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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/10/2023

A cantora norte-americana apresenta Cape Verdean Blues em Portugal.

Kavita Shah: “O que faz os blues e a morna é a mesma coisa: sentimento”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/10/2023

Em Janeiro de 1966, o pianista norte-americano Horace Silver lançava The Cape Verdean Blues, um disco feito com o seu quinteto de jazz e a colaboração do trombonista J. J. Johnson. O disco era inspirado pelas raízes de Silver, versão americanizada de Silva, filho de pai cabo-verdiano. 

Quase 60 anos depois, outra norte-americana do jazz homenageia os blues de Cabo Verde que é como quem diz a morna com um disco com o mesmo título, editado a 29 de Setembro pela Folkalist Records. Nascida e criada em Nova Iorque, cidade de muitas culturas e línguas, a cantora Kavita Shah tem pais indianos e desenvolveu, ao longo dos anos, uma forte paixão pela cultura lusófona e, em particular, pela música brasileira e cabo-verdiana.

A artista encontra-se neste momento em Portugal para apresentar o álbum que gravou com Bau, guitarrista que foi um colaborador próximo de Cesária Évora, a grande figura da música e cultura cabo-verdiana, ícone que funcionou também como porta de entrada para Shah no arquipélago africano e que inspirou directamente toda esta jornada. Miroca Paris também participa neste álbum que inclui diversas versões e extravasa as fronteiras de Cabo Verde.

Kavita Shah vai actuar esta quarta-feira, 1 de Novembro, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com a convidada especial Nancy Vieira. No dia 2 canta na Casa da Música, no Porto; e passa depois pelo Teatro Ribeiro Conceição, em Lamego, a 3 de Novembro; antes de partir para uma série de espectáculos em Cabo Verde. Foi o pretexto para uma entrevista com o Rimas e Batidas, numa manhã chuvosa num café na baixa lisboeta, para desvendar este trilho percorrido e a ligação que Kavita Shah criou com Cabo Verde.



Sei que te começaste a interessar pela música cabo-verdiana de forma um pouco acidental, não foi planeado. E identificaste-te muito com os sentimentos que são transmitidos nesta música tradicional até porque coincidiu com uma fase por que estavas a passar na tua vida pessoal, em que tinhas perdido várias pessoas importantes para ti, e essa música marcou-te particularmente. Mas, nesse primeiro encontro com a música cabo-verdiana, o que é que te impressionou e atraiu?

Bem, eu já estava a estudar português quando estava na faculdade de Harvard. E já estava obcecada com a música brasileira. Então, já tinha esta coisa com a música lusófona, com a língua portuguesa… O meu primeiro contacto com o mundo lusófono foi quando tinha nove anos e havia aprendido uma canção na minha escola pública em Nova Iorque, que era o “Samba de Orfeu”, do Luiz Bonfa, e escreveram as letras em português, mas, foneticamente, em inglês. E nesse ano fui à Índia passar as férias de Verão. Na altura só conhecia os Estados Unidos, Inglaterra, talvez a Suíça, e a Índia… Então, era um meio bastante anglófono. E foi naquela altura que fomos de férias para Goa. Foi o meu primeiro contacto com o mundo lusófono. Já não é assim tão lusófono, mas as estruturas, as influências… E fui num barco turístico com os meus pais e havia um senhor com uma guitarra a tocar. E eu fui ter com ele, disse-lhe que conhecia uma canção em português e que queria cantar com eles. E cantei aquela que tinha aprendido na escola. Foi uma semente.

Que ficou aqui, na cabeça?

Mais no coração. Nesse Verão estava bastante doente, estive no hospital, pensei que tinha malária, tinha febres muito altas, perdi muitos quilos, então aquela viagem a Goa foi uma espécie de conforto… Era um lugar bonito, de flores e insectos coloridos, de coisas que nunca tinha visto. Era outro mundo. Uns anos depois, eu estava a estudar espanhol e as culturas e músicas latino-americanas e foi nessa altura que comecei a descobrir a música brasileira, a bossa nova, nomes como Tom Jobim, João Gilberto, Astrud Gilberto… E naquela época de faculdade encontrei uma compilação de música lusófona, que tinha música de Cabo Verde e de outros países africanos. E incluía duas canções da Cesária: “Bia Lulucha” e “Sodade”. E eram muito diferentes das músicas que eu já conhecia. Fiquei muito encantada com a voz da Cesária, sobretudo na “Sodade”. Fiquei comovida. E eu tenho um ouvido muito… Eu lembro-me muito bem das letras, da sonoridade. Para mim, a língua, a música… Então já tinha um pouco esse conhecimento. E uns meses depois estava a morar no Brasil, em Salvador, na Bahia…

E foi quando pudeste ver a Cesária Évora ao vivo.

