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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/05/2022

Como ama um CORPO SEM JUÍZO?

Jup do Bairro: “O que sei sobre o amor, fui eu que inventei”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/05/2022

Numa era dominada por um fluxo constante de informação, media e acessos ilusórios que fazem do desapego e da indiferença reis, é difícil parar para pensar onde pousa o amor no meio de todo este cansativo e permanente estado de alerta.

Fruto de um casamento do caos com uma vontade enorme de derrubar os muros construídos à sua volta nasce Jup do Bairro, a “multi-artista” brasileira que perante inúmeras adversidades se assume em toda a sua glória como esse corpo sem juízo, continuamente capaz de se transformar, renascer e erguer-se das cinzas enquanto encontra na rebeldia um lugar para explorar, criar e deixar de pedra e cal as palavras sobre aquilo em que acredita.

Numa entrevista com o coração na boca para o Rimas e Batidas, Jup falou-nos sobre ainda não saber amar, as razões que a fazem querer continuar a aprender a fazê-lo e todo o seu percurso agora transformado em arte, por intrínseca necessidade, algo que vem relembrar o papel fundamental que a coragem desempenha na vida de quem luta diariamente — e o importante que é não perder a capacidade de sentir.



Em 2020 foi lançado o seu primeiro EP CORPO SEM JUÍZO, agora pronto para ser apresentado nos palcos do mundo. Conte-nos um pouco sobre como surgiu o conceito para a criação desta obra. 

Olha, eu quero agradecer em primeiro lugar, estou muito feliz de estar aqui trocando ideia contigo. Então, a conceção de CORPO SEM JUÍZO se dá desde quando eu começo a compor. Eu não tinha nenhum tipo de pretensão que aquilo se poderia tornar música, se poderia tornar poesia. Comecei a escrever, na verdade, como uma espécie de terapia barata, era uma maneira que eu encontrei de conversar comigo mesma, para entender o que estava acontecendo com o meu corpo, o que estava acontecendo com a minha mente e, a partir da escrita, começo a compreender que mente é corpo e que corpo é mente.

Então, comecei a aprofundar o que poderia ser esse CORPO SEM JUÍZO, nesse corpo não pertencente e nessas escritas. Eu comecei a compor com 13 anos, que é logo quando gera essas indagações da gente enquanto adolescente, de querer se sentir pertencente a algo ou a alguém ou a um grupo e eu não me senti pertencente durante muito tempo. Queria entender qual o lugar onde eu poderia pertencer. Aí eu percebi a importância de me sentir pertencente a mim mesma, então fui fazendo essa imersão no meu corpo, proclamando o meu corpo e comecei a escrever. Eu já tinha um projeto com a música, já havia cantado algumas vezes, mas eu acredito que não me sentia pronta ainda para lançar algo. Já tinha tido a experiência de criar uma mixtape, tive algumas demos que gravei, algumas músicas de forma independente no meu quarto, entrando no meu armário mesmo, fazendo uma acústica no guarda-roupa…

Mesmo rudimentar.

É! [Risos] Colocando cobertores e tudo mais para gravar a música, mas eu nunca tinha gravado nada em versão de estúdio ainda. E daí em 2019 foi justamente quando eu me sinto pronta para produzir o meu primeiro disco a solo, mas aí eu tive a primeira indagação: “Como é que eu vou projetar este disco?”, porque fazer música no Brasil é muito difícil, o acesso à feitura é muito escasso, então a gente não tem tanto acesso a equipamentos de qualidade, estúdios de qualidade, principalmente nós que viemos da periferia. Então, aí eu tive a ideia de fazer um financiamento coletivo para esse disco. De uma forma, eu poderia fazer esse disco de uma forma independente, como sigo a minha carreira, com o meu dinheiro, mas acredito que precisava de pessoas que acreditassem no meu trabalho, precisava de acreditar em pessoas também, fazer essa troca, para que a gente pudesse se contentar nessa veia da arte.

Porém, 2019 foi um ano em que uma guerra cultural já estava estabelecida, entre direita e esquerda e que nós estávamos na corda bamba dos interesses políticos, onde todos os direitos estavam sendo ameaçados, principalmente a acessibilidade à cultura, à cidadania, ao lazer. Mas aí eu falei: “Poxa, eu acredito que apesar de muita tensão, este seja um momento também de muita sede para a galera que queira criar, que queira realmente transformar algo”. Daí eu fiz essa campanha de financiamento coletivo para o meu disco e foi muito curioso porque, para além das pessoas que me conheciam, a minha campanha deu uma certa viralizada…

A sério? Como é que isso se deu?

Eu comecei a pensar e a fazer estratégias, porque embora tivesse estratégias já prévias, eram mais performáticas e conceituais. Para o decorrer da minha campanha, tive que interpolar para outros lugares. Eu tenho uma veia cómica muito forte comigo [risos] e daí eu fui estudando campanhas de financiamento coletivo de sucesso e um ponto de atenção que eu tive, por exemplo, foi que muitos artistas chamavam normalmente outros artistas mais famosos para colaborarem com o seu financiamento, então fiquei pensando: “Ai… quem será que eu posso chamar para fazer campanha para o meu disco…” 

E quem foram os eleitos?

