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Publicado a: 04/11/2015

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[TEXTO] Sidónio Teixeira

 

Karamika. Um projecto a quatro mãos. Desafiante mas sugestivo. George Thompson e Gordon Paul apresentam algo ainda precoce e já dotado. É a proposta da ESP Institute para deixar marca na electrónica deste ano.

Eis um mundo paralelo onde se entra lúcido e sai estanque. Aqui viaja-se por muitas das (essenciais) inspirações das quais resultou a abrangência da palavra música. A objectividade do conceito expresso torna o trabalho sem termos de comparação, mas a descendência evidencia-se nas veias deste projeto com muito pulso. Há apontamentos de criadores como Kraftwerk e Neu!; aqui elevados e expostos a uma maneira mais orgânica na forma de gerar apetência para novas atmosferas.

Este duo dá mãos e cérebro a 12 faixas – intituladas por números e não palavras – que compõem um universo criativamente anárquico mas contido e eloquente na composição. Ritmos africanos seguem na mesma pista que a electrónica, ambient, tribal, o house e o trip (sem o hop). Daí resultam propostas sugestivas pelo entorpecimento dos sentidos. Na altura de cruzar ideias, este duo adopta a metodologia de exemplares nomes da arte criativa, já na década de 70, onde os Kraftwerk introduziram o mundo aos primeiros bites dos synths analógicos. Rítmicos e concisos. Thompson e Paul seguem a doutrina da disciplina: as diferentes tonalidades do som não se intrometem entre si, apenas se cruzam e multiplicam. “Ton 04”, por exemplo, são nove minutos claustrofóbicos de um percurso com pontos de partida e chegada completamente antagónicos.

Ainda sobre a fusão de tons, sublinhe-se a prevalência do analógico, sempre impulsor de cada faixa, que não perde protagonismo ao longo dos minutos mesmo quando se introduzem fontes sonoras com formas diferentes do framework inicial. Todas se complementam e isso evidencia a estrutura do projecto. No início, por exemplo. As iniciais ondas cinéticas complementam-se com o drum metronímico, tornando difícil a percepção da passagem do tempo. A narrativa constrói-se pelo carácter inerente aos elementos que edificam cada um dos “Tons“. Toda a peça exibe, de forma unânime, a paralaxe dos universos observados por Thompson e Pohl.

A estética, por si, faz-se com uma paleta de cores que divergem entre aquilo que faz o hard e o soft da electrónica, com ambientes mais lúcidos e orquestrados. Uma metodologia que em quota parte recorre ao trabalho de Cluster nas décadas de 80 e 90. Destaque para a quase materialização deste trabalho, que com o tempo se torna mais realista perante sugestões – o cair do orvalho, a fúria de um bando de gafanhotos ou o simples sopro do vento a derrubar as latas perdidas num deserto.

Karamika funciona muito como isto: uma abstração implacável mas também sugestiva. Ideias que ganham cada vez mais coesão ao longo de todo o processo, evidenciando a dedicação que lhes é dada. Uma homenagem muito conseguida ao mundo idílico anteriormente vislumbrado pelos impulsionadores da electrónica orgânica.

Faixas essenciais: “Ton 01”, “Ton 03”, “Ton 04”, “Ton 08” e “Ton 09”.

 

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