Sim, foi quando a vi. E realmente foi aquilo que me marcou mais. Foi completamente outra experiência. Ela tinha um poder muito forte, sem se esforçar. O poder dela era 100% natural. Ela fumava, bebia whisky, não estava a fazer entretenimento… E eu senti naquele dia que tudo estava nas mãos dela. Ela tinha esse poder. Nós, e os músicos, estávamos nas mãos dela. E esse poder vinha da autenticidade dela. Foi isso que me marcou. E fiquei com a ideia de um dia poder conhecer o país dela.

E como é que isso se processou? Sei que, depois, acabaste por poder investigar e estudar a música e cultura cabo-verdiana.

Na altura ainda tinha 20 anos, estava a fazer pesquisa sobre a música afro-brasileira para a minha tese. Nessa viagem, comecei a olhar mais para a música enquanto parte da sociedade, relacioná-la com assuntos sociais, comunidades, diásporas… Porque estava envolvida na questão da consciência negra no Brasil. Depois voltei à faculdade, fiz a minha tese, concluí o curso, trabalhei um pouco como jornalista e aí entrei no jazz, e iniciei a minha carreira, a lançar discos, a actuar… E em 2016 precisava de fazer uma pausa. Fiz uma viagem sabática por África e passei seis semanas em Cabo Verde. Foi quando lá fui pela primeira vez. Eu já tinha a ideia de ir lá, mas parecia um lugar mais longe do que é, sobretudo para um americano… É quase um lugar mítico. Aquelas ilhas no Atlântico… E eu dizia que ia fazer um trabalho para Cabo Verde e muito poucas pessoas sabiam o que era. Psicologicamente, era muito longe, parecia assim um oásis. Mas foi uma viagem magnífica. Eu não tinha nenhuma expectativa, foi o meu marido que planeou a viagem, eu nem sabia em que ilha iríamos ficar, qual era a ilha da Cesária, deixei isso tudo para ele. Queria ir sem expectativas. Mas ficámos na ilha da Cesária, São Vicente, cinco casas abaixo do sítio onde ela costumava viver, e onde a família ainda vive, e diz Casa Cesária no exterior. Fomos à ilha dela, que culturalmente é a mais importante. E eu, como nova-iorquina que cresci a falar outras línguas e a conhecer outras culturas, achava muito interessante porque Cabo Verde é um país crioulo. E São Vicente, em particular, porque foi um centro de carvão no século XIX, tem uma cultura muito rica, uma mistura de portugueses, africanos, ingleses… E muita gente de outros países que passava ali. Então, houve uma troca de culturas muito interessante que levou a que a música, a cultura, fosse o que é. Por exemplo, também houve indianos em Cabo Verde, através do colonialismo português. É um lugar onde acho que uma pessoa como eu se pode sentir em casa. 

Mais tarde é que tiveste uma bolsa para investigar realmente e passares lá mais tempo. 

Sim, mas da primeira vez conheci logo o Bau. Passámos numa loja de música e perguntámos onde poderíamos encontrar um cavaquinho. Porque lá há muitos luthiers. E eles deram-me uma morada, que era para trás de um cemitério. Apanhámos um autocarro e fomos descobrindo, falando com as pessoas, para perceber como chegávamos lá. Era um sítio muito simpático e comprei um cavaquinho. E perguntei quem é que me poderia ensinar a tocar em São Vicente. E o senhor disse: “Nós temos o melhor cavaquinista de todas as ilhas, de todo o Cabo Verde.” Era o Bau. Mas eu não sabia quem era o Bau. E foi assim, foi muito natural. Quando cheguei à casa dele é que vi um retrato da Cesária na parede, vi uma casa grande, ouvi-o tocar… Deixei o meu cavaquinho de lado para poder cantar com ele, porque é incrível. Então, essa primeira viagem já foi de descobertas. Eu e o Bau a trocar ideias, a conviver, a partilhar noções musicais…

Há pouco falavas da tua facilidade para ouvir e compreender a música, e também de seres uma pessoa de línguas. Para ti foi fácil entender e cantar as canções cabo-verdianas?

