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Publicado a: 10/03/2017

Keso no Musicbox: uma fonte de criação garantida

Publicado a: 10/03/2017

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Inês Condeço

Um homem e o seu microfone. A passagem de Keso pelo Musicbox, ontem, no contexto de mais uma noite Gin & Juice, podia servir de prefácio para um livro, ou, aproveitando a devoção do artista pelo universo da sétima arte – facilmente comprovada pelas entrevistas espalhadas por essa tão vasta Internet e pelo recentemente divulgado vídeo de “BruceGrove”- , de trailer para uma película cinematográfica, daquelas sombrias e enigmáticas que prendem o espectador a um enredo de metáforas e outras tantas figuras de estilo.

Passamos a explicar. Keso é dono de um imaginário fora do comum. Nele cabem as mais diversas histórias e abordagens, das vivências bairristas de carácter local às experiências de dimensão global (falamos, obviamente, do episódio da sua vida em que se viu obrigado a procurar trabalho além fronteiras, mais precisamente em Londres). Tudo isso desagua numa análise pragmática e ponderada de tudo o que o rodeia. Se a vida de Keso desse um filme, este abordaria temas tão distintos como a toxicodependência no bairro do Aleixo e o drama da Troika e da emigração.

 


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Numa primeira análise, ver salas de cinema com a plateia a menos de meio gás, como aconteceu ontem, pode tornar-se algo desconcertante. Todavia, essa desmotivação esvai-se num instante, mal concluímos que há certos filmes que nem toda a gente conseguiria compreender e que, para estarem a desviar a atenção dos outros, mais vale não marcarem presença. O próprio anfitrião da noite não se deixou afectar por isso. Conduziu o concerto com elevada competência, interagindo com o público sempre que possível. Apesar de tudo, ficou no ar a sensação que a energia emanada da plateia para o palco podia ter sido outra.

O warm up que antecede o concerto é entregue a DJ Spot, que viaja por clássicos do hip hop com pompa e circunstância (scratch, beat juggling, tudo e mais alguma coisa). À direita da sua bancada é possível vislumbrar uma cadeira alta sobre uma caixa de madeira. É a partir daquela espécie de palanque que Keso se vai dirigir a nós, num misto entre confissão e acusação, relatos e desabafos, rima e canto. Aqui sobressai o seu carácter ubíquo. Keso consegue estar, ao mesmo tempo, no banco dos réus (“Então Paga”, que contou com a participação de Johnny Virtus), na cadeira de um confessionário (“Underground”, inteligentemente guardada para o final) e no divã da sua própria auto-terapia (“Defeito Sério”). A estrutura de madeira onde se senta, mal entra em palco, representa isso tudo.

 


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Na retaguarda, uma imagem projectada serve de cenário a uma boa parte do concerto. Trata-se de uma rua, triste, degradada, desprovida de vida. Nessa mesma rua surge um supermercado, descaracterizado, igual a tantos outros comércios das grandes metrópoles. As palavras escritas em inglês sugerem que a cidade representada seja Londres, o que vai ao encontro da vivência do anfitrião (“BruceGrove” faz-se ouvir no preciso momento em que se esboça este raciocínio), porém, este pode ser o quadro de qualquer cidade do mundo, visto Keso ser perito em desfazer mitos de exclusividade e singularidade (“Gente e Pedra”, uma das que marcou presença no alinhamento, comprova-o).

Recortado num ambiente escuro, depois de ter pedido inúmeras vezes que lhe desligassem as luzes de palco, Keso coloca em evidencia as suas qualidades de sonoplastia. Enquanto debita palavras ao microfone, controla a quantidade de efeito a partir de uma mini mesa de mistura montada ao alcance da mão. Canta, grita, adiciona reverb. Keso não está apenas a interpretar. Está a criar em tempo real, como se estivesse no seu quarto, mostrando que não se contenta apenas com a missão mais simples que se pede a um rapper (em “Manobras de Outono”, que contou com a participação de Kapataz, o anfitrião da noite aproveitou os momentos em que lhe competia fazer backvocals para divagações sónicas).

 


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Apesar de se ter focado no mais recente trabalho discográfico, KSX2016, o concerto de ontem visitou O Revolver Entre As Flores, através de temas como “Belarmino de Volta ao Ringue”, “Eternamente em Cena” e “Na Rua Tenho Acústica”, todas elas razoavelmente bem recebidas pelo público. No final de contas, feito o balanço de uma noite que só pecou por não ser mais calorosa, há uma certeza que invade a pessoa que assina este texto: Keso ainda tem muito para dar. Se pegarmos nas palavras proferidas logo no início do concerto (“não canto para viver, vivo para cantar”), então podemos ter a certeza que, enquanto o seu coração bater, teremos sempre algo de bom para ouvir.

 


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