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Fotografia: Clay Patrick McBride
Publicado a: 29/12/2023

O músico presta uma homenagem a James Reese Europe no seu mais recente disco em nome próprio.

Jason Moran: “Aqui estamos nós, em 2023, ainda a pensar no que é a liberdade…”

Fotografia: Clay Patrick McBride
Publicado a: 29/12/2023

Pensar que, com 2023 quase a chegar ao fim, ainda podemos estar a descobrir importantes pioneiros da música negra americana e a conhecer o alcance do seu trabalho é algo absurdo. Alguém nos vendeu a ideia de que na era da informação já não há segredos bem guardados, mas eis que o pianista Jason Moran nos ofereceu From the Dancehall to the Battlefield, uma profunda homenagem a um pioneiro que teve uma vida tão extraordinária que poderia ter inspirado uma dúzia de filmes. Só que nunca o vimos ser celebrado nos grandes ecrãs ou sequer na Netflix. Ou melhor, ainda não — e isso pode mudar mais cedo do que pensamos.

James Reese Europe foi um corajoso pioneiro da música afro-americana que, no início do século XX, não só fundou uma organização que valorizava os músicos negros — o Clef Club, uma espécie de sindicato — como os levou a uma atuação triunfante no Carnegie Hall, em 1912, anunciada como um Concerto de Música Negra, um momento que a história registou para o futuro. Pouco tempo depois, James Reese Europe embarcou para França para combater na Primeira Guerra Mundial com o 369º de Infantaria, um regimento conhecido como os Harlem Hellfighters. Quando regressaram como heróis, estes soldados até foram autorizados a desfilar na nova-iorquina Quinta Avenida. A tragédia viria alguns meses após o regresso triunfante da Europa, na noite de 9 de Maio de 1919, quando, durante o intervalo de uma atuação em Boston, uma discussão com um dos seus músicos, o baterista Herbert Wright, resultou numa facada no pescoço que inicialmente se pensou ser superficial, mas que acabaria por causar a sua morte. 

Mais de 100 anos depois, Jason Moran quer voltar a contar a história de James Reese Europe, depois de a ter recebido das mãos de um amigo e mentor. O álbum em que nos revela a grande música que Europe deixou, From the Dancehall to the Battlefield, uma produção completamente independente custeada pelo próprio Jason Moran e editada na sua Yes Records, é, sem margens para dúvidas, um dos grandes registos do ano que está prestes a terminar.



Podemos começar por voltar ao momento em que Randy Weston lhe falou pela primeira vez de James Reese Europe? Se não estou enganado, o Sr. Weston tinha cerca de 80 anos quando esse momento ocorreu. Parece que ele estava a passar um testemunho para que o carregasse… e aqui estamos nós agora…

Conheci Randy Weston durante a celebração do 100º aniversário de Duke Ellington, em 1999. Foi um concerto aqui no Harlem para seis pianistas tocarem a música de Duke Ellington. Os pianistas eram: Geri Allen, Andrew Hill, Muhal Richard Abrams, John Hicks, Randy Weston e eu era o sexto pianista. Na altura, eu contava apenas 24 anos, era muito jovem. Lembro-me de ter tocado no mesmo piano que o Randy Weston… Sabe, sou aluno de Jaki Byard e estava a tocar como se estivesse realmente a ver como essa história vive nas minhas mãos. Conhecemo-nos e ele disse: “Tu sabes tocar stride!” Depois deu-me um grande abraço só por essa razão. A partir daí, começámos uma relação, conversávamos especialmente sobre a importância da música negra e o Randy falava sempre disso nos seus concertos, de como África é a Mãe da Terra e que a música que tocamos emana realmente do ritmo que vem desse solo. E esse momento que mencionou — e devo dizer que não tinha pensado nisso como esse tipo de transmissão até talvez à semana passada, quando as pessoas começaram a mencioná-lo para mim, como acabou de dizer, “talvez ele estivesse a transmitir-lhe alguma coisa” — aconteceu porque ele estava sempre disposto a fazer esse tipo de gesto, tanto para outros músicos como para o seu próprio público. Mas esse dia foi diferente para mim porque foi um dia muito longo: estávamos em casa dele, sentados no apartamento ao nível do jardim e ele começou a falar dessa história. E a forma como falou sobre isso foi talvez o que mais me intrigou. O tipo de linguagem e o tipo de cuidado que expressou fez-me pensar: “Raios, de quem é que ele está a falar?” [risos]. Ele estava a falar de James Reese Europe (JRE) e não soava igual quando falava de Thelonious Monk, nem sequer se entusiasmava como quando falava de estar em Marrocos, sabe? Isto era diferente. Ele disse: “Se te interessas por esta música, tens de conhecer este tipo”. E sim, anos mais tarde, apercebi-me que era um ramo que ele me estava a entregar.

