Pontos-de-Vista

Rodrigo Brandão

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A história de um tema-homenagem feito entre Lisboa e Nova Iorque.

JB Horn Ou Chega De Saudade

Hoje meti o Pendular, álbum de estreia dos Mazarin, para dançar no gira discos da morada. Quando começou a faixa três, com a nossa parceria, “R.B. – j.b.”, o loopar do LP me embarcou espontaneamente num trem de pensamentos que desceu de imediato à Alameda da Memória. Foi-se desenhando à minha frente o dominó de eventos que culminou na canção que agora passava (passa! passará!) pelos speakers.

Vem comigo: em 31/07/2022, Rob Mazurek e sua Exploding Star Orchestra subiram ao palco do Jazz Em Agosto com a formação estelar do álbum Dimensional Stardust quase completa. Jaimie branch, 100% dinamite, à frente com ele. Quem viu, e ouviu, se impactou. Eu mesmo cá não estava, como atesta o texto de então para a jazz.pt, e confesso que por isso sofri. Sabia que se tratava de algo especial.

Uma semana depois, veio o convite do Rob pra me apresentar junto à banda em São Paulo, numa trinca de concertos abrindo o Sesc Jazz no mês de outubro daquele decisivo ano, do ponto de vista da política brasileira. Passadas 48 horas, Mazurek manda, por mensagem de texto, toda a formação escalada pra ocasião. Ao ler a lista, um sorriso se alargou na minha cara: dentre um verdadeiro quem é quem de estrelas em ascensão no cenário jazzístico, de James Brandon Lewis a Luke Stewart, se destacava o nome da trompetista nova-iorquina. 

Comentei com Guilherme Granado, que também tocou nos concertos, como fiquei contente com isso, e quando ela começou a interagir um pouquinho comigo nas redes sociais. Ele, que a conheceu pessoalmente quase no começo, rebateu dizendo apostar que nossas intensidades se conectariam sem perder uma batida. Força da natureza, ela vinha voando com sua série Fly Or Die. Até que, em 22 de agosto, tragicamente, cumpriu a própria profecia e se foi, como cometa que era.

O vazio produzido por uma amizade que quase aconteceu é idiossincrasia que só a caneta dá conta, e assim tratei de extrair a estranha tristeza do coração com cirurgia poética. Nem parei pra pensar em possível destino daquelas linhas. O ato em si se bastava, era caso de curativo.



Poucos dias depois, o mano Eduardo Morais (da Unha – Auxiliar Musical), apareceu pra saber se estava pronto pra concretizar o convite que me chegara através do próprio, no fim de junho, para fazer uma faixa junto aos Mazarin no debut deles. Apesar do apreço pelo som, ainda não tínhamos concordado, a Rainha Inspiração e eu, quanto ao assunto adequado às cores daquela melodia. Mas jurei que sim, mais botando fé do que mentindo, e mesmo logo a logística tornou-se o tópico da vez. O prazo para as gravações expirava antes d’eu voltar pra Portugal. Por conta dessa demanda, desenvolvi o plano de pôr voz na track no estúdio do meu irmão Scotty Hard, jedi do áudio, da produção e criação musical radicado no mesmo Brooklyn, NY, em que jamie viveu e morreu. Aí a ficha caiu. Eu entendi tudo que deveria fazer naquele caso. O tema tem o tom onírico por onde o poema passeia. 

Quando cheguei pra sessão, carregava comigo apenas o manuscrito da lírica, feito às pressas em um saco da loja de discos local Earwax, e muito amor no coração. Entregue depois ao caneta de ouro Rui Miguel Abreu, aqui convertido em nosso Bob Thiele luso-futurista, o texto acabou ocupando a capa do segundo single de Pendular, lançamento do label nascente Now Jazz Agora. Já o sentimento atolado no plexo foi todo destilado via verbo e voz. 

No comando da nave, Scotty finalizava a mistura de uma música do mítico trio De La Soul. Fazia sentido, afinal ele foi o engenheiro de som escolhido pra conduzir, com Prince Paul, produtor original da clássica trilogia inicial do grupo, todas as cirurgias sônicas necessárias pra fazer o precioso catálogo deles enfim presente nas plataformas digitais, ao dispor das novas gerações. O que também fazia sentido, apesar de ser surpresa pra mim, era a presença do monumental Maseo, DJ do De La desde o dia 0001, na sala. 

Mas o fato dele ficar assistindo quando eu fui pro microfone, e se levantar do sofá com os braços abertos pra me parabenizar, de modo efusivo, quando acabei na cabine, foi definitivamente fora da curva. O pivete que virou o zóio ao ver pela primeira vez o clipe de “Me Myself and I” num velho televisor em Osasco, anos luz antes, gritou orgulhoso dentro do meu peito! Como se fosse pouco, o vulgo Plug 3 parou pra perguntar sobre o assunto dos versos, elogiou o instrumental também, quis saber de quem era. Um gigante gentil, cujo nome há muito tempo está tatuado no panteão da melhor música do universo, não precisa passar pano pra ninguém! Mas fez questão de acrescentar sua chancela ao DNA da nossa singela homenagem. Isso não se paga, pra mim não tem preço. 

Agradeço de coração a cada agente dessa gira. E gosto de pensar que tudo que contei aqui está contido, encapsulado nos 05:24 minutos de duração da audição.

Pra sempre, jaimie branch. Pra sempre nos nossos corações, ouvidos e almas.


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