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Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 01/08/2023

Gulbenkian dá-te asas.

João Lencastre’s Safe In Your Own World no Jazz em Agosto’23: o mundo do voo que segue

Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 01/08/2023

Ao quinto dia de festival, o leme que guia o navio da 39ª edição do Jazz em Agosto, na Fundação Calouste Gulbenkian, segue firme e forte. Navega em mar aberto, rodeia o horizonte inalcançável, a ondulação e o vento são favoráveis. No céu, as nuvens desenham-se como querem, há espaço para todas, e as aves agitam os dias. Com tamanha comunhão, há que desfrutar dos sentidos. As boas energias e vibrações parecem pairar no ar, e a emoção dos concertos também, toda ela diversificada. Uns sentem assim, outros sentem assado mas, no final, o que conta é a liberdade musical. 

A linguagem sonora do jazz é um mundo de possibilidades, podem tecer-se teias sonoras infinitas – basta existirem pontos de encontro certeiros, mesmo que num curto espaço de tempo. E depois, há a oferta do infinito para explorar que, na noite de 31 de julho, aliou-se à liberdade criativa de João Lencastre e dos músicos que o acompanharam em Safe In Your Own World. Em 2022, fez-se presente no Jazz em Agosto com João Lencastre’s Communion, uma formação mais alargada. Um ano depois, apresenta-se em quarteto. 

João Lencastre é um baterista e compositor com trabalho reconhecido – em 2022 venceu o prémio “músico do ano” nos Prémios RTP/Festa do Jazz e, nesse ano também, o de melhor álbum de jazz nos Prémios Play, com Unlimited Dreams. Receber um prémio não tem forçosamente de ser sinónimo de qualidade, há muitos prémios em que essa premissa não se verifica mas, no caso de João Lencastre, confirma-se. É um músico com um vasto percurso e com uma versatilidade fora do comum. Podemos escutá-lo a tocar jazz, reggae, rock, punk, afrobeat e, se o permitirem, provavelmente até a pisar com a sua bateria os palcos do Teatro São Carlos. É um aglutinador musical, sem amarras. Já a contar com uma montanha de experiência, João Lencastre trouxe o seu mundo até ao público do Jardim da Gulbenkian, com Safe In Your Own World — disco lançado em 2022, pela Phonogram Unit.  Acompanham-no, neste caminho interior, músicos muito conceituados da cena norte-americana: Leo Genovese ao piano e Drew Gress, no contrabaixo. Só por este encontro, entendemos o reconhecimento internacional de João Lencastre, ao nível dos seus pares. A este trio, junta-se o guitarrista Pedro Branco, também ele reconhecido a nível nacional pela linguagem e expressividade com o instrumento. 

Na noite de 31 de julho, nos humanos, a metamorfose foi possível. Primeiro veio o bico, depois as penas, seguidas das asas. No fim, a coragem para o voo. Quando veio o impulso de saltar para voar, a metamorfose já se tinha dado e a metáfora também. A música emanada pelo quarteto foi um voo contínuo, que subiu e desceu, com tangentes aos telhados, onde por vezes o vento foi hostil, ou a chuva perturbou os movimentos, mas também onde os voos foram tão altos que permitiram alcançar o pôr-do-sol contínuo. Esse caminho, nada teve de bom ou de mau, foi apenas a natureza no seu estado puro e a riqueza de voar em liberdade por ambientes diversos. 

Com mais de uma hora de música e com muita improvisação, os músicos demonstraram-se abertos ao que uns e outros comunicavam, transitando entre si a condução da viagem para diferentes ambientes. Se por um lado o piano de Leo Genovese construía loops e rodopios de exploração em volta de escalas, por outro juntava-se à cadência da bateria ou respondia em tom de imitação propositada aos desafios lançados pela guitarra de Pedro Branco que, com ousadia, estabelecia meios sonoros dissonantes e desconfortáveis que, por mais contraditório que aparentemente possa parecer, eram pertinentes e agradáveis ao ouvido. Por sua vez, o contrabaixo de Drew Gress deixou pouco espaço para palavras, dada a riqueza genuína e maturidade musicais deste músico, que assentou, com uma excelente técnica instrumental, não mecânica mas esbelta, como uma raiz ou um tronco que nutre os ramos, as folhas e dá frutos.  

Ouviram-se paisagens sonoras sugestivas de eletrónica, rock, swing e até música clássica, o que permitiu perceber que o mundo interior de João Lencastre, musicalmente falando, é mesmo um Mundo. Fraternidade, humildade, ousadia, abertura, democracia na música. Eis algumas palavras ou ideias que voaram, talvez em modo humano em forma de pássaro, sobre o anfiteatro do Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian.


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