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Publicado a: 18/11/2015

João Pedro da Costa e a importância do videoclipe na “definição do imaginário do hip hop”

Publicado a: 18/11/2015

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos Reservados

 

Ao longo de quatro meses, o Rimas e Batidas revelou uma história videomusical do hip hop através de Sons & Visões (com batida), uma série de artigos assinados por João Pedro da Costa que viaja pelo mundo dos telediscos musicais do género.

As escolhas apresentam não só uma cronologia dos caminhos da expressão visual e sonora do hip-hop, como também a confrontam a partir do ponto-de-vista da evolução histórica e cultural do hip hop ao longo de mais de duas décadas: de Blondie a Run The Jewels; de Afrika Bambaataa a Death Grips.

Estivemos à conversa com o autor deste longo ensaio e procurámos saber mais sobre as conclusões que emergiram deste exercício reflexivo em torno da música e dos vídeos (com batida).

 

[OS CRITÉRIOS DE ESCOLHA]

“Numa primeira fase, procurei que a escolha não se regesse apenas por uma questão de gosto pessoal: há videoclipes rap que adoro que não figuram na lista; há outros que gosto menos e estão lá. Os Die Antwoord, cuja videografia faz vibrar a minha corda sensível, ficaram de fora. E o vídeo de “California Love” de 2Pac, apesar de me provocar urticária, foi incluído. Isto porque reconheço que os meus gostos seriam um critério manifestamente insuficiente para a levar a tarefa que tinha pela frente a bom porto.

Numa segunda fase, percebi que queria que a escolha fosse cronológica de forma a construir uma narrativa. Isto obrigou-me a incluir vídeos que representassem cada uma das fases que considero serem as mais importantes do movimento. Este critério foi muito importante, porque obrigou-me a pesquisar as zonas mais cinzentas do meu conhecimento videomusical do hip hop e, por vezes, fiz descobertas. É o caso do clipe de “My Philosophy” dos Boogie Down Production: apesar de conhecer o tema, jamais me tinha cruzado com o clipe. E, quando o vi pela primeira vez, caíram-me os queixos (é mesmo capaz de ser, actualmente, o meu vídeo favorito de sempre do movimento). O facto de nem sequer saber da sua existência quando me lancei na empreitada diz bem da dimensão não apenas da tarefa como da minha ignorância. Ao longo dos quatro meses que demorei a escrever esta pequena história videomusical do hip hop, li imensos livros e perdi horas no YouTube. Isto apesar de ser um fã do formato desde a adolescência, de trabalhar profissionalmente com o mesmo há mais de uma década e de me dedicar exclusivamente à sua investigação académica desde 2008. Ainda assim, aprendi imenso. E não tenho dúvidas que a lista seria diferente se a fizesse daqui a um ano.

O terceiro critério foi mesmo esse: o das minhas insuperáveis limitações. Por fim, queria que a escolha fosse videomusical e não apenas musical, de forma a falar de nomes muitas vezes deixados de fora quando se fala da história do rap, como é o caso de realizadores como Fab Five Freddy, Ric Menello, F. Gary Gray, Spike Jonze, Hype Williams ou Paul Hunter. Todos tiveram um papel fundamental, e muitas vezes menosprezado, na definição da identidade e do imaginário do hip hop. Num género em que os MCs, os DJs, os beatmakers e os produtores são sempre as estrelas, deu-me grande gozo trazer à boca de cena estas figuras porventura menos conhecidas. Creio que não se pode compreender a evolução do hip hop sem o seu contributo. Este derradeiro critério, também me forçou a incluir vídeos de temas que, apesar de não serem rap, me parecem fundamentais para explicar a evolução videomusical do hip hop. O neo soul é um caso flagrante; o clipe de “Windowlicker” de Aphex Twin, outro. Na semana em que estava a escrever o último texto do meu itinerário videomusical, recebi na caixa do correio o novíssimo The Rap Yearbook de Shea Serrano, um livro fascinante em que o autor elege a música rap que considera mais importante para cada ano desde o surgimento (comercial) do movimento: de 1979 a 2014. Quando comparei a sua lista à minha cheguei à conclusão que há apenas 6 escolhas comuns entre os seus 25 eleitos e os 44 vídeos da minha selecção. Ora, isto foi, para mim, um motivo de regozijo: a ideia era precisamente a de contar uma história distinta das muitas que povoam o imaginário de fãs e especialistas. Não há aqui lugar para cânones, apenas para aproximações.”

 

[OS VÍDEOS FORA DO BARALHO]

“Tantos e ao mesmo tempo nenhum. Ter a perfeita noção não apenas das limitações das minhas escolhas, como do empenho que dediquei à tarefa, fez com que, nos últimos dias, tenha tido um grande gozo a elaborar na minha cabeça uma grande quantidade de listas distintas da que acabei por publicar. E cheguei a uma conclusão: poderia trocar um vídeo por outro, mas ambos acabariam por cumprir a mesma função que é a de exemplificar clivagens na evolução do formato. A lista não é uma antologia: é uma narrativa. E uma narrativa não vive só de protagonistas, mas também de personagens secundárias. Ainda assim, e como não quero fugir à tua pergunta, penso que poderia ter feito escolhas distintas para os vídeos relativos aos últimos anos. Não coloquei nenhum vídeo do Wolf Haley, por exemplo, mas tentei compensar a lacuna com o clipe de “Oldie” dos Odd Future. Outro exemplo: não coloquei nenhum dos mais recentes do Kendrick Lamar, mas está lá o de “Never Catch Me”, que penso ter tido um grande impacto na sensibilidade videomusical que actualmente exibe. A lista não podia ser infinda e algumas das decisões que tomei não foram fáceis. Por exemplo: por que raio o Nas, um dos meus heróis absolutos do rap, nunca conseguiu fazer ou encomendar um vídeo de jeito? Cenas destas tiram-me anos de vida.”

 

[CONCLUSÕES]

“Tanta coisa. Destaco cinco. A primeira é a sua fabulosa riqueza audiovisual: o videoclipe tem uma importância que rivaliza (ou mesmo supera) a dos graffitis na definição do imaginário do hip hop. A segunda é o facto de o formato ter sido a principal arena onde se travou a luta entre o mainstream e o underground e um dos instrumentos que foi mais habilmente utilizado pelo movimento para construir e esgrimir a sua legitimidade. A terceira, que o vídeo musical é crucial para desconstruir algumas das ideias pré-concebidas que tendem a terraplanar o hip hop: o movimento é complexo e heterogéneo, repleto de valiosas nuances e de saudáveis contradições. A quarta, que o hip hop foi uma fonte de inspiração para inúmeros realizadores talentosos e que muitos deles acabariam por ter uma influência, por vezes evidente, outras vezes subterrânea, na sua evolução. A quinta, que o vídeo rap está de saúde e que se recomenda.”

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