Ontem arrancou na belíssima cidade de Barcelos a edição 2024 do Jazz ao Largo, evento gratuito que leva música (sobretudo) ao Largo Dr. Martins Lima. Para o arranque, Pedro Oliveira orquestrou um encontro especial, com “elenco” extraído de experiência acumulada nas oito edições anteriores do festival. Da Islândia chamou o guitarrista Ómar Gudjonsson e ao Reino Unido foi buscar o baixista Jim Barr e o baterista Matt Brown.
São todos músicos com vasta experiência em diferentes contextos. Gudjonsson integra o colectivo ADHD, já descrito com a acertada expressão “destruidor de géneros”; Barr é espinha dorsal dos Get The Blessing (que vimos muito recentemente na Guarda) e já tocou ao vivo com Portishead e vários outros projectos da área de Bristol; e quanto a Brown, outro bristoliano de gema, auto-descrito como baterista de jazz, kraut, rock e cenas experimentais, é nome com créditos em projectos como Run Logan Run, Ephemerals ou Postdata, entre vários outros. Ou seja, um trio improvável, uma mini-torre de Babel que, em teoria, pelo menos, poderia não ser tão comunicante quanto isso. Mas uma mini-residência criativa no Theatro Gil Vicente, uns dias antes da abertura do Jazz ao Largo, permitiu estabelecer pontes, encontrar uma linguagem comum e afinar a entusiasmante apresentação que ontem teve lugar.
Podemos descrever o trio de Barr/Brown/Gudjonsson, como foi designado no programa oficial, como uma jam band. Mas uma jam band calculadamente gizada, que soa como o resultado possível de um encontro entre Ry Cooder, John Waddington dos Pop Group e, vá lá, Ginger Baker dos Cream. Percebe-se que os dois ou três dias que a banda passou a trabalhar antes do concerto foram gastos, sobretudo, a definir pontos de partida, mas o concerto viveu muito da capacidade de improviso apoiada na considerável experiência individual de cada um dos músicos.
Ómar Gudjonsson possui um léxico vasto, na slide guitar e na Stratocaster, percebendo-se bem o seu “fundo” hippie nos assomos acid rock do seu guitarrismo, mas também uma fluidez jazzy e uma riqueza textural, sobretudo na slide, que remete para a vasta paisagem (musical) americana. Jim Barr, por outro lado, é todo nervo angular, um baixista que aprendeu no pós-punk e solidificou um discurso próprio, contido, mas expressivo, como bem demonstrou nos seus fluídos solos que demonstraram que escreve direito por linhas poucas. E Matt Brown é uma fundação granítica, inventivo no uso de dupla tarola, capaz de buscar invulgares sonoridades através do uso de diferentes baquetes ou tecidos com que abafou as peles. Tudo junto foi causa de frequentes faíscas (elogio), capazes de incendiar o entusiasmo do público. Escutou-se, portanto, um jazz-rock sem pruridos, lúdico no sentido em que se percebeu que os músicos estavam, antes de mais nada, a divertir-se, e essa energia foi definitivamente captada pelo público que lotou a plateia disposta no Largo (havia também largas dezenas de pessoas em pé). É certo que isso é coisa normal em eventos gratuitos, mas menos normal é que o público que busca esse tipo de espectáculos fique irredutivelmente até ao final, sem arredar pé, quando a música que lhes é oferecida é absolutamente desconhecida. Supõe-se, portanto, que ao fim de nove edições, o Jazz ao Largo já tenha formado um público próprio, o que é recompensa merecida para o lado mais aventureiro da sua programação.
Para hoje, espera-se mais acção intensa com a apresentação de Jim Black & The Schrimps, também no Largo Dr. Martins Lima, pelas 22 horas.