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Publicado a: 18/05/2015

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Recuperar o nome dos Juggaknots é como puxar a rolha a uma garrafa de reserva que no seu interior tem alguma da mais pura essência do hip hop. Iremos em busca dessa essência, mas, em primeiro lugar, convém saber um pouco mais sobre os Juggaknots. Situemo-nos então em 1996, ano em que o hip hop estava ainda a ressacar de uma próspera Golden Age, que nos deixou um sem número de álbuns tão intemporais quanto consistentes. Se é verdade que, à primeira vista, 1996 até assusta com a sua paisagem de rappers amolecidos e o prenúncio da era empresarial de Puff Daddy, uma abordagem mais profunda revela um ano em que o underground soube demonstrar tudo o que aprendeu ao estudar a Golden Age. Com todo o tempo que passou desde aí, essa ligação entre escolas é hoje ainda mais evidente. Além disso, a facilidade na comunicação e os muitos fóruns por essa internet fora ajudaram a identificar uma série de álbuns underground (pouco reconhecidos no seu tempo) que merecem o seu lugar no cânone do hip hop.

O álbum homónimo com que os Juggaknots se estrearam em 1996 fica um pouco aquém de ser um clássico, mas, por outro lado, é um daqueles discos altamente representativos das qualidades que esperamos encontrar num artefacto desse mesmo ano. Lá estão portanto as produções jazzy concebidas com magnífica maturidade, o sentimento streetwise de quem conhece por dentro e por fora os Gang Starr e aquele incessante burburinho que faz do cidadão nova-iorquino um vigilante 24 horas por dia. Lá está também uma sintonia de valores que pode estar ligada ao facto do núcleo dos Juggaknots ser formado por três irmãos do Bronx, bairro onde os putos são obrigados a crescer mais depressa. Apesar da sua solidez, The Juggaknots levou uma vida algo acidentada entre o seu lançamento na impressionante Fondle ‘Em e umas quantas reedições que lhe juntaram várias faixas (algumas delas descartáveis) e um novo título (Re: release Clear Blue Skies).

As divergências entre formatos contudo em nada impediram que a estreia dos Juggaknots seja ainda hoje um disco que só transita entre aficionados por quantias geralmente acima dos 30 euros (dupliquem o valor no caso do vinil). Isso diz qualquer coisa não só acerca do culto em seu redor, como sobre o interesse cada vez maior na recuperação das labels independentes que alcançaram um respeitável estatuto no hip hop. A Fondle ‘Em, primeira casa dos Juggaknots e propriedade de Bobbito Garcia, fez quase tudo bem, durante a sua existência de seis anos (1995-2001), e o seu catálogo underground de então (com MF Doom, MF Grimm, KMD, Cage, The Arsonists) é hoje em dia uma lista de nomes firmados no género.



Não duvidamos de que a Fondle ‘Em tivesse também os olhos postos no lucro (quem não tem?), mas há um sonho indesmentivelmente puro numa label que desde sempre se comprometeu a lançar grandes malhas exclusivamente em vinil, quando o CD era rei. O exemplo sobreviveu e duplicou-se em várias outras casas (entre as quais temos –alguns anos mais tarde – a One Leg Up Record, que é um portento de hip hop de uma ponta à outra). Actualmente o que não falta são labels inteiramente orientadas para o hip hop lançado em rodelas das grandes. Porém nem todas essas labels comportam a ambição e o “saber fazer” da Chopped Herring Records, selo britânico que, desde há algum tempo, nos presenteia algum do melhor underground recuperado (para vinil precisamente) com o rigor técnico que se pretende. Não existem discos abandalhados na Chopped Herring e a prova disso está neste Baby Pictures [c. 1989-1993], que, seguindo a lógica de investigação e preservação da casa, reúne alguns dos melhores momentos da vida pré-álbum de estreia dos Juggaknots.

O que Baby Pictures explica com argumentos incontestáveis é que existia de facto uma vida dos Juggaknots antes do debute que lhes deu nome na Fondle ‘Em. Dotadas da força peculiar das faixas surgidas straight from the muthafuckin cassette (diria Dilla), estas escolhas serão tudo menos sobras de um reportório precoce. Aliás Baby Pictures inclui algumas das mais extraordinárias malhas no percurso dos Juggaknots: “40 Oz of Flavor” é um pequeno milagre old-school (com direito a um shout-out para o Arsenio), enquanto, logo de seguida, “Grand Lacerny” tem toda uma sabedoria de playground que, ao longo do tempo, foi viajando entre A Tribe Called Quest, The Pharcyde e Jurassic 5, acabando aqui por iluminar também os Juggaknots. Neste folhear do álbum de família há sempre aquela fotografia de puto para a qual todos apontam a rir, mas Baby Pictures [c. 1989-1993] nem isso tem. Esta era a peça que faltava no puzzle Juggaknots e há que mandar grande respect para a Chopped Herring por mais um disco capaz de renovar este nosso amor pelo hip hop.

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