Levantei alguns nomes… tipo Taylor Swift, Kim Kardashian, a própria Anitta, a Rihanna… e elas não responderam [risos]. Então o que é que eu fiz? Eu comecei a pegar vídeos e a fazer dobragens em cima da voz delas, para elas fazerem fingindo que faziam parte e estavam a apoiar a campanha. Também fiz um desafio falando que se batesse a meta x eu ia transformar a minha mãe em uma emocore [risos]. Fui fazendo esses desafios até que bati essa meta da campanha em 2020 e no começo desse ano comecei a executar a criação desse disco. Porém, quando estava já quase tudo pronto, a gente se depara com a pandemia, então eu gravei as últimas vozes uma semana antes do lockdown aqui no Brasil, mas tinha arranjos e outras coisas que eu precisava gravar, então tive que gravar no armário. Depois de tanto tempo, tive que voltar para o armário [risos], tive que gravar algumas coisas em casa.

A veia cómica está mesmo lá [risos].

É [risos]. Mas, sim, tive que editar o disco em casa. Foi aí que alguns artistas me questionavam, tipo: “Nossa, eu acho que não é numa boa você lançar o seu disco agora, porque é o seu primeiro disco solo e pode ser muito perigoso porque a única distribuição que você vai ter é online e talvez outras narrativas engulam”. Mas eu ficava pensando comigo, falando que eu estou falando sobre o hoje, eu estou falando sobre o agora, acho que não faz sentido eu ter esperado tantos anos para lançar este disco para agora vir isso. E uma semiótica que eu sempre trago muito e que eu acho que é muito pertinente é que o mundo passou a viver o que corpos como o meu já viviam há muito tempo, que é o medo de sair de casa e morrer. Isso pessoas pretas, pessoas trans e travestis já sofrem há muito. Então, eu tive medo, tive muita incerteza, senti muita melancolia, mas eu tinha que ir mesmo assim, eu não poderia me dar ao luxo de me retrair por causa disso.

Era algo muito urgente.

Exatamente. E foi quando eu resolvi realmente soltar o meu disco em 2020 e acabou sendo um grande sucesso. Tanto pela crítica como pela imprensa, foi um disco muito bem recebido e eu acabei ficando muito feliz. Esse disco acaba trazendo uma narrativa principal que é muito voltada ao Corpo de Cristo também, que fala sobre nascimento, vida e morte, não necessariamente nessa ordem. Mas quando eu trago “Transgressão”, que na verdade é um renascimento de mim mesma, quando eu deixo de ser quem eu era para me transformar em outra coisa, começo a abordar questões como sexualidade e género, do que pode um corpo sem juízo e convido também quem está ouvindo a se questionar.

É interessante mencionar o Corpo de Cristo e também todo o processo que passou, pois leva-me a outra pergunta relacionada: como é que ser um corpo sem juízo influenciou o seu percurso? 

Eu acredito que um corpo sem juízo é um corpo presente ao seu tempo, sabe? Eu acho que um dos maiores exercícios que eu faço, enquanto artista, é de me sentir pertencente ao meu tempo. Não é nada incomum a gente ver artistas de outras gerações muitas vezes com indagações mais caducas, mesmo de novos artistas, de novas performances de género, de novas sexualidades, de vivências, então eu quero fazer esse exercício, para que eu tenha um projeto de envelhecer. Eu quero muito envelhecer. Uma das minhas maiores vontades é envelhecer, mas eu não quero envelhecer ao meu tempo, eu quero estar atenta a essas novas práticas de corpos sem juízo e que o meu tempo, o frescor da minha juventude, não seja o maior ditador de tendências e o melhor tempo que já aconteceu. Eu quero estar atenta a novas criações, eu quero estar atenta a novas projeções em quando eu penso principalmente nesse corpo sem juízo, é um corpo sem juízo que não vai morrer, é um corpo sem juízo que quer pensar em futuro, mas em futuro com uma extensão do presente, uma extensão do hoje, evidenciando o passado, atento ao passado, mas entendendo o hoje. Tenho uma grande vontade de voltar a sonhar. Há poucos dias, me perguntaram qual era o meu maior sonho e eu fiquei minutos a questionar-me sobre isso e eu lembro que eu enquanto jovenzinha era muito sonhadora, tinha muitos sonhos, muitas vontades, queria muitas coisas. Acredito que o mundo limou eu e muitas pessoas que sonhavam, então eu acho que o planeta e a sociedade como vai caminhando vai-nos limitando de sonhar, vai podando os nossos sonhos e noções imediatistas. Mas agora a partir do momento em que eu lanço o CORPO SEM JUÍZO e consigo conquistar tantas coisas como fazer uma tournée por Porto e Lisboa, por exemplo, isso me faz voltar a sonhar. Então, agora eu quero voltar a sonhar, quero projetar sonhos e, se quem me perguntou isso naquele dia me perguntasse hoje qual é o meu maior sonho, eu acredito que seja envelhecer, porque envelhecer é uma dádiva e eu quero viver muitas coisas ainda.

