LP / CD / Digital

Joe Armon-Jones

Turn to Clear View

Brownswood Recordings / 2019

Texto de Manuel Rodrigues

Publicado a: 03/10/2019

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É jovem, exibe um penteado que nos traz à memória o de Albert Eistein e também gosta de estudar o que o rodeia. Joe Armon-Jones, o talentoso e misterioso teclista dos Ezra Collective, é, na sua particular forma, um avançado explorador. E prova disso é o vídeo Dissecting the Sound of Joe Armon-Jones, publicado no YouTube há coisa de um mês pela The Vinyl Factory, onde é possível ver o músico britânico a passar a pente fino “Icy Roads (Stacked)” e “Yellow Dandelion”, duas canções do seu recentemente editado Turn to Clear View. Durante cerca de 10 minutos, Armon-Jones viajada até à génese das composições, das bases às melodias, explicando o porquê de certas escolhas de acordes e meditando sobre a própria abordagem ao instrumento.



Ver Joe Armon-Jones, no estúdio, de mãos pousadas no seu Nord, é como ver um físico de frente para um quadro de ardósia a colocar por extenso as teorias assimiladas durante anos – com a particularidade de Armon-Jones ser o tipo de aluno que não se conforma unicamente com aquilo que aprendeu a nível escolar. Quer isto dizer que, apesar dos estudos na Trinity Laban Conservatoire of Music and Dance, notável escola que teve matriculados nomes como Fela Kuti e John Barbirolli, e da passagem pelo Tomorrow’s Warrior, programa de desenvolvimento para jovens músicos já aqui referido em textos anteriores, Armon-Jones não dá por finalizada a sua aprendizagem, procurando sempre novas aventuras. Há sempre mais informação para recolher.

Editado no passado dia 20 de Setembro, Turn to Clear View é, no fundo, a continuação de Sarting Today, o primeiro registo de longa-duração, lançado dia 4 de Maio. Para esta nova aventura, Armon-Jones muniu-se da mesma equipa da jornada anterior, quer a nível de produção, que conta com a ajuda do há muitos anos colaborador Maxwell Owin, quer no campo da instrumentação, garantida pelos “suspeitos do costume” na bateria (Kwake Bass e Moses Boyd), trompete (Dylan Jones, também ele dos Ezra Collective), saxofone (Nubya Garcia e James Mollison), guitarra (Oscar Jerome), e baixo (David Mrakpor e Mutale Chashi). Mr. Jones a mostrar que em equipa vencedora não se mexe.

O intervalo entre os dois álbuns – 16 meses – não é suficientemente grande para que se note grande desvio na textura e composição, todavia, são algumas as diferenças. Se Starting Today se traduziu num trabalho mais focado no universo dub, com o tema-título a deixar sobressair o seu “baixo caminhante”, e “Mollison Dub”, uma das mais interessantes do disco, a desmultiplicar-se em efeitos de tempo e fase, Turn to Clear View explora uma sonoridade mais espacial, ligada ao cosmos, digamos assim, sem nunca voltar totalmente as costas ao dub, como é possível confirmar em variados pontos da audição.



“Icy Roads (Stacked)”, o primeiro single de Turn to Clear View a ver a luz do dia, é um excelente espelho da obra. Além do artwork que mostra Joe Armon-Jones, Kwake Bass e Mutale Chashi numa espécie de aranha robotizada, pronta para explorar a superfície de um astro que se desconhece, o próprio tema, de aproximadamente cinco minutos, soa a epopeia cósmica, algures entre a Odisseia no Espaço de Kubrick e a história que José Cid nos relatou no seu brilhante documento de 1978. “Icy Roads (Stacked)” recorre a sintetizadores crescentes e arrastados, que muito facilmente se aproximam do som debitado pela descolagem de um objecto voador, e encontra na bateria uma fonte de energia para se deslocar no espaço, onde, já perto do fim, uma voz ecoa perdida.

A abertura do disco faz-se com “Try Walk With Me”. Suave, envolvente e cativante, este é o preâmbulo de uma frutífera odisseia de 44 minutos. As honras são, como em Starting Today, entregues a Asheber. Entre a harmonia do piano e a melodia do saxofone, o líder do colectivo The Afrikan Revolution alude a um conjunto de elementos geográficos – rios, montanhas, oceanos – que nos transportam inevitavelmente para o continente africano. Esta poderá não ser, contudo, a leitura mais correcta para a música. Se nos focarmos na capa do disco, que coloca esses mesmos elementos suspensos no vácuo e a rodear um corpo luminoso (provavelmente uma estrela), facilmente a ideia ganha uma dimensão espacial, quase como se Joe Armon-Jones nos quisesse dizer que estes rios, montanhas e oceanos são parte de um astro que encontrou na sua odisseia intergaláctica.



“Yellow Dandelion”, outros dos singles a ser apresentado, conta com a participação da muito requisitada cantora californiana Georgia Anne Muldrow, importante nome da neo-soul. Esta é, a par de “Gwana Sweet”, uma das músicas menos “viajantes” do álbum, apesar de, dada altura, as teclas de Armon-Jones se embrenharem nos breaks de bateria num efeito quase propulsor. Há uma certa toada p-funk nas entrelinhas da canção, trazendo até nós o universo hip hop que também influencia o músico britânico, comprovado novamente em “The Leo & Aquarius”, onde Jehst, depois de uma muito bem executada transição instrumental, deixa os seus versos fluírem livremente.

Para a recta final, há “You Didn’t Care”, com uma longa intervenção da talentosa Nubya Garcia, e “Self: Love”, onde participa o músico nigeriano radicado em Londres Obongjayar. Ambas parecem, do ponto de vista de exposição e expansão, querer rasgar o espaço sem rumo definido, mas é em “Self: Love” – recheada de filtros de frequência e uma mão cheia de efeitos que nos remetem para o cosmos – que se desenha o derradeiro grande percurso interstelar. Tempo de regressar?


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