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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 09/11/2021

Dedicação máxima.

Joana Gama e Margaret Leng Tan na Culturgest: em torno de centros na periferia

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 09/11/2021

Último tema. Dois pianos, um no extremo do palco, na representação do oriente e da ligação deste com John Cage, tocado por Margaret Leng Tan, o outro na ponta oposta, numa clara alusão a ocidente e à música de Hans Otte, tocado por Joana Gama. O público sentado numa bancada provisória tendo como cenário a plateia vazia da Culturgest, em Lisboa, a fazer lembrar os dispositivos do Maria Matos, como no concerto de André Gonçalves MUSICA ETERNA II, por exemplo. Retomando, último tema, dois pianos em lados opostos, Joana Gama e Margaret Leng Tan decidem trocar de lado. O concerto termina com Joana a tocar o piano que durante todo o concerto tinha sido de Margaret e vice-versa. Não se trata somente de um dispositivo cénico. Antes, funciona como uma imagem onde os dois campos se podem unir: ocidente – oriente, a obra dos dois compositores Otte – Cage e das duas intérpretes. Uma colagem de fragmentos num tema comum, o vigésimo: “Hans Otte: Studenbuch 26” em colagem com “John Cage: Sonata 6” em colagem com “Hans Otte: Studenbuch 48”. Um dispositivo cénico não determinante, mas que reforça a ideia que dá título ao concerto Oriente:Ocidente – Cage:Otte e que confirma Joana Gama como uma das mais detalhistas e dedicadas músicas em Portugal.

Dedicação extrema que engrandece a qualidade do trabalho que vem apresentado ao longo dos últimos anos. Necessidade de contexto pela simples razão que o concerto Oriente:Ocidente – Cage:Otte é somente mais um exemplo da profundidade, do rigor e da diversidade sem artificialismos que a Joana tem sido capaz de criar. Da divulgação da obra de Satie, para diferentes idades e diferentes suportes (concerto, livro, CD) como por exemplo Eu gosto muito do Senhor Satie, passando pelo magnífico concerto na Fundação C. Gulbenkian – Música Callada, a propósito da divulgação da obra do compositor catalão Frederico Mompou, sem nunca esquecer uma das referências maiores como John Cage, há uns anos no Panteão Nacional no âmbito do Festival Rescaldo. Rodeando-se de cúmplices de longa data como Luís Fernandes e Ricardo Jacinto (‘Harmonies’), em registo performativo e mais experimental com Vítor Rua (‘Home Sweet Sound’) e agora com Margaret Leng Tan e Ingo Ahmels.

As pianistas dividiram entre si a execução de cada tema intercalando peças do compositor alemão e do compositor norte-americano. A carecer de terminologia mais fina, Joana próxima de um registo clássico, pelo piano e por interpretar obras de Hans Otte e Margaret num piano preparado com pequenos parafusos encrustados nas cordas, conferindo desta forma tonalidades menos óbvias e mais próximas de um artefacto lúdico tão peculiar e marca autoral do trabalho da própria e, naturalmente, de Cage. Um diálogo entre as duas, meticulosamente repartido, sem sobreposições desnecessárias dando tempo para a sempre vital respiração dos corpos – do piano, da sala, dos espectadores. Exceptuando o já mencionado último tema, em que se dá a troca de lados.

Um trabalho de fundo desenvolvido pela Joana na divulgação de compositores e artistas multifacetados como Hans Otte e que não se esgota no concerto do passado sábado (6 de Novembro), tendo continuidade noutras apresentações como na Fundação Castro Alves, Famalicão – Festival Binnar (12 de Novembro) e no Espaço Miguel Torga – São Martinho de Anta (Sabrosa), dia 13 de Novembro. Destacar, igualmente, a exposição patente no espaço Broteria — Hans Otte: Sound of Sounds. Fôlego permanente, que dá espaço a que outros músicos se inspirem na obra do compositor alemão para conceberem as suas próprias peças, como foi o caso de Norberto Lobo, Helena Espvall, Bernardo Álvares, Violeta Azevedo, Pedro Melo Alves e Joana da Conceição. Disponível online.

De Joana torna-se difícil esperar menos que uma dedicação arrebatadora. Talvez e só por isso esteja a construir um caminho nas periferias, esburacando centros diversos. Uma tarde, de tantas outras, a confirmar que o que faz é de uma magnitude sublime.

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