Envelhecer como Jup, o mais fiel a si própria, portanto. É um bom sonho. Voltando a esse assunto da tour referido, para contar CORPO SEM JUÍZO a partir do audiovisual, apostou numa narrativa rica em referências futuristas e avantgarde. Qual a razão por detrás da escolha desta abordagem mais futurista? Que mensagem quis passar?

Todos os videoclipes foram feitos na pandemia, então a direção foi feita totalmente de forma remota, o meu diretor estava na casa dele, eu estava na minha casa e daí ele dirigia através da webcam ou através do celular eu me fotografava. Toda a capa do disco inclusive foi feita de autorretratos, então eu é que acabei me fotografando também, tudo foi feito à distância. Quando teve a ideia de um EP visual, ela já acontecia, já era muito latente para mim, mas ela não seria totalmente em 3D. A gente resolveu transformar em 3D, justamente por conta da pandemia. Foi quando eu comecei a pensar nas possibilidades de existência do corpo para além da matéria física, se no caso a gente não voltasse mais a se comunicar, a estar presente fisicamente, o que seria o nosso corpo? E aí foi quando eu comecei a projetar esses avatares. A partir do momento em que eu posso criar um mundo todo novo, ao mesmo tempo que eu posso criar um mundo novo eu posso acabar com esse mundo, então eu queria também aniquilar tudo, acabar com o planeta [risos] com uma grande explosão. Esse mundo do 3D começa com o “All You Need Is Love”, que acaba sendo um lugar vazio onde não tem mais ninguém, mais nada e só existem três estátuas que projetam o meu rosto, o da Linn da Quebrada e de Rico Dalasam que estão ali protegendo o amor, que é a última coisa que sobrou desse mundo. Mas esses corpos, eles não sabem exatamente o que é o amor, eles não sabem o que é amar, não sabem o que eles estão protegendo ali, e esse simbolismo do amor eu acho que ele se vai protegendo justamente pela falta de reconhecimento e quando a gente começa a proclamar tanto amor esse amor transborda e destrói tudo “PUM!” [risos] Aí se cria um mundo novo, uma nova possibilidade de existência e é quando eu começo a nascer e voar e a ter novas possibilidades. Mas essas novas possibilidades, elas não são necessariamente tão românticas, porque quando volta a haver contacto com as pessoas em matéria e novas projeções no telão, o meu corpo está numa cama pedindo pelo amor de Deize [Tigrona] para levantar, para seguir. Esse lugar, essa viagem solitária, acaba sendo extremamente contraditória, então eu queria trazer esses lugares, essas sensações com esse lugar futurista, que a gente pensa muitas vezes até zoando que tem prédios enormes e flutuantes e que talvez não seja necessariamente assim. Talvez esse futurismo que está chegando cada vez mais próximo, seja fadado justamente à solidão, enquanto se vai projetando para as pessoas, sabe? É uma crítica a isso também, ao facto de que a gente busca tanto esses avanços assim, mas que talvez sejam avanços para a gente poder justamente se limitar e se proteger do contacto físico com outras pessoas e isso pode ser extremamente nocivo.

Todos esses poderosos visuais despertaram a curiosidade para os espetáculos ao vivo. Existe a representação dessa parte mais dinâmica nos concertos?

Sim, a gente tem um editorial que ele acaba sendo, tem nos clipes também, mas eu não apareço em 3D nos concertos. Porque ali já é o simbolismo do meu corpo, materialmente, e aí a gente fica só com as projeções do que seria esse mundo atrás.



Este EP conta com a produção de outro nome de peso, Badsista, o que resultou num trabalho muito abrangente no que toca a sonoridades e géneros musicais. Como foi trabalhar com esta artista? Já havia uma ideia detalhada do que se pretendia ou foi algo que foi surgindo?

A Badsista é uma das maiores génias que eu já conheci. Antigamente, quando não a conhecia pessoalmente, eu já roubava música dela no SoundCloud e colocava nos meus shows. Ela é muito foda. Depois a gente se conheceu através da produção do disco da Linn da Quebrada, Pajubá, de 2017, e a gente começou a ter uma relação muito gostosa assim, de nos intervalos de gravação ou de show a gente sempre ia para o lado e ela ficava fazendo beatbox e eu mandava uns freestyles do que vinha na minha cabeça e dali fomos criando uma amizade muito genuína, muito gostosa. Ela foi uma das pessoas que apareceu na minha vida e que me fizeram perceber, “ok, agora estou pronta para lançar um disco”, e que só podia ter sido com ela. E quando a gente começa a fazer a pré-produção deste disco, foi muito gostoso e muito latente, porque a gente tem a mesma faixa geracional, então temos as mesmas referências musicais, apesar de ela ser da zona extrema leste e eu ser da zona extrema sul, temos muito gosto em comum. Quando eu comecei a conceção do EP, eu queria que fosse como oferecer um mergulho no meu universo, queria que tivesse o que eu já tinha trabalhado e que as pessoas já sabiam, que era o hip hop com uma veia mais obscura, disco, que tivesse o funk, que eu trabalhei com a Linn da Quebrada também. Mas eu sou emo core, tive uma adolescência emo [risos] e queria trazer isso também, com as referências de pop punk e heavy metal. Tive também muita vontade de trazer umas músicas com uns synths mais pesados, que trouxesse um pouco dessa sensação de novo e antigo e tudo isso ela [Badsista] foi fazendo com muita mestria. Eu sou multi-artista, tenho muitas funções na minha carreira, mas eu não tenho nada de produção musical, então trabalhar com ela é muito maluco, porque ela tem uma sensibilidade muito grande, assim muitas vezes eu falava “ai, Badsista, eu acho que nesta parte a gente podia meter ‘furifim furumfum’ e ela pegava e fazia [risos].

