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Fotografia: Rachel Bobbitt
Publicado a: 10/12/2020

Guitarra, para que te quero.

Justice Der: “Fazer covers ajudou-me a descobrir a minha voz”

Fotografia: Rachel Bobbitt
Publicado a: 10/12/2020

O lo-fi hip hop viu o seu crescimento e solidificação no consumo mais desenfreado da música como comodidade, floresceu nas playlists funcionais – para estudar, para relaxar, para domingos em casa e por aí fora. Nessa mesma visão, o próprio slowed + reverb é já visto como o seu sucessor, o próximo género gentrificado no mundo da música — e ambos vivem como subculturas com raízes bem assentes no YouTube. Seja o lo-fi como comodidade de consumo passivo e voraz nos streams e rádios em directo (sim, com a imagem anime daquela rapariga a ler, vocês sabem); ou o slowed + reverb, uma recapitulação/adaptação/continuação (escolham o vosso lado da barricada) dos ideais estéticos e técnicos de DJ Screw. Curiosamente, um foi-se desenvolvendo em direcção ao Spotify e a outras plataformas de streaming, o outro tem ganho fama no TikTok. Para analisar nos próximos tempos…

Entre essas duas correntes, poderíamos apontar ainda para um artista que talvez desenhe contornos na música actual com base no mesmo estojo “youtubiano”. Vai buscar o lado do hip hop instrumental sedoso, mas também os edits lentos, emotivos e descomprometidos. O seu nome é Justice Der e a essas características acrescenta ainda uma pitada dum mundo jazz distinto, possivelmente do seu background a estudar guitarra e grandes artistas como Miles Davis e George Benson. Conhecemo-lo com uma guitarra e um pedal de loop, com os quais cria os elementos necessários – a batida, a harmonia e a melodia – para dar nova roupagem a temas de gigantes do r&b e hip hop contemporâneo como Frank Ocean, Travis Scott, Tyler, The Creator, Daniel Caesar, Kendrick Lamar ou Drake. O artista canadiano tornou-se um fenómeno para esta geração que também vive no YouTube com os seus covers de grandes músicas que ficarão em todas as listas de melhores da década de 2010. Mas há mais para lá dessa cortina.

Justice Der tem-se aventurado também na composição. Podemos já contar com lançamentos desde 2018, desde o EP Nostalgic for Things to Come (além de alguns singles soltos do mesmo ano) ao álbum colaborativo com Rachel Bobbitt (com quem trabalha regularmente, até em alguns dos covers), When This Plane Goes Down. O seu último EP Racing Games saiu há dois meses e, embora o músico insista que a melodia continua a ser um dos seus principais focos neste trabalho, há uma notável evolução e interesse crescente na procura por diferentes texturas, mais electrónicas e sonhadoras, sem nunca descurar a guitarra.

Quando parece que este instrumento está a perder a sua relevância, muita música r&b, trap e drill volta a recorrer ao uso deste versátil instrumento. Justice Der aprovou esta afirmação em conversa com o Rimas e Batidas.



Como tens lidado com a pandemia até agora? Tem sido complicado para todos, é claro, mas alterou muito os planos que tinhas para o resto do ano?

A pandemia mudou muito os meus planos para este ano. Estava a viver em Toronto, a terminar o meu terceiro ano de faculdade, quando a pandemia começou realmente aqui, no Canadá. Toronto é uma cidade enorme, por isso eu e a minha namorada decidimos mudar para um sítio mais pequeno para estarmos mais seguros. Estávamos a viver na província dela, de Nova Escócia, durante um tempo, e agora estamos na minha, Saskatchewan. Tenho tido sorte para me manter saudável e passar muito tempo com a minha família e velhos amigos até agora. Dito isto, tenho muitas saudades dos meus amigos e da comunidade musical de Toronto.

Tens uma forma jazzy de tocar coisas que vêm de espectros musicais diferentes. Claro que são apenas categorizações, mas estes arranjos que fazes trabalham muito em função da aproximação entre diferentes géneros. Conta-nos um pouco sobre o teu background e as tuas influências, e como elas se juntam.

Eu lembro-me da sensação de não ter o meu próprio gosto musical. Antes sequer de pensar em música, eu ouvia muito do que o meu pai ouvia. Embora não estivesse a ouvir a música conscientemente, penso que muita da mesma me tenha afectado realmente. Ouvi muito Dire Straits, Michael Jackson e coisas iniciais dos Jackson 5. Ele também punha muito blues como BB King, Buddy Guy e Robert Cray. Depois disso, limitei-me à escuta de muito indie rock como os Phoenix e os The Strokes, antes de experienciar uma verdadeira ruptura com o Kind Of Blue do Miles Davis. Esse disco mudou a música significativamente e pôs-me interessado em jazz e eventualmente em hip hop.

Ficaste muito conhecido com os teus covers jazzy de temas conhecidos de r&b. Este EP, Racing Games, era algo que planeavas há algum tempo? Sabias que querias criar as tuas próprias coisas quando começaste o teu canal de YouTube?

