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Publicado a: 29/06/2015

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O único factor que impede Joey Bada$$ de ser o arquétipo do hip hop contemporâneo é a existência de outros nomes como Kendrick Lamar no cenário. Não podendo estar em primeiro, a primeira longa-metragem deste pós-adolescente de Brooklyn merece, pelo menos, um lugar no pódio principal do panorama actual do movimento. A verdade é que, por muito que queiramos colocar Lamar num pedestal, Joey Bada$$ é um miúdo suficientemente capaz para disputar o lugar do trono. Antes de passar à review deste record, tenhamos em mente que estamos a falar de um rapaz que edita o seu primeiro trabalho na mesma altura em que completou 20 anos de idade.

B4.DA.$$ são dezoito faixas que juntam o melhor de dois mundos: o liricismo vanguardista – mas assente nas raízes dos valores humanos – com o instrumental clássico dos anos 90, cuja sonoridade se molda aos diferentes estilos de personagens emergentes no cenário do hip hop, quase vinte anos depois. Esta é uma peça que reflete sobre as repercursões do crescimento, daquilo que é ser um negro a crescer nos subúrbios americanos, a dissertação sobre a inevitabilidade a que levam as circunstâncias e ainda uma abordagem sobre a ambição do mero mortal em querer transcender-se. Uma analogia entre os prismas do passado com o contexto moderno que nos chega a casa pelos ecrãs da televisão.

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A intro desenha-nos a imagem de Joey a disparar rimas sobre o público enquanto desfila por um corredor de holofotes, ao som de scratches misturados com trompetas. “It’s the survival of the fittest”, diz-nos, em jeito de homenagem aos clássicos Mobb Deep.

O instrumental de “Greenbax” faz-nos a ponte para um dos pilares deste álbum, “Paper Trail$”, a faixa que nos faz sentar na cadeira e questionar as prioridades que estabelecemos para o rumo que queremos levar. “They say money is the root of all evil / I say it’s the route of all people / ‘Cus at the end of every day, no matter black white or blue color worker, we still share the same common searchfull / In paper trails”, diz-nos a intro, ciente daquilo que faz o globo girar.

Além de toda a essência relacionada com a realidade quotidiana (“But they still planting plantations, we keep buying in / Close-minded men / Pride is higher than the price of your Pradas and Belenciagas“), o meu destaque vai para a maneira como Bada$$ utiliza a entoação e dicção para inserir novo vocabulário no compendium rimático do hip hop, que por estes dias tende a cair no vulgarismo, algo que não acontece na escrita de Joey (“Listen into the chamber, get hyperbolic / They raisin’ Macs, I raise steaks to keep them brolic / My visions is macrocosmic, pass the cronic“), versos que contrastam a idade física com a idade mental deste rapper que ainda não é adulto, mas que revela intuitos artísticos já muito acima da média.



Mais à frente, encontramos “Big Dusty” e “No. 99”, duas faixas cujo o estilo reporta à fervura dos anos 90 americanos e que, juntas, desenham os objetivos de Joey em querer manter-se fiel às raízes (que não têm de ser necessariamente do seu estilo musical, como é o caso de “Little Miss Lover”, de Jimi Hendrix, samplado de forma exemplar em “No.99“), mas com os olhos postos na atualidade e em tudo aquilo que está associado ao crescimento de um negro nos subúrbios americanos (“We ain’t gon’ settle for no iceberg lettuce / Let us eat when there’s war/ Or end up like venison meat in the street / They’re not ready for beef”). O flow simultaneamente agressivo mas não menos acertivo de ambas as faixas são pormenores cuja minha constatação do óbvio é dispensável.



Falando nas referências que fizeram dele um artista, creio não haver melhor exemplo do que Like Me”, outra das faixas mais aclamadas do álbum, onde Bada$$ rima sobre a sonoridade clássica dos beats de Dilla e The Roots, pensados numa altura em que Joey ainda usava fraldas, certamente. Este é talvez o som mais emocional do álbum, onde se prova a versatilidade deste rebelde de Brooklyn, que tanto sabe distanciar-se dos padrões normativos da América (como em “Big Dusty”), como se aclama como um black messiah da sua cidade, cuja dedicação o levou do anonimato ao estrelato, descrevendo todo o processo com uma escrita menos impulsiva e mais poética (“It’s like every step bring me close to destiny / And every breath I get closer to the death of me/I’m just tryna carry out my own legacy /But the place I call home ain’t lettin’ me.”).



É a pouco mais de meio do álbum que encontramos aquilo que me levou a querer conhecer mais sobre a música de Joey Bada$$. Christ Conscious” é um elogio à espontaneidade artística. É uma faixa que se desprende de métricas ou de regras musicais e onde o flow inteiramente freestyle e estoicista estabelece o rumo por onde nos leva o beat. Digno de referência é também o videoclipe, cuja filmografia não apresenta quaisquer falhas, desde a concepção de cada plano à ideia cinematográfica final do video. Entendo esta faixa como uma afirmação de um novato que se mostra capaz de competir com gigantes que lhe são contemporâneos. Aqui, apesar de ser uma faixa de estilo extremamente próprio, nem assim Joey esquece as influências (Specially educatted / Heavily medicated / Give me that beat and I’ll put you next to Dilla). A aparência franzina e o rosto ainda limpo confirmam os vinte anos de idade, mas este flow é digno de alguém que imediatamente chamaríamos de veterano.



Não quero encerrar esta dissertação sem antes referir a surpresa que este álbum me trouxe: On and On, a faixa onde Joey, apesar de manter a entoação estoica que lhe é natural, se serve de um beat melodicamente harmonioso para contar uma história que não lhe foi fácil de aceitar, a perda de Capital Steez, um membro dos Pro Era, grupo do qual também faz parte. I really miss my partner/But I know he with Big Poppa, 2 Pacs, and the Big L rolled proper / And that’s a big pun, know that I’mma join him / When my time come, but the story just begun. Destaque ainda para a produção de Freddie Joachim, um dos meus produtores de eleição, que aqui recebe a minha nota máxima.


https://www.youtube.com/watch?v=m5XyfvKwojE


B4.DA.$$ é isto e muito mais. Creio que seriam precisos mais uns parágrafos para vasculhar esta masterpiece a fundo. É de relembrar que este rebelde tem apenas 20 anos e já faz música a este nível. Se lhe dermos tempo e espaço, brevemente o veremos a morder os calcanhares de nomes de maior projecção como Kendrick Lamar. Porque daqui a outros vinte anos, Joey deixará de ser o pós-adolescente em processo de aprendizagem (sendo que muito pouco lhe falta aprender) para ser um nome de referência neste que é um movimento de escala mundial.

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