Curioso ter falado dessa parte de ter tido uma adolescência mais emo, porque conseguiu retratar muito bem isso em “Pelo Amor de Deize”, uma faixa mais metal, então acredito que a Badsista tenha feito um ótimo trabalho em mostrar essa parte de si ao mundo.

Total e tudo foi-se transformando! A “All You Need Is Love” também, eu não tinha letra ainda, tinha mostrado para ela uma base e falei que tinha amado muito essa base, que queria usar e ela disse que não gostava. E eu insisti para usar e ela só dizia, “não gosto, não gosto.” Aí eu falei para ela me mandar o bounce, que eu ia ouvir de noite e disse: “Se eu não escrever algo que você goste, a gente pode descartar, combinado?” e ela aceitou. Pela noite fora fiquei ouvindo essa base, o bounce e tudo mais e daí eu escrevi a “All You Need Is Love” de uma tocada só, estava esperando ela acordar de manhã para mostrar para ela [risos]. Quando mostrei disse: “olha, Rafaela, eu tenho uma música, ela se chama ‘All You Need Is Love’, eu quero cantar para você”. Aí eu cantei para ela e ela ficou: “Tá bom, vamos usar.” [Risos]

Perante alguém que não conhecesse Jup do Bairro, que música aconselharia a ouvir em primeiro lugar como uma representação fidedigna da Jup enquanto pessoa e artista?

Olha… nossa, nunca me perguntaram isso. Fiquei agora pensativa, deixa eu ver… Ai, eu diria para ouvir o EP todo, é cinco musiquinhas, é rapidinho [risos]. Agora eu estou produzindo o meu segundo EP, que também vai ter muitos fragmentos de muitas ideias que eu quero trazer, mas eu acho que para me conhecer de uma forma sonora, mesmo, vai ser quando eu lançar o meu primeiro álbum, porque eu quero experimentar nestes primeiros EPs. Quero mostrar tudo o que eu sou, mostrar as minhas referências, o que me fez chegar aqui assim e eu acho que no meu álbum vou conseguir trazer uma música que possa realmente dizer, “ai, isso aqui é mais eu”, porque estes dois EPs acho que eles vão ser muitos fragmentos daquilo que eu quero fazer e do que eu quero projetar. Então, se você for gastar três minutinhos para ouvir uma música, gasta mais meia horinha para ouvir o EP que aí você me conhece muito melhor.

Essa música está ainda para vir então. Num álbum futuro.

Exato.

Ainda a falar de escolhas, qual a sua música preferida de apresentar ao vivo e porquê?

Agora eu estou começando a fazer a minha tournée com banda, então tudo ficou muito maior. Estive a apresentar o meu disco CORPO SEM JUÍZO no Lollapalooza e foi a primeira vez que fiz algo assim tão grande, com banda e a “Pelo Amor de Deize” é uma música que leva a galera assim para outra dimensão. Houve um momento em que eu achei que o Autódromo de Interlagos ia cair [risos]. É uma faixa que tem muito poder com banda. Falando uma só escolho a “Pelo Amor de Deize”, que tem um peso muito grande.

Se afirma como sendo “um corpo que já morreu inúmeras vezes”. O que fez e faz esse corpo ressuscitar continuamente?

Eu acho que é justamente a vontade de viver. Eu acho que eu já fui muito ferida. Quando eu digo que já morri inúmeras vezes, é porque eu já tive que sacrificar muitas vezes quem eu fui, então acho que é a minha vontade de viver, a minha curiosidade e um “saber nada” assim também, que eu acho maravilhoso. Cada dia que passa eu sei menos e isso para mim é tão instigante, eu quero saber tanto, quero aprender tanto e isso me dá muita vontade de continuar nesse plano. Mesmo com tantas dificuldades, mesmo com tanta dor, mesmo com tanta insegurança… [começa a chorar] Fico até emocionada. Foi muito doido também, porque antes de ir para Portugal, para o Porto e Lisboa, eu estava muito insegura de várias coisas, porque ser uma artista independente é muito difícil e a mente vem-nos sabotando a todo o momento e eu fiquei a pensar: “Ai, como será que vai ser, será que vai ter alguém que vai vir me ver” [volta a emocionar-se] e ver as duas casas lotadas cantando a minha música, vibrando comigo, foi algo muito especial, foi uma injeção de ânimo muito grande. Deu-me uma revibrada, pensei, “nossa, que bom que as pessoas me curtem”.

