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Texto: Paulo Pena
Fotografia: suspectmemories
Publicado a: 07/10/2021

Em processo de restauração emocional.

Jimmy P: “O Heartbreak tem uma determinada vibração que contraria um bocado todas as coisas que eu fiz até agora”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: suspectmemories
Publicado a: 07/10/2021

A dia 1 de Outubro foi revelado Heartbreak, o novo projecto de Jimmy P — que tomou a forma de um EP composto por seis faixas — e sucessor de Abensonhado, o último trabalho de grande escala, em nome próprio, do rapper.

Em conversa via telefone Joel Plácido abriu as portas ao seu Heartbreak e abordou algumas das motivações por detrás deste curta-duração. Mas para quem já leva mais de uma década disto em alta rodagem, a entrevista não podia ficar por aí e ainda houve tempo para se descobrir alguns passos dados e outros por dar numa jornada cheia e contínua. E a garantia que Jimmy nos dá é que ainda agora está a começar. Calejado pelo caminho mas com a ambição intacta.


https://youtu.be/LXNlHjfrop0

No ano passado lançaste dois projectos — um disco mais ambicioso, o Abensonhado, e um EP a meias com a Carolina Deslandes, o Mercúrio — e agora estás a editar um novo EP, com seis faixas, sendo que já divulgaste três delas. Há uma ligação presumível entre estes temas; o que te levou a juntá-los num projecto foi haver uma ligação tal que não fazia sentido lançá-los apenas como singles?

Não. Aliás, para já, vejo duas razões para isto acontecer desta maneira: em primeiro lugar, é porque estes temas aconteceram numa altura muito específica e muito peculiar da minha vida, e todo o mood do EP, a vibe, a estética tem muito a ver com esse momento específico que eu estava a viver. Depois, também sinto um bocado vontade de contrariar esta cena de, hoje em dia, tudo tem de viver dos singles. Eu acredito que tu, para conheceres um artista, tens de ouvir mais que um single. E acho que é bonito quando os artistas fazem projectos, porque isso dá oportunidade ao público de perceber com que intuito ou com que propósito é que o artista fez esse determinado projecto. Por isso é que para mim não fazia sentido separar as faixas, porque o conceito faz sentido como um todo e não como faixas isoladas, exploradas como singles.

Ainda para mais de um artista com a tua exposição…

Sim, eu acho que isso é o expectável. Não é só para um artista como eu, que está exposto, mas é… hoje em dia, quando um artista anuncia qualquer coisa, espera-se, logo à partida, que seja um single e que esse single rebente. E depois normalmente, os artistas ficam sempre um bocado reféns do resultado e dos números. E eu acho que essa ditadura dos números pode invalidar o talento que alguns artistas possam vir a ter, sobretudo o pessoal mais novo — às vezes lança com a expectativa de fazer grandes números; como vêem os outros a fazer e parece uma coisa fácil atingir aqueles números, há muito pessoal que se desencoraja e desanima com facilidade porque, lá está, os resultados não advêm de um single. Não é com um single que tu constróis uma carreira, não é com um single que tu te dás a conhecer ao público.  

No meu caso, isto foi um projecto pessoal, até de cura individual, ‘tás a ver? E eu sinto que era importante — mais do que os números ou os resultados que a cena pudesse ter — o público perceber o feeling e o porquê deste EP ter acontecido, porque as músicas contam histórias e têm uma determinada vibração que contraria um bocado todas as coisas que eu fiz até agora, mas aconteceu dessa maneira, com essa vibe, esse mood, porque era para aí que eu estava virado. E já me perguntaram várias vezes… As pessoas quando pensam em Jimmy P estão sempre à espera daqueles sons que são uplifting e têm aquela energia toda para cima e revigorante, mas eu não sou sempre esse gajo…

Ninguém é…

E ninguém é, exactamente! E acho que é preciso nós abraçarmos isso. Muitas vezes uma pessoa esconde essa parte da nossa personalidade, mas ela está aqui e está bem presente, e foi o que eu fiz; decidi abraçá-la porque não estava num momento tão fixe da minha vida e, olha, as coisa saíram assim, dessa maneira. 

