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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 21/11/2022

30 anos a cimentar técnica.

Jeru The Damaja no Estúdio Time Out: com a confiança de quem já conhece todos os segredos da sua arte

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 21/11/2022

Depois de todo um dia de concertos no Estúdio Time Out, que teve o dedo da Collect Culture — em parceria com a Versus –, a noite já ia longa para quem esperava ansiosamente pelo nome mais sonante do cartaz, que tardava em agraciar-nos com a sua presença; enquanto esse veterano de seu nome Jeru The Damaja não aparecia, o compasso de espera foi preenchido (e bem) por Nel’Assassin, com um set perfeitamente curado e temperado ao máximo para agradar a uma sala preenchida de hip hop heads, e onde a antecipação era palpável. Após muitas invocações, o homem (ou o mito e a lenda) finalmente materializou-se em palco de uma forma tão smooth que se podia adivinhar como presságio para o concerto prestes a ser testemunhado… e os níveis de entusiasmo batiam aí todos os recordes.

Como quem entra numa festa a meio, pronto para ser o centro das atenções, The Damaja, com o seu chapéu de assinatura, agraciou o espaço com a sua presença, descontraído e a agarrar num copo de que se parecia com whiskey, preenchendo de imediato a zona com uma energia straight outta Brooklyn, ao reproduzir — com uma projeção de voz admirável — o cliché de qualquer host que se preze: “I can’t hear you”, repetido até obter o nível de resposta esperado. 

À medida que se ia ambientando e representando o melhor que sabe fazer, tirou o casaco e começou a apalpar terreno, instruindo a plateia com suas regras gerais para um bom concerto, entre as quais: ser obrigatório divertirem-se com ele, fazer o que ele mandava e lidar com os vários comentários sobre ir dar o seu melhor para impressionar as mulheres e roubar a namorada a irmão alheio — nada que não se esperasse do autor de “Da Bichez”. Em sintonia com o rapper, a plateia ansiava pelo próximo tema, enquanto lhe tentavam rodar a blunt; para desfeita de quem oferecia, The Damaja rejeitou, afirmando que não aceita drogas de quem não conhece. Sensato.



O mote era claro: “When I leave, you’re gonna say ‘Jeru The Damaja is the best in the universe'”. Determinado a comprovar essa afirmação, prosseguiu com “Return of the Crooklyn Dodgers”, seguido de sons como “El Presidente” e “D. Original”, nunca diminuindo na sua presença que enchia a sala ainda antes das suas barras de OG

Com a plateia na palma da mão e a segurança de quem disso tinha a certeza, aproveitou o momento para esclarecer que se quisessem ouvir só as músicas podiam fazê-lo, mas se quisessem divertir-se com o “fun uncle at the Christmas party” estavam no sítio certo. E como um verdadeiro tio — já bem disposto com ajuda de uma ou outra bebida alcóolica — à mesa de Natal, também ele deu algumas lições de vida: “se não consegues rir-te de ti próprio, então fode-te. As pessoas vão sempre ficar ofendidas e julgar, por isso you do you, há sempre alguém que não vai gostar”: uma filosofia de vida à medida dos comentários proferidos durante todo o espectáculo.

Sem grande esforço, o MC continuou com “Brooklyn Took It” e “You Can’t Stop The Prophet”, relembrando que já lá vão 30 anos desde esta última faixa, um momento de consciência para quem ali se encontrava de  que estávamos perante a presença de uma verdadeira lenda do hip hop. Honrando o título e dando o exemplo de que hip hop real é mesmo isto — com apenas o rapper, o microfone e o DJ –, presenteou-nos com um momento a capella que suscitou a euforia do público, continuando incansavelmente de seguida a viajar por um repertório invejável: “Ain’t The Devil Happy”, “The Bullshit”, “So Raw” e “99.9 Percent” culminaram numa das mais aguardadas e conhecidas, a já mencionada “Da Bitchez”, arrancando um coro de meter inveja às maiores plateias lá fora.



Por esta altura já Jeru The Damaja ameaçava a despedida, mas, como o próprio disse, estava alcoolizado e gosta de atenção. Seguiu-se “Come Clean” — o seu “bebé”, por ter sido o single que catapultou a sua carreira a solo em 1993 –, “Me, Not The Paper”, a sua mais recente “If (If I Was)”, ”Ya Playin’ Yaself”, “The Crack”, “I’m the Man” e um momento de freestyle que terminou em mais um discurso, afirmando que não faz isto pela fama, mas sim pela glória. Representando a cultura ao máximo, relembrou também a importância dos quatro pilares do hip hop e acrescentou-lhe um novo, que, na sua opinião, considera ser a sua essência: style & rocking.

Antes de se despedir oficialmente, cantou ainda outra das mais famosas, “Me or the Papes”, e saiu do palco, mas, antes de abandonar a sala, cumpriu com a promessa de assinar todos os CDs e tirar fotos com os fãs. Há que louvar a pedalada de Jeru The Damaja, que, mesmo depois de largas décadas de carreira, continua com a frescura e entusiasmo de quem ainda vive os seus verdes anos. A maneira effortless como entrega — e se entrega — ao público com a personalidade que lhe é tão característica faz dos seus concertos um recreio completo para os maiores amantes da cultura, sem um único momento morto graças ao seu dom de interação com o público.

O que se testemunhou naquela noite no Estúdio Time Out ficou marcado como um daqueles momentos onde se sente no ar a verdadeira essência do hip hop; e na ausência do comparecimento de todos os pilares, o quinto que tanto defende, style & rocking, estava certamente presente.


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