A mensagem está a chegar às pessoas. E é isso que é importante, há que ter orgulho nisso. Em “Transgressão” é repetido várias vezes o verso: “Me deixa voar”. Qual é a melhor maneira de a deixarem voar? O que é para si a expressão máxima da liberdade? 

Me deixarem eu ser quem eu sou, porque eu quero criar sobre a minha própria existência, sobre as minhas vontades, sobre as minhas contradições e eu preciso existir da mesma maneira que você precisa existir. Quando eu proclamo “Me deixe voar” significa para me darem espaço, me darem abertura para que eu seja cada vez mais quem eu posso ser, porque eu vou-me conhecendo cada vez mais. Não quero voar e fazer um voo sozinha, ter um voo solitário, eu quero voar para também conhecer outros lugares, através desse conhecimento e explorações eu posso trazer novos frutos também, para quem não consegue voar ainda. Trazer repertório, trazer novas ideias, trazer novas possibilidades. Se as células do nosso corpo já não são as mesmas que eram há sete anos, o que dirá a nossa mente? Eu não quero ser a mesma, eu quero voar, quero ser outra pessoa e me orgulho cada vez mais de ser outra pessoa e menos saber quem eu sou.

No vídeo de apresentação “O que pode um corpo sem juízo?”, Jup afirma-se como “um corpo que agora se sente pronto para dar um presente à sua geração”. Que presente é esse?

Justamente as palavras que só eu poderia dizer. Eu acho que eu tenho entendido muito a importância da armadilha da representatividade e da representação. A representatividade… ela acaba sendo muito importante, mas outras vezes ela pode ser muito perigosa também, porque ao mesmo tempo que você representa e cria imaginários para as pessoas e dá para falar: “Olha, a Jup está fazendo isso aqui, então pode ser que eu consiga também”, a representatividade pode também deixar as pessoas mais intimidadas e acolhidas em verem, “olha, a Jup do Bairro está fazendo isso, então eu posso ficar aqui sentadinha e quietinha porque já tem alguém fazendo por mim”. A representatividade tem esse terceiro ponto que também é: como a indústria e principalmente o capitalismo quer pegar e socar os nossos corpos, transformando a representatividade em apenas uma. Ficar tipo: “Vamos trazer uma pessoa aqui para representar todas as pessoas trans, todas as pessoas pretas, todas as pessoas gordas, etc.” e na verdade a gente não pode representar nada nem ninguém para além de nós mesmos. Apesar de ter muitas pessoas que se reconhecem na minha música, se reconhecem na minha trajetória, no meu corpo, elas não podem se sentir representadas diretamente por mim, elas precisam se representar também. Então, eu tenho tido esses insights, da importância e principalmente do cuidado de não cair nessa arapuca e dizer: “Eu sou a representação de vocês, eu sou a travesti do momento”. Porque muitas vezes a gente vai peneirando, peneirando, peneirando e pessoas com os acessos que eu tenho, que Linn da Quebrada tem, que Mel Gonçalves tem, ainda são muito poucas, porque a maioria continua tendo as suas vidas extremamente ameaçadas, incertas e principalmente não tendo o prazer de viver como gostariam de viver.

No mesmo vídeo menciona ainda que vai apresentar uma “história que já foi escrita, mas contada de outra maneira.” O que diferencia a sua maneira própria de contar essa história?

Eu acredito que muitas coisas já foram ditas sobre os meus corpos, sobre a minha existência, mas não com as minhas palavras. Então, quando eu penso em dar esse presente à minha geração e poder escrever essa história, é quando a gente começa a imaginar o inimaginável. Eu tenho vivido coisas que eu nunca imaginei viver e isso tem sido muito maravilhoso e tem sido um alimento muito grande para mim, justamente para eu criar narrativas do tipo: “E se eu for um pouquinho mais longe? E se eu for um pouquinho ali na beirada? Será que eu vou realmente cair? Será que se eu soltar a mão da minha mãe, nessa multidão de possibilidades, eu realmente não vou saber voltar para casa? Deixa eu descobrir”. Então, é quando eu solto a mão da minha mãe que eu vou na beira do labirinto e quero explorar cada vez mais, porque me falaram que era perigoso, mas eu quero saber o quão perigoso é. 

Porque, na verdade, criar é coragem.

Exatamente, e para sentir medo eu preciso saber o que é o medo, preciso estar frente a frente com o medo.

Em “All You Need Is Love” juntam-se a si Linn da Quebrada e Rico Dalasam, para criarem um verdadeiro hit de qualquer pista de dança. Ao longo do EP podemos ainda contar com outros feats de Deize Tigrona e Mulambo. Como se deram estas colaborações?