Este conjunto de canções mais íntimas surge de uma urgência pessoal, ou, tendo em conta que dois dos singles têm uns meses, isto foi algo que tiveste tempo para digerir e pensar apresentar nestes moldes?

Se tu conheces o meu percurso desde que eu apareci, nunca parei verdadeiramente — mas intencionalmente. Sempre estive a fazer coisas: fiz álbuns, tours com muitos concertos… E eu vinha de uma fase, que era provavelmente a melhor fase da minha carreira, ou seja, editei o meu álbum, fiz o Coliseu [do Porto — na celebração dos 10 anos de carreira], vinha também da cena do Festival da Canção, que foi alta experiência, foi muito fixe, e de repente confinamos. E eu tinha todo o mundo de perspectivas à minha frente que, de repente, acabaram por não acontecer — como toda a gente, na verdade. Só que, se o primeiro confinamento, por um lado, foi tranquilo porque vinha com o ritmo das cenas de trás — e fiz o EP com a Carolina durante o primeiro confinamento —, o segundo foi duro, foi mesmo muito duro porque tive de gerir a expectativa porque sabia que não íamos voltar à estrada e a fazer a nossa vida normal novamente. E na verdade, emocionalmente e psicologicamente, fui muito abaixo. E o EP foi uma forma de terapia para mim, porque, se calhar, em vez de ir falar com alguém, fechei-me no estúdio e fui fazendo sons, fiz muitos sons. Só que o mood estava sempre aí, nessa cena assim um bocado mais down porque era assim que eu me sentia nessa altura. E foi uma forma boa de eu me recuperar e de eu me restaurar, pessoalmente e emocionalmente, porque precisava de fazer aquele tipo de som e de despejar e tirar uma série de coisas que eu tinha cá dentro. Ou seja, isso não foi duro só para mim, foi duro, também, para as pessoas à minha volta, e eu também fui buscar muito daquilo que estava a acontecer com o pessoal que me rodeia e nós nunca deixámos de estar juntos durante a quarentena, aquele círculo reduzido de pessoas com quem eu me dava, e acabei por absorver não só aquilo que eu estava a viver, mas o que eles estavam a viver também.

Essa frustração comum…

Sim, era comum, a verdade é essa! No fundo, é o pessoal que está comigo desde sempre. Foi quase uma frustração partilhada, sabes? Toda a gente teve ali um momento em que foi muito abaixo.

Falavas dessas motivações que te levaram a fazer este EP. Hoje em dia, o que te leva a começar uma canção nova? Os estímulos são os mesmos de quando começaste?

Não, é diferente, é muito diferente! É o que eu digo: quando estás a começar, tens o mundo inteiro à tua frente, tens muita coisa por dizer…



E muita vontade.

E tens vontade, tens muita vontade! Não é que a vontade já não exista. O que acontece é que, quatro álbuns depois e umas mixtapes, o desafio é diferente. Tu tens os estímulos para fazer música, queres fazer as coisas, mas se calhar queres dizê-las de outra maneira; queres dizê-las de forma a não soar repetitivo e de forma a que as pessoas não sintam que estás a cair nos mesmos temas e na mesma forma de musicar os teus temas — e acho que isso é um exercício de reinvenção permanente. Se antigamente, por exemplo, a minha música partia sempre de um tema, se calhar, hoje em dia, vou atrás daquilo que a música me sugere ou do estado de espírito em que me encontro, e não numa linha de raciocínio muito clara. Hoje em dia, acho que o que me motiva como artista é superar-me sempre e ir além daquilo que eu já sei que faço bem. Há determinados beats e registos e temas onde eu sei que sou craque, sou barra a fazer determinadas coisas. Agora, o que eu quero fazer é exceder-me como artista e procurar aventurar-me em terrenos onde eu acho que consigo fazer coisas boas, mas que ainda não tenho essa certeza. Então, estou sempre disposto a correr esse risco. Óbvio que as coisas não saem sempre bem; mas quando sai bem, quando gostas do resultado, é gratificante.

Tencionas continuar a expandir essas fronteiras da tua musicalidade, ou tens vontade de trabalhar mais lado a lado com outros artistas, até num papel de mentoria, como já tens feito?

