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Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Theatro Circo
Publicado a: 04/07/2025

Vijay Iyer em trio motivacional.

Julho é de Jazz’25 — dia 1: compaixão em sinal de protesto

Fotografia: Adriano Ferreira Borges / Theatro Circo
Publicado a: 04/07/2025

O mês de Julho é de Jazz em Braga. O jazz é irreversivelmente uma música de reivindicações, na estética musical e na sociedade. Quando um concerto de jazz que inaugura os dias desta música na cidade se começa por escutar nas palavras, há motivos para seguir em compaixão. “Boa noite Braga, que bom estar aqui e isto não ser os EUA. Nós vimos da América, mas somos cidadãos do mundo. […] Vamos tocar sem muitas interrupções. Vemo-nos do outro lado”. Prelúdio em palavra dita pelo pianista nova-iorquino Vijay Iyer no Theatro Circo, diante dos seus cúmplices de palco, Harish Raghavan e Jeremy Dutton. Um trio clássico na instrumentação, três pessoas atentas aos dias de hoje e ao poder da sua música no alcançar doutros sítios melhores neste estado do mundo. 

Na entrevista concedida ao Rimas e Batidas, Iyer foi claro na motivação para o concerto. À pergunta de qual seria o repertório da noite, respondia que, além de temas contidos nos últimos registos Uneasy e Compassion em trio: “Também existem coisas novas que ando a desenvolver que… À falta de melhor termo, gosto de lhe chamar ‘música de protesto’”. Se assim o anunciou, melhor o haveriam de tocar. O pianismo de Iyer é como uma maré que traz uma corrente de confiança. Forte, e contra a qual nadar ou remar se afigura infrutífero — é deixar flutuar na certeza desse rumo que leva música. Seja pela cristalino soar, seja pelo vigor dos acordes fortes, fazendo relembrar que um piano é um instrumento de percussão, as melodias desprendidas uma atrás de outra formam um caudal vigoroso. Para esse devido efeito em nada estão alheios Raghavan e Dutton, no contrabaixo e bateria respectivamente. Um tocar discreto mas efectivo, coeso e inabalável. Partes há de correntes paralelas que levam a consentidos aplausos. Essa ideia muito enraizada no jazz de intervir na música desde um bater de palmas — em reforço e gratidão. Mas aqui nem tanto são esses solos que se fazerem notar, antes um escutar para redefinir rumo ou em momentos de diálogo empolgante como os que houve entre Iyer e Dutton — as duas forças percutidas desta música. Dutton é de uma forte leveza no uso das baquetas. Tudo ressoa em harmonia preponderante, mas ao olhar parece nem haver um mecanismo físico a operar. É como se tocasse só pelo poder da mente, como numa capacidade mágica. Assiste-se a um trio de forças na leveza, e isso vem muito dessa bateria, como fonte, como guia. 

Iyer enfatiza uma raiz melódica e depois segue num fluxo de improvisação que troca a definição do que está escrito ou acaba de surgir. É disso feito esse seu virtuosismo ao piano. A certa altura troca as mãos, cruza os braços para tocar a melodia com a mão esquerda e o tempo com a direita — concreta visão do que ia servindo nas teclas. Mas o protesto estava irreversivelmente em curso. “O fascismo volta a gatinhar em diferentes partes do mundo”, interpôs em palavras Iyer, para relembrar que a música assume-se como uma das respostas possíveis e desejadas. Assim como o fez Charlie Haden em 1982, com The Ballad of the Fallen, nesses corridos tempos de protesto, voltar a temas como “El Pueblo Unido Jamas Será Vencido” torna-se premente hoje para Vijay Iyer. Também por isso traz para palco esse marcante Defiant Life, que gravou com o sopro vital de Wadada Leo Smith. Tudo isso justificado, porque a vida prossegue, nesse sentido de desafio social permanente. Não se esquece o que outros como mais estratégias bélicas intentam fazer desaperceber — Gaza existe, e resiste! Iyer recorda o malogrado poeta Refaat Alareer, um entre os milhares que tombam nesse território dia após dia. Mas da escrita do poeta faz-se voz mais além quando se retomam as palavras que perpetuam no princípio de “If I Must Die”:

“If I must die, 
you must live 
to tell my story 
to sell my things 
to buy a piece of cloth 
and some strings”

E esses fios ou cordas podem ser vocais, são do piano e serão cordas para amarrar a ideia presente de protesto, como o balão de uma criança a olhar o céu. Voltam a palco para uma interpretação a um tema de Stevie Wonder — “Overjoyed”. Peça que está contida em Compassion, associada como uma lírica homenagem entre mestres do piano, evocando a memória de Chick Corea. Vijay Iyer sabia o que trazia, assumiu e deixou lastro nessa motivação em palco. A música tem esse lugar, e aos que nisso sabem estar presentes só podemos agradecer — de pé!


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