Desde o início não havia realmente um plano. Eu só comecei a fazer as versões porque havia canções de que gostava mesmo e descobri que podia ficar mais próximo delas adaptando-as. Fazer covers de músicas ajudou-me a descobrir a minha voz. Assim que percebi qual era, senti-me preparado para fazer música original.



Este EP é algo diferente dos teus covers. Além da questão óbvia de que isto são as tuas criações, dá para sentir que a as partes melódicas perdem o foco principal, e as ambiências, a produção e a harmonia ficam no centro do palco estereofónico, por assim dizer. Sentes o mesmo em relação a isso? Foi algo planeado?

Embora este álbum seja mais textural que o os meus trabalhos anteriores, eu diria que as melodias continuaram a ser o foco para mim enquanto estava a criar.

Como pensas que estes artistas que tu tocas – tais como o Frank Ocean, o Travis Scott, o Tyler ou o The Weeknd – influenciaram o teu som ou composição?

É escusado dizer, mas os artistas que eu toco influenciam-me grandemente à sua maneira. Por exemplo, o Tyler mostrou-me que podia fazer da música a minha carreira sem ajuda [exterior]. Ele tem uma abordagem DIY que é contagiante para a criatividade. O Frank inspirou-me de tantas maneiras, a nível de texturas e melodias, mas, mais que isso tudo, acho a sua ética de trabalho e dedicação à arte realmente inspiradora. Ele é um excelente escritor e isso não é um acidente.

E quanto às tuas referências a nível visual? Há alguns realizadores ou fotógrafos que te inspiram? Isto também porque costumas ter filmes a passar no fundo dos teus vídeos.

Eu adoro fotografia e cinema. Tive uma disciplina de fotografia durante todo o liceu. A minha escola tinha uma câmara escura, então aprendemos a revelar e imprimir rolos, o que foi uma grande experiência. Na mesma altura, eu vi as fotos do Gregory Crewdson pela primeira vez. O seu trabalho e muitas fotografias das ruas de Nova Iorque foram as primeiras conexões. Há também um fotógrafo de que gosto muito que se chama Wing Shya, que trabalhou muito com o realizador Wong Kar-Wai – adoro o trabalho dele. Paul Thomas Anderson, David Lynch e Kevin Philips são outros dos meus realizadores favoritos!



Conseguimos ver que tens uma grande afinidade com cantores, rappers e compositores. E quanto a guitarristas? Quem foi o músico que te fez pegar numa guitarra a princípio?

O George Benson não me fez pegar na guitarra a princípio, mas fez-me considerar levá-la a sério pela primeira vez.

No Racing Games foste tu a tocar todos os outros instrumentos? Fala-nos um pouco sobre como chegaste a estas ideias de arranjos e produção. Isto porque anteriormente trabalhavas apenas com a guitarra e um pedal de loop, e isso de certa maneira definiu um som teu para as pessoas que ouviam os teus covers, não é?

Os instrumentos no Racing Games foram tocados por mim e pelos meus amigos talentosos. Tenho os créditos todos do álbum no meu website, encorajo toda a gente a consultá-los. Os principais contribuidores para o projecto foram o Stephen Bennett, o Isaac Teague e o Josh Stanberry. A produção e os arranjos deste projecto vieram de muitos sítios, mas eu lembro especificamente de referenciar muito o Voodoo do D’Angelo e o Com Todo El Mundo dos Khruangbin.

O teu trabalho em colaboração com a Rachel Bobbitt em When This Plane Goes Down mostrou até onde vai a tua produção quando chega a altura de criar a cama perfeita para outro artista se deitar nela. Conta-nos as diferenças que sentiste entre criar ao lado duma cantora e para ti mesmo.

Quando se trabalha com cantores, geralmente tens de deixar muito mais espaço na música. Há um nível de compromisso criativo que vem com colaborar com outros, mas a Rachel e eu confiamos mesmo nas ideias um do outro, por isso não foi propriamente um problema.



Além das tuas guitarras, quantos instrumentos e hardware  usas? Gostas de instrumentos digitais ou preferes o analógico?

Eu uso muitos instrumentos quando estou a fazer música. Além da guitarra, uso principalmente baterias, baixos, teclados e percussões. Não sou picuinhas quanto ao material ser analógico ou digital, mas há gear analógico fixe por aí que adoraria ter. Descobri que o analógico pode mudar mesmo o teu processo e torná-lo mais intuitivo.

Estás a planear em expandir o teu material? Qual foi a tua última compra?

A minha última compra foi uma Nintendo Switch [risos]. A última peça de material de música que comprei foi uma drum machine. Isso tem sido muito divertido. A minha próxima compra será provavelmente uma guitarra acústica fixe. Estou à caça disso, por assim dizer.

Li uma entrevista tua na qual disseste que acreditas que a guitarra está a ter mais atenção e interesse na música popular contemporânea. Porque sentes isso?

Na minha opinião, a guitarra é um instrumento super flexível. Vai estar sempre por aí. Acho que encaixa muito bem nos sons de hip hop, por isso está a ter muito foco através desse género nos tempos que correm.


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