Eu gosto de pensar em mim como um músico, acima de tudo, e como uma pessoa que gosta de fazer música. E isso para mim conta muito, é uma cena muito importante. Gosto de desenvolver com os artistas não em função do género que eles representam. Acho que a música é uma cena de partilha e de vibração, e quando há uma vibração fixe entre as pessoas, acho que a música tem tudo para acontecer, seja ela em que registo for. Mas eu gostava… Acho que cheguei a um ponto da minha vida e da minha carreira que já fiz tanta coisa em nome individual, em meu benefício, e felizmente estou numa fase boa da minha vida a nível pessoal e financeiro que me permite, também, fazer outras coisas. E gostava — aliás, é um dos projectos que tenho para depois deste EP, que é reunir os artistas da nova geração aqui do Porto e fazer um projecto com eles, uma colectânea ou uma mixtape, e dar-lhes uma plataforma. Porque há gajos aqui que são muito bons e extremamente talentosos, só que não têm essa plataforma para se mostrar a outros públicos. Então, gostava… gostava não. É uma coisa que eu já estou a fazer, na verdade, para ser sincero contigo. É um processo que já começou. E quero estar mais envolvido na minha comunidade, porque às vezes estamos aqui no hustle, na correria das nossas vidas, e há outras pessoas à nossa volta que merecem atenção porque têm skill e talento. 

Imagino que uma dessas pessoas seja o Lazuli, uma vez que, na entrevista que lhe fiz para o ReB, ele falou exactamente desse papel de mentoria que tu tiveste. 

Ya! Sim, mas foi como eu te disse há pouco: para mim, a música é isso mesmo, tem de haver esse sentimento de partilha. Eu conheci o Lazuli quando estava a fazer o meu último álbum de originais, o Abensonhado, e quem me falou dele foi o FRANKIE[ONTHEGUITAR]. Estivemos lá no estúdio e houve essa química, essa energia fixe entre nós, tanto que eu estou sempre a conversar com ele e estamos sempre a trocar ideias e ele está sempre a mandar-me beats. Mas acho que parte muito daí, de haver essa abertura, de estar disposto a ouvir o que os outros têm para dar. Eu não sou, de todo, daqueles gajos que acham que sabem tudo, só porque estou aqui há mais tempo, que isto é um posto… Não penso dessa maneira, estou sempre aberto a ouvir coisas novas e, se a vibe for fixe, acho que é sempre um bom ponto de partida para se construir boa música.

No ano passado celebraste 10 anos de uma carreira que se pautou pelo sucesso consistente e constante. Não há muitos casos semelhantes no hip hop nacional, de artistas que se mantiveram sempre presentes e relevantes ao longo dos anos e que vão desde sonoridades mais comerciais ao rap mais cru. Como é que se consegue isto sem comprometer a personalidade artística?

Eu sempre parti desse pressuposto, já quando era mais novo e quando comecei a lançar as minhas cenas. Sempre vi isto como uma maratona e não como um sprint. Havia bué pessoal à minha volta que queria resultados imediatos, e houve pessoal, que começou na mesma altura que eu, que desapareceu muito mais rápido. Mas eu sempre tive esse mindset de “ok, isto é uma corrida de fundo, o que interessa aqui é um gajo ser consistente”, porque, se tu fores consistente, mais cedo ou mais tarde acabas por acertar naquele… O pessoal quer os hits, na verdade, não é? É isso que depois se traduz nas coisas boas e nas coisas grandes. Mas tem que haver uma coisa que sustenta isso. Sempre pensei nisto a médio-longo prazo, sempre pensei “daqui a três anos quero estar ali, daqui a seis anos quero estar ali, daqui a nove anos quero estar ali…”, e ao longo da minha carreira isso são os meus objectivos. E fui sempre trabalhando tendo esses objectivos em vista, sempre tive esse plano em mente. E acho que é a melhor maneira de tu conduzires uma carreira, porque assim não andas aos ziguezagues; porque, se tu estás sempre a contar que vais acertar naquela bolacha, naquele single dos milhões, não pode funcionar assim. Podes, efectivamente, acertar, mas também tens de ter os alicerces, que é para te segurares quando isso acontece, senão ficas sempre refém daquela fórmula ou daquele acontecimento e queres sempre repetir aquilo. Ninguém consegue repetir duas vezes o mesmo som. Acho que o segredo é esse, é manteres-te consistente, trabalhares e estares sempre a fazer coisas. E nem tudo tem de ser hits na tua carreira. Acho que grande parte disto é sentires-te realizado, e a realização é uma cena diária, não é uma coisa que tu só atinges quando tens sucesso. Ou melhor, o sucesso é isso mesmo: um sentimento de concretização diária. É um processo contínuo e é preciso apaixonares-te por esse processo.

