satisfeito só a fazer coisas de uma forma ou só com o mesmo som. Isso em si, na minha opinião, acaba por ser a ideia de Kmado também.

Não pude deixar de reparar mais especificamente na faixa “Edge of the Sun”, que tens num dos trabalhos que editaste este ano, I Set a Sail Ablaze Across the Sky. Lá podemos escutar a voz do Airospace, um rapper americano relativamente desconhecido que tenho vindo a seguir nos últimos dois ou três anos. Como foste dar à música dele e de que forma surgiu a hipótese de colaborarem num tema?

Um amigo meu mostrou-me a música do Airospace tipo em 2017 ou 2018 quando me mostrou o anime Bakemonogatari, porque uma das personagens está presente em várias capas dos álbuns dele (a Senjougahara Hitagi) e fui ouvindo as malhas dele. Um dia ele mandou-me mensagem no SoundCloud a dizer que curtia dos meus beats (na altura em que metia beats lá) e fomos colaborando desde então. Se fores ouvindo as coisas mais recentes deles consegues ouvir beats meus, tipo nas faixas “The Pleasure is All Mine” e a “Who Would Love You?”. Quando estava a criar esse álbum eu sabia que teria de colaborar com ele numa faixa, então mandei essa a julgar que ele ia mandar umas rimas mas surpreendeu-me pela positiva com o resultado final dessas rimas serem berradas. Ficou brutal.

Agora editas um disco com bases bem assentes no drum & bass. O que te fez enveredar por este caminho e que influências nos apontarias dentro deste ramo tão específico da electrónica?

Honestamente porque estava a ouvir bastante drum & bass e breakcore. Comecei a fazer faixas de drum & bass e assim já há alguns anos, mas só tipo no ano passado é que comecei a fazer mais a sério. Acho que quando estive em Lisboa e comecei a ir a gigs da scene comecei a querer fazer coisas com mais agressividade e mais velocidade, para tocar ao vivo e para o pessoal se mexer também, sendo que as coisas do meu álbum são mais lentas, mais para ouvir nos headphones. Então, como estava a ouvir já bué cenas de breakcore e jungle e assim, tentei fazer a minha versão das coisas a misturar o emo e o shoegaze à cena. Acho que, influências para este EP, diria as cenas de Drain Gang, 7777 の天使, KAVARI, Deafheaven e my bloody valentine. E pá, honestamente, aquelas playlists do Youtube de músicas de jungle e drum & bass de jogos da PS1 e da N64.

Indo ao processo de criação mais especificamente, de que forma orquestraste as quatro malhas deste teu novo At Ease, Under a Falling Heaven? Que softwares ou máquinas usas para produzir e como é que me descreverias o teu processo de criação habitual para chegar a um tema?

Este EP diria que veio bué naturalmente. Eu comecei com a “Paper Kites Together, Forever”, que fiz numas horas à noite e meti logo no SoundCloud (que, aliás, ainda lá está a primeira versão) e o pessoal pareceu curtir da faixa. Foi daquelas coisas que veio só naturalmente, peguei na guitarra, meti bué distorção e toquei só dois acordes que samplei no FL Studio, dei loop, fiz a bassline e meti uns breakbeats por cima que fui dando chop aqui e ali. Depois gravei umas vocals com mesmo bué distorção e reverb só a dizer coisas random para ver a melodia que acabei por manter no background, depois é que escrevi as letras e gravei. Meti também um coro de um VST. Realmente essa faixa só tem 4-5 coisas a acontecer. Depois de a lançar, inicialmente, gostei tanto que quis fazer um projeto à volta, então foi usar mais ou menos as mesmas técnicas aqui e ali e ir criando a narrativa. Geralmente, quando crio um projeto tento pensar numa ideia ou num tema primeiro, e escrevo a tracklist para ele antes de o compor para ter uma ideia, e vou a partir daí. Aqui quis explorar a relação à distância entre duas pessoas, mas de duas pessoas com esperança de acabarem juntas independentemente dessa distância. É um tema cliché, mas eu sou grande fã de clichés. Aqui faço o paralelo entre estes temas e a minha própria relação à distância com a minha namorada (shoutout ursi). Quis também meter temas que se contrastam, tipo a calma do céu azul com urgência, ou dessa dor que vem com a distância ser contrastada com o “dar as mãos”. Essa parte da distância vem nos títulos também, com o uso das vírgulas e assim, e esses contrastes vêm no título do EP. Quando finalmente acabei as quatro faixas que ficaram, mandei ao Swan Palace (shoutout ao Swan Palace) que fez a mistura e a masterização final. Estou bastante orgulhoso do projeto, acho que é uma cena fixe.

Depois de teres assinado uma faixa pela Soul Feeder, contas agora com o selo do Colectivo Casa Amarela neste teu EP. Como é que surgiu a hipótese de editar por eles? Já conhecias o trabalho que têm vindo a desenvolver?

O ano passado eu e Hot Dancerzzz tocámos no Desterro e acho que ficámos a par das cenas uns dos outros. Depois, um amigo meu, o João Tenera (shoutout Rádio Live e Punhais), mandou um mix meu para a Casa Amarela, e a partir daí fomos colaborando, como por exemplo na Rua das Gaivotas com o Grupo Coral de Auto-tune e depois na compilação Five Daggers. Mais tarde ainda me deixaram tocar um mini gig no estúdio deles. Achei que seria uma grande cena lançar com eles, agradeço-lhes imenso o apoio todo que me têm dado, e é uma honra continuar a colaborar com eles.

Enquanto português a residir no estrangeiro, continuas a acompanhar o que se vai fazendo deste lado da Europa?

Sim, acho que sim. Estive bastante desatento até ao João da Rádio Live me pôr a ouvir tudo e toda a gente na scene e ao longo do tempo fui conhecendo as pessoas também. Aqui em Berlim também estão vários artistas portugueses incríveis, então acho que até me sinto a par das coisas, mas também sinto saudades de estar em Lisboa às vezes. Toda a gente que fui conhecendo sempre foi muito acolhedora.


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