É muito curioso. Quando comecei a esquematizar e a pensar em possibilidades de colaborações, eu pensei que como estava fazendo uma trajetória muito parecida com a da bíblia, principalmente no recorte na vivência de Cristo, tudo isso poderia acabar num apocalipse. E nesse apocalipse eu precisaria de quatro cavaleiros, os quatro cavaleiros do apocalipse. Foi quando eu comecei a pensar em quem podia ser. A faixa com a Deize Tigrona veio de uma maneira muito espontânea; a Deize estava no estúdio com a Badsista uma vez e ela me ligou perguntando se eu não queria ir lá trocar umas ideias, então eu estava na região do centro e falei: “Daqui a 15 minutinhos estou aí”. Eu fui, a gente se encontrou e, como a Deize ainda tinha um tempo de estúdio, eu fui lá com ela e sugeri gravar alguma coisa as duas para ver o que saía. A gente começou a rimar e fizemos juntas o hino da putaria, na brincadeira. Eu disse que queria usar e fomos fazendo uma guiazinha, só para a gente ter. Quando entrei no carro para ir para casa fiquei pensando: “Não é isso que eu quero falar com a Deize. Não é sobre isso que eu quero falar com a Deize”. Comecei a usar a expressão que uso muito com as minhas amigas aqui, que é “Pelo amor de Deize!”, que é justamente colocar a evidência do feminino para esse Deus, omnipresença, omnipotência no feminino, sempre usei. Então numa canetada eu escrevi toda a música e foi muito rápido, depois eu mostrei para a Deize, ela ficou emocionada. Com a “All You Need Is Love”, eu queria justamente falar de amor, principalmente com corpos que falam também sobre amor, como Linn da Quebrada e Rico Dalassam falam muito sobre amor, mas eu queria questionar esse amor criado pelo Homem, por esse Homem branco que tem o poder de nomear as coisas: “Isso é amor, isso é cadeira, isso é televisão” e aí eu queria reconfigurar e devolver. O que é o amor? Porque eu não sinto esse amor. O que sei sobre o amor, fui eu que inventei. E aí eu queria inventar com essas colaborações e por isso chamei o Rico e a Linn da Quebrada. O Mulambo conheci quando ele estava se apresentando e foi aí que tive uma enxurrada de pensamentos e desejos. Ele tem uma presença muito forte, quando o vi em palco ele encheu muito os meus olhos, fiquei muito hipnotizada como há muito tempo não ficava, sabe? Pensei logo, “nossa, quem é essa pessoa? Eu quero muito trabalhar com essa pessoa, quero que essa pessoa esteja no meu radar de amigos, sei lá, talvez a gente possa até casar, alguma coisa assim” [risos]. A “Luta por mim” com o Mulambo era uma das minhas composições mais antigas e acabou por ser algo diferente, pois desde a minha adolescência que eu estava aguardando para lançar ela.

Todas estas pessoas acabaram fazendo deste disco uma obra-prima, eu gosto muito de trabalhar coletivamente porque eu acredito que quando eu faço algo é uma coisa, quando outra pessoa faz algo é outra coisa e quando se junta se cria uma terceira coisa. E eu acho que essa terceira coisa pode ser tão legal, é tão excitante pensar no que se pode criar a partir dos encontros, a partir das trocas, então eu sou muito feliz de ter essas três pessoas comigo, porque elas foram fundamentais até para eu entender o que seria o corpo sem juízo.



Falando ainda de colaborações, com que nomes gostaria de colaborar futuramente? Algum português?

Olha dessa vez que eu fui para aí eu conheci uma galera muito massa com quem já estou trocando ideias e vendo a possibilidade de fazer colaborações. Tenho muita vontade fazer coisas com pessoas de todos os lugares, sou muito entusiasta de colaborações, então quem estiver lendo isso aqui e quiser me mandar uma proposta, se fizer sentido para mim, eu topo super. Porque eu acho que a arte tem esse lugar incrível de unir forças e criar algo para além do ego, imagens sonoras. Dessa vez que eu fui para Lisboa eu conheci Aurora, que é uma artista chiquérrima portuguesa, ela tem um trabalho muito massa com uma produtora portuguesa muito legal [Odete]. Ela me mandou o disco dela e falou da possibilidade de colaboração e eu estou gostando muito. Acho que vai vir aí colaborações Brasil-Portugal logo menos.

Ao longo das músicas do EP são referidos nomes de outros artistas como Björk, Lana del Rey, Slipknot e Sampa Crew. Quais são as suas maiores influências a nível musical?

As minhas referências partem de lugares muito diferentes. Tem umas veias, um berço do hip hop e do rap, porque eu moro no Capão Redondo, um grande berço do rap nacional brasileiro em São Paulo, então eu sempre cresci ouvindo muito Racionais, Sabotage, Facção Central. Depois conheci muitas bandas de rock e punk rock através do meu pai também, tem Ratos do Porão, por exemplo. A minha mãe sempre foi muito musical também e com todos os meus primos, tendo a família muito grande, fui conhecendo Björk, Linkin Park e coloquei tudo na bagagem e hoje eu vou de Björk a Sampa Crew, passando por Slipknot.

Na poderosa música “Luta por mim” com Mulambo é dita a afirmação: “Coisas precisam morrer para que outras nasçam”. O que é que na atualidade precisa urgentemente de nascer? E o que é que tem que morrer para que isso aconteça?

