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Publicado a: 22/11/2018

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[TEXTO] Vera Brito 

Uma possível forma de testar um disco é ouvi-lo pela primeira vez enquanto se faz uma outra coisa completamente diferente. Experimentem e vão perceber que dois cenários distintos podem acontecer: ou vão interromper o que estão a fazer porque encontram uma música (ou várias até) que vos prende a atenção e que vão querer ouvir várias vezes antes de conseguir mudar de faixa, ou, no pior dos casos, vão chegar ao final do disco sem dar conta disso, sem que nada vos tenha marcado. Com For Ever, o segundo LP dos londrinos Jungle, dos dois cenários, infelizmente, aconteceu-nos o pior.

É possível que estejamos a ser algo injustos, até porque “House In LA”, um dos primeiros avanços para For Ever, rodou insistentemente antes do disco nos chegar e augurava coisas muito boas para a banda de Josh Lloyd-Watson e Tom McFarland. O seu som dilatado trazia consigo uma frescura luxuriante, uma languidez de final de tarde no verão misturada com aquela melancolia antecipada das despedidas — e a Califórnia ali tão perto de nós.

Depois do sucesso do disco estreia, J and T — era assim que assinavam os seus primeiros trabalhos, um mistério de identidade que resultou muito bem a seu favor, como acontece quase sempre com todos os bons enigmas — mudaram-se para a Califórnia em busca desse sol em que as suas músicas sempre se banharam (que a cinzenta Londres tenha conseguido gerar uma banda com a vibe dos Jungle é por si todo um outro enigma). Grande parte de For Ever foi feito por lá, são várias as referências espalhadas pelo alinhamento ao golden state americano, mas a frutuosa residência californiana teve um travo amargo para a dupla: Josh e Tom, amigos de infância e cúmplices musicais, sofreram também em conjunto o desgosto de um coração partido, quando ambos terminaram as suas relações. “Truly you care if I’m getting on that plane, so ask me to stay” foi um pedido que não encontrou eco e ambos regressaram a Londres para terminar For Ever, descrito no press release como “a post-apocalyptic radio station playing break up songs.”

 



Todos temos uma ideia um tanto fechada daquilo que um grande break up álbum deve ser, porque os melhores assim ditaram as regras. Ninguém esquece o peito dilacerado de Björk em Vulnicura ou a solitude de Bon Iver em For Emma, Forever Ago. Tem de existir um sentimento profundo de dor, um isolamento, um perdão — tem de existir muitas vezes ainda esse amor. Talvez por isso nos seja difícil aceitar com seriedade o mesmo tipo de compromisso de For Ever. Falta-lhe o peso das palavras que muitas vezes flutuam pelas suas treze faixas com a superficialidade de clichés: “just hold me and we’ll never get hurt”, “give me a reason to love you, every night”, “as long as you’re near me, leading me there”. Até o título parece uma piada de gosto duvidoso a Bon Iver.

No entanto nem é esta ligeireza emocional que pesa contra For Ever. A forma descontraída em como solta sentimentos pesados e emoções complexas por entre ritmos de pista de dança pode ser até o que joga a seu favor. Pelo menos encontrou-nos outra saída para a dor. O que incomoda neste disco é a sua incapacidade em fugir às fórmulas de sempre. O jogo de falsetos — a assinatura vocal dos Jungle — será certamente aquilo que muitos mais apreciam na banda, mas deveriam existir outras ideias de como sacudi-los ao seu torpor monocórdico. Uma apatia que nem a sensualidade de “Cherry” ou a batida inquietante de “Cosurmyne” conseguem resolver. E depois existem também faixas que nos soam a inacabadas: “(More and More) It Ain’t Easy” é, quanto muito, um esboço de canção.

Falta a este For Ever espinha dorsal musical, algo que nos faça parar e escutar. Mas talvez nunca tenha sido esse o objectivo dos Jungle, talvez a única coisa que eles ambicionem seja pôr-nos a dançar e há por aqui material de sobra para isso, muitas faixas que vão resultar lindamente na pista de dança, como “Heavy, California” que é de contágio directo. E talvez também nunca tenha sido intenção sua em fazer-nos um disco com grandes temas de perda de amor. For Ever não é seguramente um grande break up álbum, mas ensinou-nos que ao sol também se consertam corações.

 


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