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Publicado a: 02/08/2017

Keita Mayanda: “O principal propósito deste EP é deixar à minha filha um conjunto de pistas sobre quem eu sou”

Publicado a: 02/08/2017

[TEXTO] Hugo Jorge [FOTOS] Direitos Reservados

Dirigindo-se à filha e falando sobre um mundo em mudança, Keita Mayanda interrompeu um hiato de três anos e voltou com Músicas Para Despertar E Motivar Em Tempos De Incerteza. O EP é um importante (e raro) testemunho crítico da realidade angolana (mas não só), ao mesmo tempo que serve de ponte para transportar-nos a um lado mais pessoal: o de um pai preocupado com o futuro da sua família.

A rodar desde 28 de Julho, o disco é mais um trabalho com selo do recém-criado colecto OKWAMI, que junta rappers como Damani Van Dunem, Verbal, entre outros.

 


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Três anos depois do último trabalho, o que te fez voltar? Para quem é este EP?

Primeiramente, dirige-se à minha filha, foi ela o combustível para eu voltar ao estúdio e gravar, é ela na capa do EP. Ainda é cedo para ela ouvir ou interessar-se, mas a mensagem está aí para que um dia ela possa conhecer as minhas crenças, as minhas ideias. Segundo a todas as pessoas a quem essas questões possam interessar, todas as etnias e geografias, as experiências humanas não são exclusivas e a música é um veículo excelente para deixar isso evidente.

E para o quê que precisamos de estar acordados e motivados?

Os últimos 5 ou 6 anos têm sido um parto doloroso para o planeta todo, principalmente por causa dessa recente recessão económica que tem escala mundial. Angola foi duramente atingida por ela e pela forma como as finanças públicas foram geridas, como o bem público continua ainda hoje a ser gerido no país, o estado está falido, empresas entram em falência todos os meses, precisamos de repensar o modelo político e económico, mas também o modelo de pessoa que temos construído nesses últimos 20 anos. Precisamos de acordar para a realidade actual não apenas económica, mas humana e cultural: para onde estamos a caminhar como povo? o que o futuro nos reserva no contexto de África e do mundo, continuaremos a ser esse país considerado “marginal” ou iremos evoluir para uma sociedade mais justa?

Estamos em ano de eleições em Angola. São esses os tempos de incerteza de que falas?

A incerteza advém sobretudo de estarmos a viver uma viragem económica e também geopolítica e ela não acontece apenas em Angola, mas um bocado pelo mundo todo (Venezuela, Brasil, EUA, Médio Oriente, principalmente na Síria e no Iraque) o modelo político está em falência, o económico também, as pessoas que se posicionam politicamente à direita gostam de pensar que o capitalismo é perfeito, não é, perpetua muitas injustiças e isso precisa de ser resolvido. Em termos de relações raciais continuamos como nos anos 50 ou 60, as relações África-Europa continuam a ser de colonizados e colonizadores quer os políticos quer os media europeus perpetuam esse discurso, basta lembrar o que recentemente disse o presidente francês sobre as razões da pobreza em África, é estúpido e simplório esse discurso, mas serve interesses centenários.

Na faixa “negação” abordas o tema da identidade para dizeres que não és o “quase-branco-preto europeizado”. Estes e outros estereótipos que os média veiculam são culpa de quem? Dos artistas angolanos e/ou africanos que não são suficientemente genuínos, ou da dita cultura ocidental que não os aceita tal como eles são?

Somos “todos” culpados. Dizer todos é claramente uma generalização da culpa, mas creio que nós africanos temos a nossa quota de culpa, assim como os países que colonizaram estados africanos e criaram essa necessidade de civilizar o negro, continuamos a viver como sociedade baseado nesses valores, a assimilação de uma cultura judaico-cristã/ocidental/caucasiana e a rejeição da cultura Bantu de onde uma larga parte da população africana descende incluindo a maior parte da população angolana, essas questões não são devidamente discutidas em Angola, muitos dos nossos “traumas sociais” tem directa relação com a maneira como nos vemos enquanto povo, mas também individualmente.

É fácil de perceber que o EP está dividido entre dois actos, notando-se grandes diferenças de letra e sonoridade. Apesar disso, decidiste juntá-los num trabalho só. Porquê?

Porque fazem todos parte de algumas questões que são importantes para mim e eu queria que a minha filha pudesse reflectir como um conjunto, é também uma forma de ela conhecer quem eu sou em termos ideológicos. Não é possível abordar 38 anos de vida mesmo que tivesse colocado junto 15 faixas ao invés de 7. Em termos estéticos foi também importante a questão do “mood” e dinâmica na hora de fazer um disco, não queria que o EP tivesse um único ambiente sonoro ou tema.

Tens uma música dedicada à tua filha. Até que ponto a paternidade mudou-te como artista?

A paternidade leva-nos a pensar na mortalidade e brevidade da vida. E se eu não viver o suficiente para vê-la crescer? E se ela tiver dúvidas e eu não estiver aqui para guiá-la? Eu precisava de resolver essas questões e a música é um veículo bom para aproximar, para entreter e ao mesmo tempo educar. O principal propósito deste EP é deixar para ela um conjunto de pistas sobre quem eu sou, sobre o que eu penso. As duas últimas músicas são o meu principal legado para ela, principalmente “o manifesto do homem” é como eu desejo que ela venha a encarar a vida e os seus desafios.

Agora parte integrante do colectivo OKWAMI, vamos ter um Keita Mayanda musicalmente mais activo nos próximos tempos?

Definitivamente, esse é o principal propósito do colectivo. Este ano ainda irei lançar pelo menos mais um trabalho musical.

 


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