LP / CD / Cassete / Digital

Joy Orbison

still slipping vol. 1

Hinge Finger / XL Recordings / 2021

Texto de Luís Carvalho

Publicado a: 17/09/2021

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São inúmeras as vezes em que se diz que mais vale tarde do que nunca. still slipping vol. 1, o primeiro longa-duração de Joy Orbison, é um desses casos. Chegou tarde, sem ninguém contar e num formato intrigante.

Acaba por ser surpreendente que só agora, 12 anos após a explosão de “Hyph Mngo”, estejamos a falar do primeiro grande lançamento de Peter O’Gready. Nome de culto da electrónica moderna e elemento basilar do excitante e prolífico movimento dubstep ou, se preferirem, post-dubstep, Joy Orbison é um dos nomes que mudou, indiscutivelmente  o rumo da música a partir do final dos anos 00 deste novo milénio: as melodias minimalistas, rápidas, pesadas e super influenciadas pelo jungle e pelo dub, foram um verdadeiro game changer nesse período. Contudo, ao contrário de muitos dos seus contemporâneos — e falamos de gente como Burial, James Blake ou Jamie xx –, Joy O acabou por não gozar da mesma fama, diluindo-se, tal como o dubstep, para os palcos mais “secretos” do clubbing londrino.

Depois de injustamente marginalizado e, de certa forma, erradamente esquecido durante mais de uma década, Joy Orbison retornou recentemente à aura inicial, muito fruto das suas recentes colaborações no campo do techno com Boddika, Ben UFO e, sobretudo, Overmono, mas também pelo elogiado EP Slipping, uma espécie de trabalho premonitório, uma rampa perfeita para este lançamento. 

Curiosa e ironicamente, ele até parece brincar com isso. Nos segundos finais de “sparko”, escutamos: “A partir do momento que chamas mixtape, já ninguém quer saber”. Uma frase propositadamente colocada para ironizar o lançamento, como se realmente este não fosse importante, mas é — e bastante! Muito para lá do lado puramente musical. Tal como o formato escolhido, este é um álbum profundamente pessoal, de certa forma privado, e construído com uma pequena base de pessoas em mente. É também uma experiência onde a ideia de álbum-conceito se cruza com o processo de composição e mistura, tratando-o como se fosse um DJ set. Não há aqui pausas, não há cuts audíveis, nem grandes variações de BPMs, o que há é um continuum sonoro, composto com a ideia de colocar Orbison numa abstracta conversa consigo mesmo.

Ao longo de toda a mixtape, ele deita-se no divã e procura perceber a sua carreira e o seu eu criativo. Há regresso, há busca, há partilha, tudo num entrelaçar de momentos musicais e familiares. A influência e o peso da sua família é algo que sucessivamente escutamos no final de diversos temas. Produzido em período de confinamento, o autor de “GR Etiquette” pegou em áudio de videochamadas e a partir dele reflectiu as suas ligações com cada membro familiar na sua música; as dúvidas dos seus pais, o apoio da avó, a prima (que aparece na capa) que lhe apresentou a música electrónica, o tio, produtor de jungle, que o fez querer produzir. Todos, de certa maneira, foram responsáveis por uma carreira descrita passo a passo na tracklist. É no que é dito, nos sentimentos que lá estão e na forma como esse lado familiar se entrelaça nas músicas que encontramos o espírito e uma parte da beleza do álbum.

A narrativa cronológica do disco é, também, um dos pontos interessantes desta produção. Orbison mapeia toda a sua carreira faixa a faixa, como se tivesse a contar a sua história musical. Com “w/dad”, “sparko” e “Swag /kav”, oferece as texturas arrastadas, negras e altamente emocionais do dubstep que lhe abriu portas e deu nome. É nessa tripla que encontramos alguns dos momentos de maior beleza e contemplação. Na companhia de Lá Sen temos a surpreendente “better” e o seu house a lembrar Disclosure, que tão bem representa o período em que os sons de Chicago estavam profundamente presentes nos seus sets. Em “bernard?” e “‘rraine”, encontramos um hip hop bem futurístico com layers de breakbeat e trip-hop, representações dos momentos mais obscuros e underground do produtor, mas essenciais para chegar onde está hoje. Aqui, o techno é apresentado numa versão intencionalmente light, de encaixe perfeito com o que foi feito atrás, a saber beber, inclusive, do hip hop e a entender que, no final das contas, o dubstep foi onde encontrou a maior felicidade. Por isso mesmo, na derradeira “born slipping” — referência clara aos Underworld — o género primário reaparece a pintar sonoramente aquilo que o criador de “Sicko Cell” mais deseja: estar de novo entre os seus, a ouvir histórias, a rir, a ser feliz.

Inesperado como um disco produzido na distância da pandemia acaba por ser muito mais um encontro caloroso do que um reflexo frio do distanciamento.


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