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Fotografia: CM Barcelos
Publicado a: 14/09/2025

Uma tarde de guitarra atmosférica para um trio em chuviscos à noite.

Jazz ao Largo’25 — dia 3: entre a expansão e a resiliência

Fotografia: CM Barcelos
Publicado a: 14/09/2025

A música e o tempo, o seu e o que nos cabe viver. Como um dia tem várias caras e como tudo cabe na função de um programa diverso a meio do festival de jazz e música improvisada em Barcelos — o Jazz ao Largo. Este dia de sábado fez-se entre dois espaços no mesmo quarteirão da cidade. À tarde, a sombra conquistada às arcadas do Claustro da Câmara Municipal de Barcelos; e à noite de volta ao Largo Dr. Martins Lima. À tarde, o guitarrista norueguês Eivind Aarset, de volta ao festival depois da passagem no ciclo de 2019, em que esteve integrado no quarteto do saxofonista Andy Sheppard. À noite, uma estreia absoluta, no festival e no país, o trio do pianista inglês Neil Cowley. À tarde, sol de final de verão, em despedida; à noite chuviscos imprevistos de um prenúncio de Outono. Um tempo em contraste e a música faz-lhe o jeito.

Uma oportunidade rara de assistir a acção feiticeira a solo de um mago de guitarra e pedais entre uma vasta plateia e balcão. Eivind Aarset é um músico com amplíssima colaboração entre nomes destacados, de Jon Hassell e Jan Garbarek a Tigran Hamasyan, Vladislav Delay ou Bill Laswell. Entre o muito trabalho editado, foi a solo com Électronique Noire que se sobrelevou no campo sónico e atmosférico desde uma guitarra eléctrica. Tem igualmente no seu quarteto uma inscrição a escutar de perto com o mais recente Phantasmagoria, or A Different Kind of Journey. Aarset traz consigo uma guitarra cujas marcas parecem acumular toda um vida de viagens exploratórias na madeira. Ouvem-se sons directos só no olhar do desgaste. Uma guitarra com dupla saída de cabos e que permite que toque em estéreo desde a fonte partindo de dois amplificadores. Mas a viagem que vai proporcionando ao espaço tem imediato percurso entre os circuitos de processamento sonoro através de pedais. Constrói loops que lhe permitem adicionar camadas com o decurso do tempo, que se toma mais lento e de observância, perante a paisagem imediata ou até bem mais para tantas outras imaginadas ao sabor da atmosfera sonora desenvolvida. Talvez seja induzido até muito pelas suas origens geográficas, mas há uma transcrição da vasta paisagem escandinava e de um Outono que se avizinha chuvoso. Isto no lugar onde perduraram os raios saborosos do Verão que está de saída. Para o quase final, uma peça que apresentou como abordagem inspirada no guitarrista Peter Green, dos Fleetwood Mac. Soube à madurez dos finais de dias onde as noite são já feitas de outra natureza. Ainda que sem saber estava feita a ponte para mais tarde.



A noite trouxe de volta as luzes ao palco montado no Largo, à disposição da música e do tempo. E o tempo foi de princípios de chuva, começava a morrinhar… À entrada em acção do britânico Neil Cowley no piano, do australiano Rex Horan no contrabaixo, e do neozelandês Evan Jenkins na bateria, parecia inevitável uma conjugação de jazz e chuviscos. Ainda a celebrarem em alinhamento o último registo, Entity, com quebraram um hiato de vários anos nos discos, talvez tantos como a ideia de entrarem para o elenco de formações do festival. Foi por fim este ano a estreia e à chuva — há em adágio popular um bom augúrio nessa conjugação. “Viemos de Inglaterra e parece que trouxemos o tempo britânico connosco”, assim se dirigiu Cowley à plateia, que aceitou a proposta que se ia implantando com princípio (de chuva), meio e até ao fim. O jazz escorreito e energético do trio funciona como balanço e equilibra a inusitada combinação. Temas em formato canção, numa fórmula que resulta em entusiasmo, e prova disso é a resiliência perante esta plateia que vai absorvendo chuviscos a par de melodias com jeitos pop-rock. Num alinhamento suportado com alternância de temas vibrantes de ritmos que sacodem os pingos, como “The Sharks of Competition”, para melodias introspectivas para enxugar o que escorre, como “V&A” e “Entity”. Foi sábia e muito resiliente a prestação do trio que obteve um estímulo suplementar. Formando-se como que uma entidade entre forças conjugadas por quem esteve para ouvir e quem tocou. Molhados por fora mas de alma enxuta.


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