Eu acredito que essa política institucional precisa morrer, nós precisamos de novos corpos, de novos olhares, de novos sentimentos para que possa abranger maior parte da população. A gente tem passado por grandes avanços político-institucionais elegendo pessoas LGBT, especialmente trans e travestis, mas ainda é muito pouco, então acredito que a política institucional precisa morrer para que possa nascer outra. A polícia militar precisa morrer urgentemente, para que possa existir outra, então nós precisamos reverter, a gente precisa voltar a acreditar. Muitas pessoas, principalmente aqui no Brasil, lavaram as mãos por não acreditar mais. Não tem nada mais desgostoso do que estar viva e não acreditar mais que as coisas são possíveis, sabe? Eu quero que a população brasileira volte a acreditar na mudança efetiva e coletiva, que possa acontecer para todos os corpos e não só para nichos e caixinhas.

Porque sentiu a necessidade de incluir o tema “Corpo Sem juízo” no registo acapella

Essa foi uma das primeiras faixas que eu compus, ainda muito adolescente. Em 2019 eu já tinha lançado o single Corpo sem Juízo”, com a campanha de financiamento coletivo, e aquelas palavras ecoavam muito para mim. Acapella parecia uma espécie de profetização, mas com o instrumental ela fica muito dançável, as pessoas dançam nas noites e eu queria que as pessoas ouvissem o que eu estava falando sobre ser um corpo sem juízo. Eu ia até fazer um remix dessa faixa, mas pensei que seria melhor fazer assim, para as pessoas ouvirem. Quando saiu, houve pessoas a dizer: “Nossa, eu nunca tinha ouvido essa música” e a minha resposta era: “Você já ouviu sim, só não tinha escutado.”

O que simboliza o grito no fim desta faixa?

É um grito de dor, é um grito de angústia, é um grito de alegria, de felicidade, de tesão, de tensão, é um grito de existência, de olhem para mim, eu estou aqui.

Faz uso de vários samples de diálogos ao longo de vários temas, de Matheusa Passareli e Deize Tigrona a si própria. O que pretendeu atingir com a incorporação deste elemento nas músicas? 

A Matheusa foi uma amiga minha pela qual eu tinha muito apreço. Tínhamos até um projeto parecido, pois ela com a literatura tinha um projeto chamado Corpo Estranho. Quando a Matheusa foi brutalmente assassinada, aquilo se tornou uma dor muito grande, porque depois de estar a trabalhar com políticas públicas e afirmativas para nós, a sensação que tínhamos com a morte dela foi um simbolismo muito grande para que tudo desmoronasse. A morte dela foi um aviso para se prepararem para o que vai acontecer. Desde a sua morte, muitas coisas aconteceram, perdemos muitas amigas e por isso é que eu fiz questão de ter falas dela na faixa. A faixa começa inclusive com uma citação de Conceição Evaristo, uma escritora incrível do Brasil, que fala da relação de uma mãe e de uma filha que foi assassinada também. Queria trazer isso como uma forma de homenagem, uma forma de chamada de atenção.

“O corre” é apresentado nesta obra como um hino de superação, que contém a própria frase: “O que não me matou, me deixou mais forte. Hoje eu sou o corre”. Se pudesse voltar atrás, que conselho daria à Jup mais nova, que talvez sonhava em ser artista?

Vai com medo. Vai com medo mesmo. Não perca tempo, estude, vai dar tudo certo, eu sei que você está angustiada, preocupada com o que estão achando de você, o que vão achar de você, mas no final das contas vai ficar tudo bem, você só precisa agradar a si mesma. Se machuque menos, se ame mais. Você vai ver o quão você é foda daqui para a frente, mesmo que as pessoas digam que não. O quanto você é bonita, mesmo que as pessoas digam que não. E o quanto você pode e merece ser feliz dentro das contradições. 

Agora emocionei-me eu. Palavras muito poderosas. No vídeo para o single “Sinfonia do corpo”, podemos assistir a um corpo exterior inteiro que colapsa a mando de uma alma cansada. No fim do vídeo podemos ver Jup atrás de grades enquadradas, dando uma sensação de encarceramento. Quais considera ser as amarras das quais ainda falta libertar-se?

Tantas. E é muito curioso porque muitas vezes as pessoas acreditam que corpos como o meu trazem muitas exclamações do que é, do que tem que ser e muito pelo contrário, eu tenho pegado nessas exclamações e tenho torcido, torcido, torcido, até virar cada vez mais em interrogações. Eu tenho muitas amarras ainda, muitas coisas que preciso tratar dentro de mim e eu não tenho esse empoderamento tão voluntário, porque acredito que não seja uma receita simples assim. Vão ter dias que eu vou-me olhar no espelho e pensar: “Nossa, Jup do Bairro, como você está bonita hoje, que vontade de beijar a sua boca” e vão ter dias em que eu vou olhar-me no espelho e vou falar: “Ai, não estou me sentindo muito bem, será que eu coloco um peito, será que eu coloco dois, será que eu coloco um na testa? Não sei [risos]”. Vou seguindo nessas contradições do que é e do que pode ser um corpo sem juízo, não é um corpo que vai estar feliz ou se sentindo bem a todo o momento. Na pandemia aprendi a importância de se sentir tudo o que eu tiver para sentir, seja bom ou ruim. Mas eu não quero só sentir, quero também saber analisar esses sentimentos. É muito importante sentir, sempre ouvimos pais dizendo nas crianças crescendo: “Não chora! Engole o choro!”, e isso faz com que mesmo involuntariamente a gente deixe de sentir e isso vai trazendo problemas. Não tem nada mais genuíno do que chorar quando se precisa de chorar. Hoje eu tenho autonomia do meu corpo e eu quero poder escolher o que fica e o que vai.