Sabe, acabei de descobrir o James Reese Europe através do seu disco e, ao ler sobre ele, uma das coisas que me impressionou imediatamente foi: como é que a vida dele ainda não inspirou uma grande longa-metragem? Tem tudo: génio, bravura, invenção, grande música, tragédia… Quer dizer, até há um regimento chamado The Harlem Hellfighters. Isso já é um título…

[Risos] Sim, de certeza. E devo dizer que nos últimos anos tenho lido alguns guiões de pessoas que querem fazer um filme desses, por isso talvez um dia aconteça. E sei que há atualmente dois documentários sobre James Reese Europe nas últimas fases de produção. E há um terceiro que está a chegar e do qual ouvi falar ontem. Por isso, está a acontecer alguma coisa com essa história, o que acho que é bom. Fico sempre um pouco nervoso com este tipo de filmes, mas penso que o que temos de compreender é a dimensão da sua bravura. E o fim da sua vida, desde a celebração com a banda a regressar a casa depois da guerra e a fazer uma digressão, até ao seu assassinato no intervalo de um concerto em Boston, é trágico, mas ele andava a brincar com esta sensação de perigo – que sempre esteve presente na sua música. Isso tornou-se evidente quando os seus pais se mudaram do Alabama para Washington D.C., o que não era algo fácil de fazer naquela altura. Portanto, ele nasceu numa linhagem que dá o salto, que dá o empurrão e vive uma vida extraordinária que deixa um legado.

Esse perigo que menciona fazia parte da experiência afro-americana nessa altura da história, compreendo-o, mas não deixa de ser espantoso que alguém que tinha de enfrentar esses perigos em casa tenha escolhido ir lutar numa guerra distante que não era a sua… Foi um sinal de extrema coragem.

Penso que, na altura, os pensadores negros se perguntavam, especialmente no Harlem, “o que devemos fazer com esta liberdade recém-descoberta que nos foi ‘dada’ depois de termos sido escravizados durante séculos?” No final do século XIX, há uma proclamação de emancipação que diz que a escravatura é ilegal e que os negros são livres, por isso, esperem, “o que é que fazemos?”. Ele vem depois disso, algumas gerações mais tarde. Mas aqui estamos nós, em 2023, ainda a pensar no que é a liberdade… Mas ele só está a olhar para o limite, por isso traz todos estes músicos para o Carnegie Hall no início do século XX, um compositor famoso que escreve música de dança e está à procura de algo mais perigoso para explorar, e é para esse campo de batalha que ele quer ir. Mas penso que ele nem sequer se apercebe do que lhe está prestes a acontecer, porque, segundo a história, ele alistou-se para lutar na guerra, mas não planeava ser líder de uma banda na guerra. Ele queria provar o seu valor. Mas quando os grandes chefes souberam que ele estava a alistar-se, disseram: “Oh, ele é o James Reese Europe, ele devia liderar uma banda!”. E ele pediu uma quantia extraordinária de dinheiro para liderar uma banda, que eles rapidamente lhe deram. Ele formou aí o que eu acho que é o modelo para o que a música de big band se tornaria alguns anos mais tarde. Ele diz: “É assim que esta música pode soar quando a tocamos, com estas trompas e estes metais, estes sopros, estes tambores”. E depois leva isso para uma guerra e decide não só lutar nessa guerra, mas também fazer música nessa guerra, escrever música sobre a guerra e trazer tudo isso de volta para a América e contar as histórias derivadas dessa experiência. Para mim, é aquilo a que chamo um dos primeiros momentos de abstração, ou seja, não saber o que pode acontecer a seguir.