Sim, já cantava a “Sodade”, está no meu primeiro disco. E já tinha encontrado uns cabo-verdianos que me tinham ajudado com a pronunciação, já tinha algum conhecimento. E depois foi muito natural, foi ir perguntando coisas ao Bau, mais sobre as entoações… Depois aprendi a falar crioulo.

E, quando foste embora, certamente que ficaste com vontade de voltares um dia, com mais tempo.

Claro. Eu sentia que tinha uma vida ali. Em pouco tempo, fizemos muitas amizades. Conhecemos muitos músicos. Adorámos a ilha. Gosto muito de viajar e de conhecer gente, mas há poucos lugares assim, em que possas chegar e integrar-te. Se calhar tem também a ver com a morabeza, aquela coisa cabo-verdiana…

De bem receber.

Sim, lembro-me do dia em que estávamos de saída nessa primeira viagem, e as pessoas tinham-me perguntado quando é que eu ia embora, despedes-te de toda a gente, e mesmo antes de sairmos do hotel começa a aparecer toda a gente com presentes. “Aqui está o meu livro, aqui está isto ou aquilo.” Ou pessoas que só se queriam despedir. Foi incrível sentir aquilo. E quando as pessoas te dão amor, tu retribuis.

E tiveste logo a ideia de te candidatares a uma bolsa para voltares a Cabo Verde?

Sim, sentia que ainda tinha muitas coisas para aprender. Queria conhecer o crioulo, descobrir a vida da Cesária, tinha coisas importantes para entender. E voltei lá dois anos depois. Aí fiz muitas entrevistas, formais e informais, com músicos, especialistas na música cabo-verdiana… Na antropologia há um termo que se chama “observador participante”, um método de pesquisa, por isso fiz algumas entrevistas formais mas também passei muito tempo simplesmente a conviver e a participar na vida diária das pessoas. Houve um dia em que fiz um piquenique com o Vasco Martins, o melhor compositor de música clássica erudita de Cabo Verde; o Germano Almeida, que é um escritor muito conhecido; o Tchalé Figueira, o pintor… São os grandes, não é? E fomos fazer um piquenique. Por isso fiz muitas coisas informais. E, sei lá, ia cantar com um senhor que cantava num bar apenas para ter grogue. Era importante também compreender o que era a morna para ele. E tudo o que está no meio entre essas duas dimensões.

No meio dessa pesquisa, desses contactos, que te permitiram aprofundar os teus conhecimentos, o que é que te surpreendeu mais?

Eu compreendi melhor a vida da Cesária. Falei com muitas pessoas que eram próximas dela. Fui à casa dela, estive com a família. Quando ela se tornou famosa, já não era jovem, não é? E durante muitos anos, em São Vicente, ela cantava num lugar que se chamava Piano Bar, do Chico Serra, que é um pianista incrível. E tive a experiência de compreender quem ela era no meio das lendas, e não é ainda linear para mim onde é que os mitos acabam e a vida real começa. Porque ela é mesmo uma figura mítica, sobretudo agora, depois da sua morte. Ela aparece nas notas, o aeroporto tem o nome dela. Muitas pessoas dizem que ela não foi valorizada enquanto estava viva. Mas durante anos ela tocava no Piano Bar com o Bau, o Chico Serra, e um grupo de amigos que ia cantar, tocar… E, numa noite, o Bau levou-me de carro e mostrou-me: “Era aqui que o Piano Bar ficava. E entrávamos por aqui. E a Cesária ficava sentada neste canto durante horas.”

Foste quase refazer alguns passos da vida dela.

Sim, com pessoas que realmente a conheciam. Porque há muitos que dizem que a conheciam, mas não… Pude conhecer o Chico Serra, o Morgadinho, que é um dos mais importantes músicos e que agora tem 95 anos… E acabámos a escrever uma canção juntos.



