Nada, ou tudo, faria prever o que aconteceu no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, na noite de 16 de Dezembro.
Vinte minutos antes do espetáculo viam-se pequenos grupos de pessoas espalhados pelo átrio do auditório. O frio que se fazia sentir, provavelmente, retirava toda a vontade de sair de casa, apesar de ser um sábado. Entre conversas, nos corredores, gabavam-se o espetáculo do dia anterior, em Lisboa, dos Jazzanova e a qualidade acústica da sala em que estávamos prestes a entrar.
Já lá dentro, pelas 21h33, Amir Abdullah, DJ e curador da 180 Proof Records, ao microfone, chamava as quatro dezenas de pessoas presentes para se chegarem à frente, junto da boca de palco, para que se dançasse e mais bonito ficasse nas luzes. Quatro minutos depois, já tínhamos o coletivo instrumentista dos Jazzanova em plena ação, abrindo com “Tune for L.N.”, que progressivamente crescia em palco.
Seriam 21h42 e Sean Haefeli, voz principal dos Jazzanova, faz sentir a sua presença com as primeiras palavras musicadas de “Creative Musicians”. Percebemos que estamos perante uma encantadora, elegante, precisa voz de jazz. E no ritmo animado quase clássico do meio, Florian Menzel, trompetista, esmerou um momento que elevou o público ao primeiro estado de entusiasmo. Aqui, o auditório, antes quase vazio, estava bem preenchido.
“Face At My Window” preenche cerca de seis minutos de acomodação e adaptação ao que estávamos a ouvir. O ambiente da sala é azul e detrás do seu vermelho piano, Christoph Adams delicia-nos com uma mágica intervenção, altura em que me surge a ideia, pleonástica, de que é por isto que estamos a ver os Jazzanova e não outra coisa qualquer, e é nesta hipnose que a música termina, num downtempo que nos deixa atrapalhados da falta de hábito a estas proezas.
A bateria de Jan Burkamp e a flauta transversal de Sebastian Borkowski iniciam a quinta viagem da noite, “Morning Scapes” do álbum Of All The Things, num suave navegar onde toda uma banda explica a orgânica coesão de cada átomo de segundo. Nesta música, Florian Menzel, traz-nos os sons do fliscorne, sublinhando a sua qualidade até aqui de quase timoneiro do concerto.
Por volta das dez da noite temos as primeiras palavras dirigidas ao público por Sean Heafeli, que apraz o clima que se faz sentir no país e no público, dando espaço à primeira entrada embalada do contrabaixo de Paul Kleber. Christoph Benedit, guitarrista, inicia o próximo instrumental do trabalho que a banda veio apresentar a Portugal, Strata Records – The Sound Of Detroit – Reimagined By Jazzanova. Já no seu habitual baixo eléctrico, Paul Kleber provoca o trio de metais a uma animada conversa musical, colaterando, por toda a sala, uma tensão que dá vontade de saltar das cadeiras para dançar.
“Mwela, Mwela (Here I am)” continua a elevar o entusiasmo do público, tanto para dançar, como para se expressar em efusivos aplausos e berros em trecho de primorosa e apaixonada execução. A electónica de Stefan Ulrich prolonga as prestações nos metais em camadas de delay de um bom gosto prestigiante e tremendamente fácil de estragar pelo exagero. Sossegue-se o espírito, pois aqui é de elegância que se escreve, que eleva o spmatório de aplausos e entusiasmo de quem preenche a casa e não se coíbe em acompanhar o ritmo da música. É no meio de um groove tão dançável que Sebastian Borkowski se desloca à plateia para apreciar a qualidade acústica do Grande Auditório.
O piano e a bateria insistem no ritmo de um “Saturday Night Special” prolongando esta alegre cadência instrumental para cairmos na síncrona prestação da voz e trompete num casamento abençoado pelos Deuses da música. No trecho “Beyond The Dream”, confessou-nos Sean Heafeli, que enquanto escutava os instrumentais lá atrás, nos bastidores, pensava na banda como um bando de meninos grandes… E no sonho que era fazer tours pelo mundo, ver as paisagens, a sua energia e integrá-las em suas vidas.
Off All The Things volta a palco com um ritmo imposto pelo bombo e o piano em “I Can See”. A versatilidade da voz de Sean seduz uma plateia que, admiravelmente, ainda se mantém sentada, apenas por notas de civismo, “que num espetáculo com cadeiras não se deve dançar.”
“Another New Day” chegar-nos-ia como um paliativo à euforia, ou uma provocação da banda, com uma batida a fazer lembrar a de Manchester, e um soberbo momento, mais um, de coesão e festa. É a segunda tarola de Burkamp que dá a profundidade rítmica da toada que se exige. “Now There Is We” é alegria no Grande Auditório, tanta.
São 22h43, Sean anuncia a última prestação da noite, não sem antes apresentar a banda. Era o espanto de já ser o fim (mas não) e a alegria de ali estar, que a cada instante a sala tremia de entusiasmo e aplausos. Esta apresentação termina em Stefan Ulrich. Este pede dois minutos para prestarmos, com ele, o nosso amor por Stefan Leisering, ausente por doença nesta tour. É no núcleo de emoções que apresenta o elemento que falta que a voz principal, Sean Haefeli, convida o público para dançar de pé ao som de “Heatwave”, o qual este não se fez rogado e quase na sua a totalidade aproveitou a deixa para dar largas a tanta tensão acumulada e dando espaço ao solo de Paul Kleber, que usava pela segunda e última vez o contrabaixo.
Chegava o fim.
Amir entra em cena notoriamente feliz e provoca o público para que chame os músicos a regressar a palco. Foi um quase nada, pois ainda levantava os braços para que mais se fizessem ouvir os aplausos e já os primeiros músicos do coletivo se dirigiam a seus postos.
Se já antes me tinha parecido reconhecer a batida de Manchester, a entrada da banda depois do encore assim é marcada, com “Boom Clicky Boom Klack” a colocar nesse momento todo o Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor, em “ponto de rebuçado”, como diria um mestre confeiteiro de uma iguaria musical. O baixo impunha um doce comungar rítmico com a bateria em “No Use” e “Joy Road” descansava os últimos 15 minutos de prestação dos Jazzanova com a apresentação de Strata Records – The Sound Of Detroit – Reimagined By Jazzanova.
Daqui retirava-se uma sala feliz e de alma cheia. No átrio, os sorrisos cruzavam-se entre elogios à curadoria da grande noite que Guimarães, e com certeza Lisboa e Porto, receberam nesse fim-de-semana.