James Reese Europe estava a criar música num momento da história em que a ideia de jazz, tal como a entendemos agora, ainda não tinha sido concretizada. Mas a sua música foi determinante para o que veio a seguir. Quais são, na sua opinião, as qualidades da sua música que sobreviveram às décadas e ultrapassaram a própria história?

Uma das coisas que ele faz é inovar na forma de sentir a síncope. Eu entendo a síncope como a forma de fazer com que uma batida simples e consistente de repente tenha muita antecipação [canta um exemplo]. Ele inova isso e insere-o não só nos instrumentos, mas também no próprio ritmo. Ele foi capaz de pegar em canções que vivem no cânone popular e acrescentar-lhes toda esta sincopação e faz com que pareça que é um outro mundo. Tentam acrescentar tensão a essas canções apenas através do ritmo. E o ritmo torna-se a coisa que nos empurra para o Renascimento do Harlem e diretamente para Duke Ellington, que herda tudo o que James Reese Europe faz. Há até uma bela fotografia de Duke Ellington junto à campa de James Reese Europe. Já vimos imensas fotografias de Duke Ellington deslumbrante, a ser o seu “eu” profissional, mas nunca vimos uma fotografia de Duke Ellington de luto, junto à campa, em 1932, numa altura em que era tão famoso. É algo de uma extrema modéstia. Por isso, penso que tudo o que ouvimos na música de grande orquestra, todos aqueles instrumentos juntos, vem diretamente dele, da forma como manipulou a banda militar para algo que se tornou a base do que é a música de big bands. A segunda coisa que ele deixa na música é o nível de activismo que está dentro das canções. Max Roach herda este tipo de activismo com a sua noção de Black Music. Nina Simone e Abbey Lincoln também herdam isso. Porque James Reese Europe preocupa-se com a cultura em que vive, preocupa-se com a igualdade e a liberdade na sociedade em que vive, em que vive a sua mãe. E o Clef Club, essa organização em que actua com outros grandes músicos, torna-se o emblema de como se cuida de uma comunidade de artistas e famílias, de bairros e, portanto, de uma cidade.

Também deve ter sido significativo que Europe tenha pegado num instrumento tão ligado à tradição clássica europeia como o violino e o tenha utilizado para criar um novo tipo de linguagem musical… Pode chamar-se-lhe o big bang que ajudou a criar um novo universo…

E é. A grande vantagem do violino é que, na sua essência, é uma cabaça com uma corda. Este recipiente vazio com uma corda que pode ressoar também está presente em todo o mundo, em diferentes configurações. E a pessoa que primeiro revoluciona a forma como o violino vive na América para os negros é Frederick Douglass, um dos grandes emancipadores, um grande escritor, um historiador que se liberta da escravatura, escreve a sua própria história e torna-se um dos ícones que nos conduzem a uma nova era. Aprendeu a tocar violino e ensinou o seu filho a tocar violino, e depois esse filho ensinou o seu filho a tocar violino, e esse filho, Joseph, ensinou James Reese Europe a tocar violino. Para mim, é importante saber que esta é uma linhagem, que coloca a música no início da liberdade dos negros. E o violino é um instrumento que se pode levar para o campo, como a guitarra, o banjo. Assim, todos estes instrumentos de cordas de todo o mundo tornam-se os objectos de que brotam as músicas folclóricas. E o tambor, a flauta. Quando Europe conheceu esta banda do 369º de Infantaria, pensou: “Oh, meu Deus, todas estas cornetas!” [Risos] Porque eles não vão levar o violino para o campo de batalha, têm de levar estes instrumentos que podem atravessar as trincheiras, o clima, os bombardeamentos, sobreviver tudo e serem ouvidos.