Tu tens outro background, vens dos Estados Unidos e tens ascendência indiana. Como foi para eles verem alguém que vem de fora ter tanto interesse pela cultura e música cabo-verdiana?

Bem, eu não sou a primeira. A Cesária chegou ao coração de muita gente. Não sei se houve alguém que tenha feito uma pesquisa tão intensiva, mas é possível que sim. É importante também dizer que sou muito amiga da Fantcha, uma cantora de Cabo Verde que agora vive em Nova Iorque. Ela foi o meu primeiro contacto com Cabo Verde porque a filha dela vendeu-me o vestido de noiva anos antes de eu ir para Cabo Verde. E a Fantcha e a Cesária eram unha com carne. O Bau disse-me: “Não há ninguém que conheça melhor a Cesária do que a Fantcha.” Então, através dela e também do Bau, sinto realmente uma conexão com ela e um entendimento, mais ou menos, de quem ela era. De como teria sido se eu a tivesse conhecido… A Fantcha diz-me sempre que ela teria ficado super-feliz com o trabalho que tenho feito. Que teria significado muito para ela. E fui sempre bem recebida. E conhecer a música e a vida dela foi a inspiração, mas este projecto depois não se ficou pela Cesária, depois fui por outros caminhos, descobri outros artistas… 

A ideia de depois gravares um disco com estas músicas certamente que foi muito natural no caminho que estavas a fazer.

Sim, não estava à espera de o fazer, mas eu estava também a actuar, participei num festival com o Bau… E fizemos um concerto no Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, demos uma entrevista para a televisão, então o projecto estava a evoluir. E eu disse: “Eu não sei quando é que vou voltar.” Então o Bau sugeriu: “Porque é que não gravas alguma coisa?” E eu achei uma boa ideia. Para um músico, gravar é uma maneira de tirar uma foto, de mostrares o que és. Consegues-te ouvir a ti mesma, podes querer melhorar isto ou aquilo, é uma forma de veres exactamente onde estás naquele momento do tempo. É uma lembrança, um registo. Então, para não nos esquecermos das coisas que tínhamos construído, pensei em gravar três ou quatro canções e acabámos a gravar dez no estúdio e decidimos que teria de ser um álbum. Como o estúdio em São Vicente era muito pequeno, não permitia gravar instrumentos, mas gravei as vozes em conjunto com a guitarra… Uns meses depois, estava em tour com o meu projecto de jazz, passei por França, Espanha e Portugal, e tive cinco dias livres e encontrei-me com o Bau aqui em Lisboa. Gravámos no Atlantico Blue Studios e fizemos todas as guitarras, mais uma canção nova, e acrescentámos ao projecto o Miroca Paris. Primeiro era para nos divertirmos, mas depois já era um álbum e queria ter mais sonoridades, mesmo que com a essência de voz e viola. Tradicionalmente, a música cabo-verdiana é guitarra e voz, cavaquinho e voz. É muito simples. E queria voltar a isso também, porque muitos dos artistas… Se formos ouvir a Lura, por exemplo, tem uma banda com baixo, com outras coisas, e eu queria fazer uma coisa mais simples. Talvez também porque o meu último projecto tinha sido de contrabaixo e voz. Queria sentir-me como se estivesse na casa do Bau, que foi onde este projecto surgiu. E o Miroca ia só fazer dois temas, mas foi tão fantástico que continuou… E depois eu fiz muita pós-produção em Nova Iorque, sou muito perfeccionista, e neste disco fiquei obcecada com todos os pequenos detalhes e a torná-lo perfeito. O Miroca estava em digressão com a Madonna, estava instalado em Nova Iorque, eu já tinha a ideia de chamar ao disco Cape Verdean Blues, convidei-o para o estúdio para gravar esse tema.

E agora estás a apresentar este disco em tour. Para ti é mais um passo neste caminho de ligação a Cabo Verde e queres dar vários outros? Ou é um projecto que, por agora, existe com este álbum e esta tour e depois preferes focar-te no teu percurso mais jazzístico ou partires para outra ideia?

