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Publicado a: 17/02/2017

Jonwayne: um dos nossos cowboys urbanos preferidos

Publicado a: 17/02/2017

[TEXTO] Nuno Afonso [FOTO] Direitos Reservados

 

No rap, como em cada esfera estética musical, há sempre um ou outro oásis exótico pronto a saciar a surpresa a quem se sente já a deambular num autêntico deserto de novidades. Por vezes esse factor nem chega tanto da inovação per se, mas sim da recontextualização ou da actualização de uma linha ou identidade já reconhecíveis. Na aurora deste milénio, e com toda a carga mítica que o momento evoca, assistiu-se a uma nova geração de músicos, de diversas frentes, que viram nesse tempo a possibilidade de chegar a outras dimensões, descobrindo universos paralelos. Dos cLOUDDEAD aos Shabazz Palaces, de Lil Ugly Mane a Dalek, os limites do rap foram testados quase ao limite. Frequentemente munidos de uma forte vertente de electrónica, dada a experimentações rítmicas ou psicadelismo melódico, agitaram águas no seu círculo e instalaram a confusão e desconfiança nos mais puristas. O mesmo enquadramento cairia bem no retrato do jovem californiano Jonwayne, de onde tem emanado coordenadas refrescantes desde que se apresentou com um pedaço de céu chamado Bowser.

 



Desde logo abraçado pela influente Stones Throw, uma real autoridade de requinte e bom gosto, o background do produtor faria crer as melhores perspectivas. Afinal de contas desde a adolescência que vinha a dar os passos certos na música após uma breve incursão pelo mundo do teatro (e se por sua vez se perguntarem pela origem do nome…). Além disso, era parte activa dos WEDIDIT, um auspicioso colectivo de Los Angeles onde também se incluem wonder boys como RL Grime, Elan ou Shlohmo. A visão de Jonwayne, e a que a torna especial, faz-se focar nem tanto pelo habitual imaginário do hip hop (o qual, convenhamos, se tornou quase refém de si mesmo), mas o que se encontra para lá disso, isto é, da maneira menos óbvia possível. Por vezes referida como demasiado cerebral e hermética, a verdade é que a indiferença não é, neste caso, uma opção. De tal forma que chegou a assumir via Twitter uma postura de rebeldia e pura provocação: “I’m done with rap. I’m going to keep making music but don’t compare me to any of that shit. It’s not my intention to contribute”.

Claro que tudo isto faz parte da sua persona; de alguém que evidentemente se reconhece nessa escola, mas que há muito se distanciou dela pelas regras, jogos e interesses dos mesmos docentes, nas mesmas aulas. É perfeitamente legítimo e, até certo ponto, essencial. O espectro sónico é amplo e imprevisível, feito de manipulação de sons ou samplagem terrorista, contudo as rimas, essas, continuam fiéis à arte da palavra. Oodles of Doodles deixou bem clara a intenção de estar em campo, reunindo uma brilhante colecção de quarenta e oito temas, todos instrumentais, captando essa essência abstracta de Wayne. O salto perfeito deu-se no entanto com Rap Album One. Um cartão de visita para muitos, uma confirmação de talento para outros. Trouxe a própria voz às faixas e auto-retratou-se no inesquecível vídeo de “The Come Up”: a imagem intemporal a preto e branco, sozinho por detrás de uma cerca e descartando adornos. Jonwayne surge, diante de nós, de chinelos e calções XXL – cuspindo uma história que certamente é a sua.

 



Agora chega o volume dois dessa obra. Deve ser vista como uma segunda vida que traz consigo um processo pessoal associado ao abuso de álcool e às suas sequelas diárias. É naturalmente uma carta aberta a quem o seguiu até hoje, mas evitando discursos dramáticos, como aliás já tínhamos escutado no single “That’s O.K”. Scoop DeVille, Zeroh, D-Styles e Mndsgn acompanham este espécime de anti-herói cujo caminho não cessa de entusiasmar a cada disco. Tocando em ponto cruciais, sabemos que não há muitos como eles: pelo discurso e forma de estar, pela frescura de propostas e pela naturalidade com que afinal aglomera todos estes elementos sem se preocupar minimamente com opiniões alheias. Se é um rei? É certamente.

 


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