Antes de gravar este disco, fez o espetáculo multimédia The Absence of Ruin em 2018. Não vi o espetáculo, mas só de ver algumas imagens na Internet, fico com a sensação de que o palco parece um portal, uma máquina do tempo, que nos permite contactar com esta figura importante do passado. De certa forma, James Reese Europe parece vivo naquele grande ecrã…

Era um espetáculo de pouco mais de uma hora, acompanhado por um filme de um diretor de fotografia chamado Bradford Young, um grande amigo meu que fez muitos filmes fantásticos. O Bradford estava a fazer um filme mudo sobre a forma como colocamos marcos para assinalar eventos ou para celebrar pessoas. E, por vezes, o filme mostra um vazio negro sem nada lá dentro e é assim que eu sinto que James Reese Europe é recordado, porque não há placas para ele ou não há o suficiente tendo em conta o que ele ofereceu ao país e ao mundo. Por isso, temos de reconhecer que existe uma ausência. Mas também temos de reconhecer que ele deixou um belo legado. Achei que seria interessante não só olhar para imagens históricas de James Reese Europe ou da sua banda — e não há muitas — mas também seria importante imaginar onde é que ele vive hoje e, por isso, vemos imagens da Brooklyn moderna, em Nova Iorque. Uma das sequências de imagens passa-se numa das primeiras povoações de negros livres em Brooklyn, chamada Weeksville, porque achei que era importante mostrar onde existe a liberdade dos negros, era importante colocar essa paisagem nesse tipo de pensamento ao lado do som e da música de James Reese Europe. Quer dizer, da música de Europe tal como a tocamos [risos], porque não a tocamos como James Reese Europe a tocava.

Neste álbum, você está creditado como produtor e acho que a palavra tem aí o mesmo peso que tinha nos velhos tempos de Creed Taylor: ele chamava os músicos, dava-lhes os arranjos, reservava o estúdio, etc. Foi esse o caso? Assumiu um novo papel para este disco que não tinha assumido antes?

Depois de 18 anos com a Blue Note separámo-nos e comecei a fazer discos sozinho, através da Yes Records, uma editora que eu e a minha mulher criámos. Colocamos tudo no Bandcamp e mantemos tudo muito próximo de nós e assim consigo ver qual é o verdadeiro mercado e quais são os números sem… mentiras [risos]. Este é provavelmente o disco mais caro que já fiz, mas tenho sido inflexível: este é um disco que eu precisava de fazer. E precisava de o ter. Porque senti que era esse o objetivo de James Reese Europe: preservar a nossa cultura e re-apropriarmo-nos dela. A minha manager, Louise Holland, é a pessoa que galvaniza todas as pessoas e as reúne num só lugar. E eu estou a reservar o estúdio, certificando-me de que toda a gente está lá, que toda a gente aprende o que precisa de aprender para tocar esta música, mas também me certifico de que toda a gente pode ser livre na música. E, no final, acho que temos um produto que mostra essencialmente a forma como abordamos a música e espero que isso funcione como um pivot para que outros entrem na música e tentem tocá-la também. Uma das coisas que propus ao meu manager é que eu não faça necessariamente uma digressão com esta banda, mas que possa ir a Portugal, Espanha, França ou Finlândia e tocar com músicos de lá. O que é um bocado difícil [risos]. Mas é uma forma de garantir que a banda possa começar a viver na mente de outras pessoas. 

Pode falar-me da banda que montou para From the Dancehall to the Battlefield? Para além da sua secção rítmica de confiança, tem muitas pessoas a tocar…

Claro. Cada uma delas tem a sua própria história. Claro que The Bandwagon é sempre essencial, por isso o Tarus [Mateen] e o Nasheet [Waits] são os meus irmãos com quem entro em tudo. Portanto, temos esse núcleo, em termos de secção rítmica. Para os sopros, quis usar algumas pessoas que conheço, mas também outras com quem ainda não tinha gravado. Dois jovens músicos são David Adewumi, que toca trompete, e Chris Bates, que toca trombone. Estes dois conheço-os desde que eram estudantes: David estava no Conservatório de Nova Inglaterra e Chris Bates conheci-o na residência Betty Carter Jazz Ahead que dirigi no Kennedy Center, e pensei neles: “Estes miúdos são loucos” [risos]. Dois outros músicos são de Washington D.C.: Brian Settles, um saxofonista tenor espantoso que aparece na canção “Flee as a Bird”; e depois há Reginald Cyntje, outro trombonista que é um músico de metais essencial em D.C., e educador e ativista também; depois temos Darryl Harper a tocar clarinete, um historiador e músico espantoso que conheci através da sua mulher, Sonya Clark; Logan Richardson toca saxofone alto — tocamos juntos há algum tempo, mas raramente temos oportunidade de gravar juntos — e ele é realmente uma nova chave para o seu instrumento, muitos saxofonistas alto assumiram o seu som, por isso é ótimo tê-lo connosco; e, por último, temos o Jose Davilla, que é o grande músico dos graves, tocando tuba e um instrumento de metal vintage da Primeira Guerra Mundial — a maior parte das pessoas conhece o Jose por ter tratado dos graves do Henry Threadgill. Esta é a banda, somos uma unidade pequena, mas somos poderosos.