Eu já tenho outro disco gravado, que devo lançar daqui a um ano ou ano e meio, que é um disco do meu quinteto de jazz. Mas é mais virado para a Índia [risos]. Tenho uma canção em português, que é a “Canto de Iemanja”, do Baden Powell, do Brasil, mas é mais uma continuação do trabalho que tenho feito desde o início da minha carreira. Um ano depois da minha primeira visita a Cabo Verde, no Natal de 2017, fui às minhas aldeias ancestrais na Índia, que nunca tinha conhecido, porque os meus pais tinham vindo de Mumbai e eu só conhecia essa cidade cosmopolita. Mas nessa altura pude conhecer as minhas raízes e senti que já tinha visto aquelas paisagens noutros países… Aquela parte da Índia já está virada para o mundo árabe e o meu povo é de comerciantes, há muitos indianos dali que foram para Moçambique ou para Portugal… 

E levou-te a querer explorar essas raízes na música?

Eu quero, ainda não o fiz, mas quando lá fui vi o mar, vi as árvores das mangas, cores brilhantes… Senti que poderia ser a Colômbia, o Caribe, Cabo Verde, África… Isso era o meu percurso, foi como se eu já tivesse conhecido de onde eu era nestes locais que antes já me tinham atraído. Então, o disco tem alguns standards de jazz, tem muita música original mas inspirada por muitos sítios. Há uma canção inspirada pela Costa do Marfim, uma canção brasileira, uma canção que escrevi para a casa do meu bisavô… Incorporei alguns traços das ragas, a música clássica indiana… A ideia do álbum é sobre a minha viagem para entender as minhas raízes, mas vai chamar-se All Roads Lead To Home um trocadilho com All Roads Lead to Rome, ou seja, “Todos os Caminhos Vão Dar a Roma”. Neste caso significa que home, um lar, pode ser encontrado noutros sítios também. E Cabo Verde e estes sítios foram uma maneira de eu perceber a minha “casa”. Por isso, quando lá cheguei, já a conhecia de alguma forma. Mas esse será o meu próximo projecto. Cabo Verde vai fazer sempre parte do meu caminho, porque lá sinto-me muito em casa, tenho lá muitos amigos… Imagino voltar, fazer concertos e explorar as outras ilhas e outros estilos de música. E sinto-me tão abraçada pelo público cabo-verdiano, eles gostam muito da maneira como canto a morna… Isso faz-me sentir bem, então é um lugar onde penso sempre voltar. E Lisboa está a tornar-se mais interessante para mim. Nesta semana, em Lisboa, tenho estado com cabo-verdianos, mas também há outras coisas por explorar. Seja Goa, seja Angola, Moçambique… E muito a conexão indiana. Eu diria que, depois de Cabo Verde, a próxima ideia que tenho para pesquisar seria Moçambique, porque há muitas pessoas do meu povo em Moçambique. Então, aquela mistura de Índia e África, língua portuguesa… Também me interessa muito. E acho que Lisboa é um lugar interessante para ver onde estão todas essas coisas.

Chamaste ao disco Cape Verdean Blues, e obviamente, sendo tu uma americana e sendo os blues uma canção tão marcante do teu país, tendo tu uma perspectiva tão abrangente de investigadora, reconheces muitos paralelismos entre os blues e a morna? 

Fizemos agora uma tour de três semanas nos EUA, e foi engraçado porque, na última noite, o concerto foi em Chicago onde, comercialmente, tudo aconteceu para os blues há 100 anos. Houve uma grande migração dos afro-americanos, do sul para o norte, nos anos 10 e 20. Chicago é uma cidade importante para os blues, e tocámos no centro indiano, o South-Asian Institute, num festival chamado Shades of Blue. E, antes de nós, havia um bluesman, um cantor que tocava harmónica com uma rapariga que tocava veena, um instrumento de cordas, e foi uma fusão muito interessante. Mas ele está a cantar blues, e disse: “Blues é sentimento, o que faz os blues serem os blues é o sentimento”. E foi aí que eu realmente compreendi a conexão entre aqueles blues e a morna de Cabo Verde. Porque é o que o Bau sempre me disse. Ele nunca me disse que uma música era boa, nem nunca me disse “bom trabalho”. Ele só diz: “Estava com sentimento”. O que faz da morna a morna é o sentimento. Portanto, é igual. Mais importante do que qualquer qualidade musical ou técnica, é o sentimento.


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