Um marco notável. Kimi Djabaté já leva 25 anos a promover as tradições musicais da Guiné-Bissau e a sabedoria herdada dos griôs através de uma carreira musical que já rendeu a edição de quatro álbuns. Em Lisboa, esse longo trajecto vai ser celebrado com um concerto em nome próprio na Voz do Operário já este sábado, 18 de Outubro, no qual o músico brindará na companhia de outros artistas com quem sente ter “uma ligação verdadeira”, conforme revela numa troca de impressões com o Rimas e Batidas. Janeiro, JP Simões, Karyna Gomes, Márcia, Norberto Lobo, Patche di Rima e Selma Uamusse são os convidados que também subirão ao palco neste importante momento da vida do guineense.
Terike (2005), Karam (2009), Kanamalu (2016) e Dindin (2023) são as obras já rubricadas por Kimi Djabaté, ele que nasceu em Tabato no seio de uma família de poetas e guardiões da história ancestral dos povos da África Ocidental. Munido do seu balafon, instrumento tradicional do seu país que começou a tocar com apenas três anos de idade, vai passar em revista todos esses trabalhos, demonstrando uma pluralidade musical — que cruza géneros como o gumbé, o afrobeat, a morna, o blues e o jazz — e uma profundeza poética que aborda temas que parecem estar a cair em desuso nos dias que correm — há, por isso, especial urgência em escutar as suas mensagens de reivindicação, afecto e esperança.
Tendo crescido em Tabato numa família de griôs e começado muito cedo a tocar balafon, como se equilibra hoje entre o peso da tradição — que carrega de infância — e o impulso de inovar musicalmente? E há algo na sua formação ancestral que ainda o surpreende quando volta a revisitá-la?
Cresci em Tabato, numa família de griôs, onde a música não é apenas arte é uma forma de viver, de comunicar e de transmitir valores. Desde pequeno aprendi que tradição não significa repetição, mas continuidade. Por isso, mesmo quando busco novas sonoridades ou exploro influências diferentes, o que trago comigo é sempre essa raiz. A tradição é o meu ponto de partida, nunca a minha prisão. E o que ainda me surpreende, quando volto às origens, é perceber como há sempre algo novo escondido naquilo que é antigo.
Já colaborou com artistas muito diversos — desde a Madonna a músicos africanos tradicionais. Qual foi o desafio mais inesperado com que se deparou numa dessas colaborações? E houve alguma que sente que o tenha feito aprender algo tão inovador ao ponto de mudar a sua abordagem musical?
Trabalhar com artistas tão diferentes, da Madonna a músicos africanos tradicionais, foi uma grande escola. Cada colaboração tem o seu desafio, porque exige abrir espaço para o outro, mas sem perder quem eu sou. Com a Madonna, por exemplo, aprendi muito sobre a força da simplicidade e sobre como a música pode unir mundos que parecem distantes. Essa experiência mudou a minha forma de pensar a produção musical.
Como pessoa, sente que mudou muito nestes últimos 25 anos?
Como pessoa, sim, mudei muito nestes 25 anos. Vivi muitas coisas, conheci diferentes culturas, cresci com cada concerto e com cada pessoa que cruzou o meu caminho. Mas continuo com o mesmo amor pela música e com o mesmo desejo de partilhar algo verdadeiro com o público.
Dada a longevidade da sua carreira, que conselho(s) específico(s) daria aos jovens da Guiné-Bissau ou de outros países africanos que sentem o chamado da música tradicional mas que também pretendem inovar? Como aconselharia a fazer essa ponte sem se perderem no caminho?
Aos jovens da Guiné-Bissau e de África que sentem o chamado da música tradicional, diria: conheçam bem as vossas raízes, porque é isso que vos dá identidade. Inovar é importante, mas é preciso saber de onde se vem. A tradição é uma bússola — ajuda-nos a avançar sem nos perdermos.
Mais do que reflectir sobre o que já foi feito, certamente que dá por si a pensar no que irá fazer a seguir. Olhando para os próximos cinco ou dez anos, que tipo de projectos gostaria de realizar?
Nos próximos anos quero continuar a criar pontes. Gostava de desenvolver mais projetos que juntem músicos africanos e de outras partes do mundo, especialmente em contextos educativos e culturais, onde a música possa inspirar mudanças reais.
No seu mais recente álbum Dindin fala de temas como os direitos das crianças, de educação e de desigualdades. Qual foi a canção desse trabalho que mais o tocou emocionalmente durante o processo de composição e porquê?
No álbum Dindin, a canção que mais me tocou foi justamente “Dindin”, porque fala das crianças e da importância da educação. Escrevê-la fez-me lembrar de onde vim e do que ainda falta fazer para que todas as crianças tenham oportunidades.
Para o concerto de celebração na Voz do Operário, quais os critérios que teve em conta para escolher os vários convidados que o vão acompanhar? E o que é que sente que cada um deles pode trazer de particular à sua música?
Para o concerto de celebração dos meus 25 anos, escolhi os convidados com o coração. São artistas que admiro e com quem sinto uma ligação verdadeira, como JP Simões Márcia, Selma Uamusse, Karyna Gomes, Janeiro, Norberto Lobo, Parche di Rima, entre outros. Cada um deles traz uma energia diferente, uma cor, uma emoção, e juntos vamos celebrar não só a minha trajetória, mas a força da música que nos une.