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Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 26/09/2023

Entre luzes circulares e o abismo sónico.

Jonathan Uliel Saldanha no Lux Frágil: reminiscências de OOPSA, SOOPA, SØMA ou HORROR VECTOR

Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 26/09/2023

Lux Frágil — 25 anos. Na construção de uma geografia afectiva comum é exercício vivo o nascer do sol na varanda, as noites extensíveis no “inferninho” ou no piso de cima, para sets tão inesquecíveis como longínquos num tempo cronológico — como Matthew Dear / Audition, a 17 de Maio de 2007. Lugar, sempre, para concertos de sonoridades diversas — de Deerhunter + Ariel Pink (01 de Junho de 2009) a Vashti Bunyan (13 de Maio de 2010), passando pelas noites Black Balloon (2011 – 2017), organizadas por Pedro Ramos e lugar para associações de importância inquestionável como a Soniculture, e as sesssões Sonic Fresh — como a Sonic Fresh’14, com Vatican Shadow, Audio Injection/Truncate, Lewis Fautzi e Manu, a 12 de Setembro de 2014. Não faz falta esticar a lista, ela aí está e a cada linha soma um ponto, um desenho de topografia emocional.

Lux Frágil — 25 anos. Jamais uma lança na gentrificação lisboeta, como outros que rumam agora apressadamente a Este. Deu a descobrir uma parte da cidade que merecia sê-la a seu ritmo. Foi acompanhando estas e todas as mudanças de Lisboa que, pasme-se, vive numa excedentária situação de oferta musical. No combate – critério! E criteriosa pareceu a última noite Beyond Suberb. O universo de Jonathan Uliel Saldanha — de HHY & The Macumbas e outros trabalhos que apelam a uma íntima necessidade de descoberta. Os sentidos que dialogam — a visão ou a falta dela. Desde SØMA, na Culturgest em 2018, a Scotoma Cintilante, no BoCA, São Carlos, em 2019. As personagens estranhas, mas familiares, como o cosmonauta Nuno Marques Pinto em Broken Field Atlantis – Drum Corps (FITEI, no Understage – Rivoli, em 2019), que se exibem na invisibilidade. Em Swarming Decay (Carpintarias de São Lázaro, em 2020), as sombras caravaggianas são luz. Tudo o que se expõe nada mostra. Na aproximação ao trabalho de Uliel Saldanha usa-se o tacto e os outros sentidos para apurar visão. Nesta noite, contou com o companheiro de longa data João Pais Filipe, cuja pesquisa em volta da amplitude sonora de elementos percussivos adensa carácter ritualista e expande horizontes. Janela em águas furtadas na procura da mulher invisível. A eles se juntou João Pedro Fonseca no desenho de luzes.

A seu ritmo e no nosso vamos poisando pé na nova matéria que Uliel Saldanha nos apresenta. Nos sintetizadores uma cadência marcadamente dançável, pelo menos a espaços, onde a fusão entre uma linguagem mais tribal se intersecciona com ritmos de cariz assumidamente electrónico. As luzes projectadas no chão conformam um círculo. Talvez um convite a uma roda de celebração. Na vertical, dispositivos alinhados numa métrica bem definida e num espaçamento que remete para desenho de arquitectura modernista. As colunas da estação de Termini [Roma] em deambular noctívago com destino a San Lorenzo. No início os dois — Uliel Saldanha e João Pedro Fonseca. Dois corpos que se fudem, como que a lembrar que as luzes também são som. Reforçando-o e redirecionando. A apresentação da peça DOPPLER HHY. Na segunda parte, o contributo de João Pais Filipe para a peça NIGHTSHIFT. Precursão minimalista e o universo sonoro dos 90’s como que a lembrar a utilização da caixa de ritmos. Baquetas iluminadas, mas não por isso estridentes. Compassos marciais, num registo bem distinto do que nos habituámos a escutar com o músico do Porto. E as luzes com presença marcante em todo o concerto.

A janela é enquadramento que se adivinha. Ver o infinito pode ser cansativo. Falar em excesso é massacre para ouvido curioso. Com Jonathan sempre nos encontramos em carreiro próximo do abismo. Caminho de gravilha em marcha atrás. Obriga-nos ao avesso. A sentir na palavra dita em tribunal som de libertação. Alunos de escola em fato de treino como cantores líricos. Um reposicionamento constante. Não se sentiu esta noite. Tudo demasiado compostinho. A sala e o excelente sistema de som. É suficiente? As luzes em permanente enchimento. Chamar à memória o desenho do traço de Dayana Lucas e pedir ardentemente que seja lampejo que nos desofusque. Não aconteceu. Estamos na pista. Mas chegámos perto? Envolvemo-nos no círculo? Domínio distante. Universo demasiado contemporâneo. A realidade é televisionada. A revolução não. Estamos mal-habituados. Uliel Saldanha fez-nos exigentes. OOPSA, SOOPA, SØMA, HORROR VECTOR, F.R.I.C.S. são curtos exemplos da excelência do trabalho. A procura dos limites nossos. A rasteirinha no passo — compasso.

Queremos ver a/na escuridão. Ludibriar o pelotão de seguranças. Abraçar a mulher invisível sem a preocupação de frente ou verso. No desverso, sempre!


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