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Fotografia: Inês Condeço
Publicado a: 15/04/2024

Como o algodão — não engana.

Judeline no Musicbox: a voz que chega en el cielo

Fotografia: Inês Condeço
Publicado a: 15/04/2024

Aos 21 anos, Judeline tem já meio mundo de olhos postos em si. Há algo de muito entusiasmante nesta niña del sur, que tem vindo a derrubar muros estéticos e a não se deixar fechar em nenhuma caixinha de algum género musical em específico. Para quem vinha a rodar incessantemente os seus temas ao longo do último ano, faltava apenas ver se a coisa funcionava ao vivo. Um par de dias após ter lançado mais uma bomba, “mangata”, e de ter anunciado estar a preparar um álbum de estreia, o Musicbox encheu-se para a observar de perto na noite da passada sexta-feira, 12 de Abril.

20 minutos após a hora marcada e perante uma sala lotada, Lara Blanco lá subiu ao palco acompanhada por um baterista e um guitarrista. A energia do clube do Cais do Sodré atingiu um pico imediato que raramente temos oportunidade de testemunhar e assim se manteve até ao fim do espectáculo. Entrou em cena com a balada “EN EL CIELO” e teve logo direito a um enorme coro de gente a acompanhá-la na interpretação, num dos momentos mais bonitos que alguma vez presenciámos naquela sala. A artista andaluz está mesmo a conquistar o coração dos portugueses, mas havia também uma forte presença de público espanhol, que aproveitou as férias em Lisboa para ver a sua emergente conterrânea em acção.

A partir dali, sabíamos que a noite estava ganha. Em ambiente de perfeita comunhão ibérica, Judeline jogou os trunfos todos logo à primeira: de um lado, os dois músicos que leva consigo para a estrada adicionam pequenos detalhes que abrilhantam as faixas que nos habituámos a escutar nas plataformas de streaming; do outro, o vozeirão de uma jovem que já caiu nas graças de gente como ROSALÍA ou Tainy, digno de quem anda a treinar as cordas desde o momento em que nasceu. Das notas mais graves às mais agudas, Judeline não falha uma e nem precisa de recorrer a backing vocals, vozes pré-gravadas ou auto-tune — a popular ferramenta de modulação foi utilizada apenas em pontos cirúrgicos de uma ou outra canção, nunca como bengala para aguentar um show inteiro. Somam-se a isso os inúmeros serpenteares vocais que efectua pelos temas, aplicando aqui e ali melodias e flows diferentes daqueles que se podem escutar nas versões de estúdio, dando uma conotação ainda mais personalizada à coisa.

Ao longo de uma prestação que durou cerca de uma hora, a plateia nunca baixou os braços. “Se conheço esta, vou cantá-la.” Era mais ou menos esse o lema para quem estava presente. E a verdade é que quase toda a gente dominava o catálogo da espanhola quase por completo, que embora curto é bastante diverso. As poucas excepções terão sido a nova “mangata” — o recém-lançado single, apesar de não estar na ponta da língua, foi das que mais telemóveis fez erguer para captar o momento, embora tenha sido interpretada com a ajuda de uma backing track, sinal de que a sua versão live ainda está a ser estudada — e o que pareceram ser dois covers que, de algum modo, a fazem lembrar do pai — talvez parte do cancioneiro tradicional de Espanha, já que nuestros hermanos souberam acompanhá-la na perfeição.

A Interscope Records não foi ao engano nesta sua contratação. Judeline tem todos os argumentos necessários para vingar na indústria ao mais alto nível. A começar pela voz irrepreensível, e estendendo-se à sua plural produção sonora — a discografia ainda em construção contempla momentos de reggaeton, flamenco, baile funk, house ou trap — e ao à vontade com que se apresenta em palco, adornando a performance com alguns movimentos que evocam a sensualidade que reside no seu corpo. O único pecado que cometeu terá sido o facto de, nas suas interações com a massa adepta, se ter expressado sempre muito rápido, tornando difícil a compreensão para quem não é fluente no castelhano. Mas aqui poderá também ter sido levada ao engano pela quantidade de espanhóis presentes na sala, que certamente a fizeram sentir estar a tocar, de certa forma, em “casa”.

Sem direito a inéditos, deixando-nos completamente na escuridão face ao que será esse seu aguardado primeiro longa-duração, a cantora passou pelos primeiros três temas do alinhamento do seu EP de 2022 que a catapultou para um lugar de culto dentro da esfera latina, de la luz, que foram intermediando as suas músicas mais recentes. A jogada de mestre terá sido a inclusão do cover de “La Tortura”, estratosférico êxito de Shakira que causou mossa também em Portugal no início do milénio, numa versão despida que puxa pelas suas raízes andaluzes e que nasceu de uma encomenda para a série Spotify Singles. O melhor, como sempre, ficou para o fim: a redenção que cola “TÁNGER” a “ZAHARA” e que tanto nos derreteu o coração numa performance para o YouTube levou o público a transcender antes do derradeiro suspiro com “CANIJO”, que nos provocou a queda dos céus e o regresso ao domínio dos mortais para dançar desenfreadamente à boleia do seu ritmo quebrado, terminando o espectáculo da forma mais física possível.

Judeline não engana e chega a dar ares de industry plant, como se tivesse passado anos e anos a ser secretamente treinada para este momento. O palco do Musicbox é claramente pequeno para todo o seu talento e a adição de mais dois ou três elementos à sua banda não era nada mal pensada. Tudo vai depender do sucesso que terá com o que vai editar daqui em diante, mas parece estar bem encaminhada nesse sentido. Talvez até tenhamos a oportunidade de a ver inserida num contexto de produção mais musculada dentro de breve, já que regressará a Lisboa no dia 1 de Junho para integrar a grande festa que a digressão de J Balvin vai trazer até ao Passeio Marítimo de Algés.


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