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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 24/01/2022

Contemporaneidade cinematográfica.

Joana Gama e Luís Fernandes na Culturgest: não existe saber suficiente quando a meta é a experimentação

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 24/01/2022

A abertura da cortina de palco que ressoa por entre a plateia silenciosa não poderia condizer de melhor forma com a ambiência correspondente ao início da actuação de Joana Gama e Luís Fernandes no auditório da Culturgest, em Lisboa, na passada quinta-feira: a primeira das cinco partes que constituem There’s No Knowing – o mais recente trabalho editado pelo duo que, nos últimos oito anos, tem explorado as possibilidades da música erudita e electrónica – faz-se notar através de um intervalo dissonante libertado do piano de cauda tocado por Gama, embalando a luz baixa que ilumina o centro de acção dos dois músicos.

Com a eventual entrada das nuances electrónicas de Fernandes para complementar este momento, pode-se comprovar que a simbiose electro-acústica que caracterizava os dois primeiros lançamentos do duo (Quest, de 2014, e Harmonies, de 2016) já não é um elemento do qual se encontrem co-dependentes, o que abre caminho para a exploração de outras possibilidades tímbricas, porém sem descartar esta prática por completo – ouvimos, passado pouco tempo, a criação artificial de reverberação do intervalo tocado por Gama a interligar o universo instrumental dos dois músicos de uma forma rica na sua subtileza; eventualmente, o motivo de piano que ouvimos até então transita para um arpejo fluído que se cruza com uma linha de synth de ataque oscilante de Fernandes, enquanto a cenografia correspondente a cada um captura na perfeição a dinâmica de cada instrumento.

O desvanecimento dos respectivos fundos cénicos assinala a passagem para a segunda parte, em que Gama avança para uma frase minimalista com o piano preparado em algumas cordas e, após cessar o terceiro andamento desta composição, é anunciado por um crescendo de passagens de synth deambulantes mas incisivos por parte de Fernandes. É aí que Gama se junta ao lado electrónico das teclas no MS20; neste momento, poderíamos jurar que a intervenção da pianista neste instrumento se traduziria numa linha sequenciada, mas isso apenas seria o caso se se tratasse do habitual tocador de synth – na verdade, cada nota do arpejo relativamente veloz que estamos a escutar é tocada instantaneamente, com o nível de destreza típico de quem possui um background em música clássica. Entretanto, a cenografia volta a tomar um plano preponderante ao replicar a tensão sónica que se faz sentir por esta altura da actuação, até todo este clima acalmar para dar lugar a um drone desconcertante que faz a ponte para a quarta parte da peça.

Nesse momento é-nos oferecido uma breve oportunidade para respirar — com Gama a percutir as cordas do piano de forma ad libitum –, após a qual Fernandes retorna com efeitos granulares e kicks irrequietos, fazendo a pianista resgatar a frase do primeiro tema, juntamente com um loop etéreo e uma simples linha de baixo por parte do seu comparsa.

Chegados ao último capítulo desta obra, em que synths ondulantes criam a preparação para um motivo minimalista cavalgado ao piano, cujo galope assertivo nos faz transparecer um sentimento de suspense de uma criação cinematográfica ou televisiva – algo perfeitamente natural para uma obra originalmente comissariada para Cassandra, série ainda por estrear. Nesta medida, a paragem repentina do motivo tocado por Gama anuncia a conclusão desta performance como um último frame de um filme, e é suficientemente pertinente para o público, inerte durante todo o concerto, manifestar o seu aplauso de imediato. 


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