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Publicado a: 14/01/2017

A justiça poética da sacanice em noite de azares no Musicbox

Publicado a: 14/01/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Sebastião Santana

Sala esgotada para três artistas nacionais de rap no Musicbox é obra. Não me interpretem mal: existem bastantes artistas a representar as rimas e batidas que mereciam salas à pinha, mas só agora, muito devido à liberalização das formas de criação e produção musical, começam a criar-se espaços para os “outros” que não pertencem à primeira divisão do hip hop português.

Nerve – representante de uma geração mais antiga -, L-Ali e Mike El Nite são filhos da Internet? Claro. “Onde é que estavam quando lancei o primeiro álbum?”, atira o primeiro sarcasticamente depois de tocar duas canções de Eu Não Das Palavras Troco a Ordem. Há 9 anos, o segundo e o terceiro teriam sido engolidos pelo crescimento lento do rap nacional e voltariam rapidamente para o quarto. Hoje não. Em 2017, não. O espaço criado pela esfera virtual está umbilicalmente ligado à realidade e nada melhor que ontem para comprová-lo.

 


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Entramos na rua cor-de-rosa e a entrada para o local do concerto não tem fila. Mal entramos, vemos L-Ali a descarregar versos com Pesca nas costas e Tilt a coadjuvá-lo durante uns minutos. Cansaço, gripe e a inércia do público: o rapper mascarado insurgiu-se contra a impavidez da plateia, mas a mudança veio do palco. O flow acelerou, os beats ficaram menos esquizóides e, a certa altura, a audiência sentiu — L-Ali não é só mestre a criar cenários surrealistas, melhorando lançamento após lançamento, agora com Colónia Calúnia.

“Banghello!”, faixa produzida por Razat, é a primeira “desculpa” para Mike El Nite subir a palco. A maior reacção do público acontece nesse exacto momento e, apesar de pertencer ao primeiro álbum de L-Ali a solo, a canção parece ser reconhecida por todos.

Do sacana mascarado para sacana nervoso: intervalo curto a intercalar dois rappers idiossincráticos. iPod em esteróides colocado em palco e Nerve, rapper-comediante-actor-artista, acompanhado por uma nuvem negra em cima da cabeça a entrar para rejúbilo dos presentes.  Trabalho e Conhaque para todos numa sexta-feira de azar — nem por isso — e “Cidade Perfeita”, “Monstro Social” ou “Nós e Laços” a serem debitados, palavra por palavra, pela sala cheia. Se Tiago Gonçalves não pensou, depois de lançar o álbum de estreia em 2008, em fazer carreira da música — apesar de ser redutor chamar música à performance imaculada em todos os aspectos que apresenta —, os seus fãs, nos últimos dois anos, fazem questão de relembrar-lhe que não vão arredar pé.

 


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Com Mykki Blanco no público — sim, o artista nova-iorquino —, Nerve não parou de brilhar, mesmo que adore chafurdar-se na lama e deixar-se envolver em cenários grotescos nos seus versos. Como é recorrente, Blasph apareceu para destilar jazz — podemos substituir swag por jazz para dar outra piada à coisa? — em “Acena”, canção do álbum do rapper da Margem Sul com produção de Sam The Kid. Os artistas da Mano a Mano “matam o porco” em conjunto e a festa continua.

“Quero mais é que se foda o Tennessee”, canta o MC em “Subtítulo”. Para os mais desatentos — o público parecia já estar informado sobre a situação —, a referência a Andy Kaufman estava (ligeiramente) errada e Nerve altera ao vivo o que ficou registado em estúdio. Um apontamento que não altera em nada o autêntico banger obscuro que é o single do seu último trabalho.

De surra, DWARF e Diogo Sousa, baterista que toca com Mike El Nite, entram em palco enquanto Nerve prepara o público para o que aí vem. “Funeral” é “É o cara de um cigarro e o teu puto caixão com pernas” em simbiose perfeita onde o A game é auto-imposto num instrumental assombroso do “anão”. A pergunta exige-se: para quando um trabalho em conjunto?

 


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A despedida de Nerve dá lugar à entrada do Justiceiro. É interessante perceber a evolução de Miguel Caixeiro no rap nacional e perceber a importância daquela sala cheia para ele. A primeira vez que o vi no Musicbox — numa noite onde actuaram também MGDRV ou Ghettoven — a sala tinha, no máximo, 20 pessoas na audiência. O rap nacional ainda carregava a tocha do boom-bap e o público ainda despia fraldas antes de entregar-se ao admirável mundo novo.

O passado já lá vai e 2017 não é 2014. Para dar o pontapé-de-saída, “F.E.N.A” e F.E.N.A II” a recuperar Rusga para concerto em G menor e Vaporetto Titano, os dois primeiros EPs de Mike. Se a sua sonoridade descomplexada e à procura de novos mundos que ainda só tinham lugar a nível internacional, o MC, DJ e produtor foi definindo ao longo dos anos uma personalidade com individualidade acentuada. O Justiceiro foi o culminar, para já, dessa procura constante.

 


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A abrir “Horizontes” com citações a “Santa Maria” enquanto chama “Malucos do Riso” a todos os que querem ser “Olliude”, mesmo quando não o são. Músicas incríveis que ganham curvas especiais na bateria de Diogo Sousa.

Mike El Nite, como é recorrente em todos os seus concertos, chamou os convidados a palco: No Fake e L-Ali disseram “presente!”, mas ProfJam é quem brilha mais alto. “Água Fria” a puxar auto-tune megalómano à Kanye West e “Mambo nº1” a criar a ligação definitiva com a audiência.

“T.U.G.A” fecha o alinhamento com todos os intervenientes da noite em palco e festa desgarrada cá em baixo. A noite seguiria com DarkSunn e FanfaNash, mas não para nós. Depois de esgotar o Musicbox, seria natural a evolução para uma sala maior num futuro próximo. Até onde pode ir este rap nacional?

 


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