A vossa escolha de repertório é também muito interessante: para além das criações de James Reese Europe, escolhem também material de W.C. Handy e fazem exercícios incríveis de ligação entre diferentes épocas, inserindo peças de Geri Allen ou Albert Ayler no quadro que estão a pintar. Isso aconteceu naturalmente, com a própria música a sugerir esses saltos no tempo, ou foi mais deliberado, para criar novos fluxos históricos?

É importante para mim não segmentar a história neste século, aquele século, mas sim misturar as décadas e os séculos. A Geri Allen era… Quer dizer, ela é a minha grande mentora e olhava para a história como algo fluido, em que as eras se cruzam umas com as outras. Ela não encontrava divisões no piano e há qualquer coisa na canção de James Reese Europe chamada “Ballin The Jack” e na “Feed The Fire” da Geri Allen que eu achava que vivia no mesmo tipo de espaço de criação de melodias. E há uma coisa que os The Bandwagon fazem: conseguimos sempre entrar e sair das canções com muita facilidade, essa parte é natural para nós, para ligar ou semear ideias de canções. A canção de Albert Ayler é mais intencional porque se trata da relação do próprio Ayler com as forças armadas e ele estava ciente do legado de James Reese Europe porque também interpretou a sua própria versão do hino nacional francês. Uma das histórias sobre Europe é que, quando chegou à costa de França para combater na guerra, tocou aquilo a que hoje poderíamos chamar uma versão remix do hino nacional francês, “La Marseillaise”. E o público ouvia-a e achava-a familiar, mas dizia: “O que é isto?”. E depois reconheciam-na e perdiam a cabeça. 50 anos mais tarde, Ayler estava a fazer uma coisa muito parecida e a sua relação com os hinos, o lado espiritual e a escrita de canções como “Spiritual Unity” ou “Ghosts” fazem dele a combinação perfeita com algum do material que Reese Europe e a sua banda tocaram.

O que me tocou depois de ouvir o álbum várias vezes é o quão moderna esta música soa, o quanto soa ao presente…

Há algo sobre a natureza cíclica da arte que merece uma tese própria. Isso às vezes também acontece com o estilo, o calão, a comida… E a forma como James Reese Europe usou essa síncope, uma coisa que herdámos e utilizamos como ferramenta — esses ritmos ainda soam muito actuais. Lembro-me de quando o D’Angelo lançou o seu último disco, Black Messiah, e há lá uma canção, não me lembro do título [“Sugar Daddy”], que parece uma canção pós-ragtime dos anos 20 [risos]. A cultura popular já se apropriou o suficiente deste som e desta música para não a acharmos estranha quando a escutamos no presente.

Gostaria de falar um pouco sobre o facto de um projeto tão grande ser um exclusivo do Bandcamp. Porque é que escolheram esta plataforma? Certamente que qualquer uma das grandes editoras com quem trabalhou no passado estaria aberta a um projeto tão ambicioso e criativo como este…

A razão pela qual adoro o Bandcamp é exatamente porque devolvem os direitos ao artista: o artista tem total liberdade — pode transmitir todas as canções, cobrar um dólar pelo disco ou cobrar 50 dólares. A questão é que o artista tem a liberdade de fixar o preço ou oferecer a sua música como quiser e nós damos-lhe 80 por cento do dinheiro que entra. Isto é muito simples. Mas muitos dos outros serviços de música são muito mais complicados. Por isso, depois de deixar a Blue Note, quis ter toda a minha música num só sítio e também quis que o público soubesse que o respeito que tenho por todo o trabalho que veio antes de mim é o de a oferecer no topo. No passado, vi músicos a falarem sobre serem donos da sua própria música, do seu próprio cânone, por isso é uma atitude deliberada que estou a tomar. Haverá uma versão em CD e também, no final do ano, um LP duplo numa edição pequena.


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