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Publicado a: 15/08/2017

Kate Tempest: os seus heróis e vilões somos todos nós

Publicado a: 15/08/2017

[TEXTO] Vera Brito [FOTO] Direitos Reservados

Kate Tempest é das vozes mais pertinentes e vibrantes que Londres gerou nesta última década. Aos 31 anos, a rapper/escritora/poeta, já editou dois discos (ou três se considerarmos também o seu primeiro projecto Sound of Rum), um romance, várias peças de teatro, livros de poesia e uma peça de spoken word que lhe valeu um dos mais prestigiantes prémios, até agora, da sua carreira – o Ted Hughes Award – isto se, este ano, não levar também consigo o Mercury Prize, já que se encontra nomeada com o seu último álbum, Let Them Eat Caos.

Nascida e criada no complicado bairro de Brockley, no sul de Londres, Kate Calvert de baptismo roubou ao mar e às suas tempestades (e não à obra de Shakespeare, de quem é confessa fã) o nome artístico Tempest. E todos aqueles que já mergulharam, a sério, em qualquer um dos seus trabalhos sabem que, as suas águas revoltas são capazes de destruir com fúria qualquer pequeno mundo de certezas, para que no final da tempestade, a bonança, traga de volta o equilíbrio.

 



Cresceu numa família numerosa, a mais nova de cinco irmãos, e terá sido nesse turbilhão familiar que encontrou pela primeira vez a sua própria voz. Adolescente rebelde e activista, cedo se desiludiu com as manifestações e protestos militantes, largamente ignorados por uma classe política que continua a colocar as questões humanitárias no fundo da pilha de prioridades. Hoje prefere travar as suas lutas na folha de papel e em cima e um palco, desde que percebeu ser este o caminho pelo qual poderia fazer a diferença, quando aos 16 anos enfrentou pela primeira vez uma plateia, numa noite de improviso de rap na loja de discos em que trabalhava.

Se hoje é difícil perceber em que universo a londrina tem maior relevância, se na literatura ou na música, a verdade é que a sua primeira paixão foi o rap, e dele e das letras que escrevia, surgiu a poesia. Dois universos, talvez não tão distantes como se possa julgar ( Bob Dylan não ganhou este ano o Nobel da literatura?), que Kate Tempest une numa simbiose genial. Os seus discos têm sempre como ponto de partida uma narrativa complexa, Everybody Down (que também recebeu uma nomeação para o Mercury Prize de 2014, arrecadado pelos Young Fathers) foi o resultado do sumo extraído à história que acabaria por resultar no seu primeiro romance, The Bricks That Built The Houses. Quando Kate Tempest se reuniu estúdio com o produtor Dan Carey já trazia consigo um rascunho das histórias decadentes, de droga, dinheiro, corrupção e desilusão, dos londrinos Becky, Harry e Leon, onde cada capítulo foi condensado numa faixa.

 



Em Let Them Eat Caos, o processo repete-se, sete novas personagens, partilham uma insónia, com a caótica Londres novamente como plano de fundo. Outra vez histórias de pessoas comuns escrutinadas pelo olhar atento de Kate Tempest – estes são os seus heróis e os seus vilões, a celebração do quotidiano, onde todos somos capazes das melhores coisas, bem como das mais vis e terríveis.

Esta é também a premissa da sua peça de spoken word Brand New Ancients, que pretende reclamar aos dias de hoje uma nova mitologia, em que os protagonistas já não são aqueles que matam dragões, mas os que se levantam todas as manhãs para encarar mais um dia de trabalho, vencendo a rotina dos dias e tentando fazer sentido do mundo. 75 minutos intensos de poesia declamada com o coração na boca e a razão nas mãos, que Kate Tempest com a ajuda de uma banda, apresentou em 2012, também disponíveis em livro e disco, que não deixou ninguém indiferente e lhe valeu um dos mais importantes prémios na literatura do Reino Unido, o Ted Hughes Award que distingue anualmente a vozes mais inovadoras na poesia. A mais jovem vencedora até hoje deste prémio – 31 anos e uma alma tão antiga.

Actualmente encontra-se a trabalhar num novo livro e disco, que muito provavelmente farão novamente percurso a meias. Que novas histórias estará Kate Tempest desta feita a cozinhar? Se a inspiração continuar a ser Londres e as vidas comuns, prevemos narrativas ainda mais carregadas e negras, nesta Europa perdida, que vê o Brexit uma realidade instalada onde o terrorismo continua a gerar medo, e o medo a gerar ainda mais terrorismo. Vivem-se tempos em que nos parece que nunca foi tão flagrante a disparidade entre os que espalham incompreensão e os que apelam à empatia. Vilões e heróis, gostaríamos que desta vez Kate Tempest nos pudesse revelar um futuro mais risonho.

 


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