Falando ainda do corpo, li que desde pequena ficava deslumbrada com a televisão, porém não demorou muito a perceber que o mundo exibido na tela não tinha sido feito para o seu corpo. Em “Luta por mim” é também explorado o tema de que corpos como o de Mulambo têm mais voz mortos que vivos. Sente que ainda existe uma acentuada falta de representação e exaltação mediática de pessoas negras e pertencentes à comunidade LGBTQIA+? Por onde passa a resolução dessa falha? 

A diferenciação do consumo da arte desse povo também é muito comum. É comum a gente ver pessoas pretas em performances onde elas precisam gritar, evidenciar seu corpo, sua dor e suas angústias, enquanto às vezes um artista branco faz uma pincelada num quadro e aquele quadro é considerado o melhor [risos]. É muito maluco como há este separatismo ainda, mesmo depois de tantos anos falando sobre isso e criticando isso. Há uma negociação de uma forma legítima que precisa acontecer, que temos que evidenciar esses corpos e não evidenciá-los depois da morte, porque tudo vira sensacionalista e genial depois que a pessoa morre e suas obras são evidenciadas e são faladas. Eu quero e preciso que o meu corpo e o corpo das minhas ao redor sejam evidenciados e contemplados em vida. Já que eu não posso contar tanto com a indústria como aliada, eu faço isso da maneira que eu posso com “Pelo Amor de Deize”, por exemplo. Quero homenageá-la em vida e falar o quanto ela é potente e como a arte dela é transformadora em vida, fazendo minimamente a minha parte enquanto artista e consumidora de arte também.

A sua parte ainda em “Luta por Mim” soa a algo póstumo, cheio de indicações para depois de morrer, afirmando na mesma que não vai morrer, talvez pelo corpo de trabalho e arte que deixa. Que legado espera conseguir deixar? 

Eu quero deixar o quão legítimo é falar. Estive muito tempo sem falar e me sentindo muito insegura e agora que eu provei pela primeira vez esse sabor do que é falar, do que é evidenciar as palavras, eu quero continuar e quero que as pessoas sintam essa importância do falar e projetar. Acredito que o meu epitáfio vai ser: “Ainda não sei o que é o amor, ainda não sei o que é amar, mas amei muito.” E tudo o que eu não soube o que era o amor, eu tive que inventar, e tem sido uma delícia inventar esses sentimentos.

No single “Sou Eu” podemos ouvir: “Eu quero ser quem eu sou e quero que você me ame tanto ao ponto de eu mostrar quem eu sou de verdade, mostrar as minhas cicatrizes”. Considera que já encontra no seu público e nos seus fãs essa liberdade para tal? 

Com certeza. E é muito maluco que depois do lançamento do CORPO SEM JUÍZO esses shows têm sido muito diferentes dos anteriores. Eu costumava cantar muitas músicas nos meus shows, covers também, e até nos shows que eu fazia com a Linn eu acredito que tinha uma capa de proteção, onde nada me abalava. Agora executando o CORPO SEM JUÍZO não tem um show que eu não chore. Eu fico realmente muito transparente, o meu contacto com o público tem sido outro também, de olhar nos olhos, de cantar olhando para as pessoas. Eu acho que antigamente era muito mais performática, mas vinda desse lugar de criar uma pessoa para me sentir segura, e agora eu me sinto totalmente nua. Sinto a me potencializar. Algo totalmente diferente.

Atuou juntamente com Badsista no dia 23 de abril no Pérola Negra no Porto e dia 24 do mesmo mês no Musicbox, em Lisboa. Como foi essa experiência? 

Nossa, então, eu dei uma abertura na minha tournée aqui no Brasil, justamente porque apareceu essa oportunidade de fazer Porto e Lisboa, cidades que eu amo muito. Aí eu falei para encaixar esses lugares na nossa tournée, pelo menos esses dois, depois a gente projetava para fazer Europa e tudo mais, mas eu sempre fui muito bem recebida e fui num momento muito certeiro. Eu acho que estava precisando ter essa injeção de ânimo de atravessar o oceano e ver pessoas cantando a minha música e ser tão bem recebida, tanto pela organização dos dois lugares como pelo público. E eu me prego muito à humildade, gosto muito de conversar com as pessoas, não gosto de ser essa diva inacessível, então lá no Pérola fiz amizades com todos os seguranças, para trocar ideia e mensagens de Instagram. Também acho incrível a galera do Musicbox, reconheço muito a feitura de como esse lugar fortalece a cena independente brasileira, quantos amigos e amigas não foram tocar já no Musicbox. Incrível e extremamente potente e atrai público com fome, com sede e com calor, é muito mágico, então foi uma experiência incrível e que eu precisava muito ter passado.


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