E o que é o Jimmy P de agora projecta a médio/longo prazo nessa maratona?

Eu acho que ainda há muita coisa para fazer, pelo menos é isso que eu discuto com o meu pessoal. Tudo o que fizemos até agora acho que foi bonito, foi muito bem feito; acho que todos nós temos esse sentido de concretização no que diz respeito à minha carreira. Mas há muita coisa para fazer ainda. Eu gostava, por exemplo, de fazer uma sala maior que o Coliseu — e hei-de fazer, a seu tempo. Este percurso começa agora, ou seja, estamos na fase pós-Covid, a sair desta cena toda que nos aconteceu, e acho que agora abriu-se a porta para voltarmos a projectar as coisas naturalmente. E essa seria, definitivamente, uma delas. 

Já tive a experiência de tocar fora de Portugal, nomeadamente em Cabo Verde e Angola, e é uma experiência que eu quero repetir, absolutamente. É um feeling inacreditável, é muito diferente a forma como as pessoas consomem e vibram com a música, porque o acesso à Internet não é tão fácil. Então, sempre que acontece qualquer coisa e que um artista se desloca a esses sítios, cria-se todo um ambiente frenético à volta desses acontecimentos. Então, se tivesse de destacar, assim no imediato, era fazer essa sala grande e voltar a fazer uma tour pelos PALOPs. 

Quando foste a esses países tinhas noção que as pessoas acompanhavam o teu trabalho dessa forma?

Em Angola tinha essa noção porque, como os meus pais viviam lá, ia lá com mais frequência, então estava mais em contacto com a realidade — tanto que, sempre que eu chego lá, no aeroporto há pessoal para me receber. Quando fui a Cabo Verde — foi em Dezembro, antes do Covid —, fui a convite do Djodje, para fazermos lá dois shows, e não tinha essa noção. Só tinha estado em Cabo Verde de férias, e ele disse “mano, prepara-te que a tua cena lá está muito grande”. Eu não tenho esse feeling, não consigo ver esse retorno. Meu, aquilo foi uma loucura. Nós fizemos um show na Ilha de Santiago, na Cidade da Praia, para trinta mil pessoas. Claro que eu não estava sozinho, o show não era só meu — daqui de Portugal estava eu, o [Deejay] Telio, os Supa Squad e estavam muitos artistas de Cabo Verde. Mas ter ali aquele pessoal todo e ver que conheciam os sons e estavam a vibrar com aquilo, é um grande feeling… Estás muito longe do teu país de origem, e tu vês que aquilo acontece ali, naquele sítio, a 3000 quilómetros de casa, é inacreditável.

Ainda sobre os concertos, como está a tua situação em termos de actuações ao vivo? Há planos para tocares este novo EP, quem sabe com uma orquestra por trás para a “T3”? 

Sim, tem aquele arranjo de cordas. Imagina, eu digo sempre que é preciso ver o EP como uma cápsula. É um bocado como na moda: tens as colecções sazonais e depois tens as cápsulas, que são aquelas cenas que saem entre duas colecções, que acontecem só naquele momento. Eu não tenciono tocar este EP ao vivo, até porque a linguagem é muito diferente de tudo aquilo que eu tenho no meu alinhamento no live, e acho que, esteticamente, é uma cena que não encaixa bem — a não ser que seja num determinado contexto; numa sala, num ambiente mais intimista, pode ser que faça sentido. Para os concertos grandes e para os festivais que a gente faz, acho que não faz sentido actuar uma cena daquelas nesse contexto. Agora, a agenda que eu tinha antes do Covid, muitos dos concertos não vão acontecer, infelizmente, mas uma grande parte vai transitar para o próximo ano. Portanto, eu acho que tudo indica que será um ano de muitos concertos outra vez, pelo menos assim espero. 


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