LP / CD / Digital

james k

Friend

AD 93 / 2025

Texto de Filipe Costa

Publicado a: 22/09/2025

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No laboratório de Jamie Krasner testam-se fórmulas mutáveis que desafiam as convenções da pop, expandindo-a para territórios de incerteza e emoção contida. Não surpreende, portanto, que a cantora e compositora nova-iorquina cite os eventos-performance da GHE20G0TH1K do início da década anterior como uma referência determinante para a sua forma livre e destemida de pensar a composição pop. Desse núcleo de festas subterrâneas, que agitava os alicerces do clubbing nova-iorquino, emergiram figuras marginais da produção contemporânea como Total Freedom, Nguzunguzu e LSDXOXO, protagonistas de uma pequena revolução que viria a alterar, de forma irreversível, a história do clubbing, subtraindo-lhe os contornos mais rígidos e formais. Ainda assim, Krasner — que assina artisticamente como james K — sentia que lhe faltava algo: a imersão física e total do clube enquanto espaço de escuta radical. Foi então que Berlim se impôs como destino inevitável. Entre 2013 e 2017, a artista mudou-se para a capital alemã, absorvendo daquela vasta paisagem sonora a sua energia inesgotável, movida pelo ritmo incessante de uma das capitais mundiais do techno.

PET, o álbum de estreia de james K, é devedor desse pulso industrial alimentado a 303, mas reveste-o do mesmo cetim que cobria os missais góticos dos Cocteau Twins nos anos 80. Depois de um hiato discográfico de 5 anos (com paragem em alguns compêndios memoráveis), o EP 036, de 2021, serviu de prelúdio para o mais experimental Random Girl, lançado no ano seguinte pela Incienso de Anthony Naples. Em entrevista à Crack, Krasner admitia a intenção de conceber um produto que se inserisse nos domínios da pop, mas as suas habilidades revelavam-se insuficientes para alcançar resultados mais refinados, imbuídos do fulgor imediato que essa música plástica exige. Friend, o seu novo álbum, é por isso um trabalho mais colaborativo, fruto da cumplicidade que Krasner cultivou ao longo dos anos com vários pares espirituais. Essas colaborações (com Ben Bondy, Special Guest DJ e Project Pablo, alguns dos nomes creditados) abriram-lhe novos caminhos e possibilidades, aproximando a sua música de uma pop mais luminosa e livre de pretensiosismos, embora revestida de uma patine tipicamente Y2K. 

Trata-se também do trabalho mais íntimo e confessional da artista até à data, abrindo uma janela para fora do seu mundo interior sem abdicar da densidade emocional que carrega lá dentro. O dilema reside agora em canalizar essa multiplicidade de emoções através de uma linguagem plural e sincrética, sem hierarquias evidentes. Não se contentando com uma rota segura, prescruta com propriedade sobre fragmentos de pop translúcida (“Days Go By”); cadências downtempo que se arrastam com languidez (“Blinkmoth (July Mix)”); melodias etéreas em pano de fundo rítmico (“Play”, “Idea.2”); guitarras indie imaculadas (“On God, “Doom Bikini”); e até uma interpolação de “Duvet”, original dos Bôa que ganhou nova vida após ter sido redescoberto por uma nova geração no TikTok (no delírio dream pop de “Hypersoft Lovejinx Junkdream”). Os temas abordam questões prementes da vida amorosa contemporânea (incerteza, vulnerabilidade, desejo de ligação), servindo de metáfora para um mundo de relações que se constroem e desfazem à velocidade de um fósforo, entre notificações, cliques e fantasmas digitais. A untar tudo isto está a voz circunspecta de Krasner, povoando o espaço acústico como um espectro na penumbra, sem nunca se fixar completamente.

Nessa mesma entrevista à Crack, Krasner confessava que cada disco é uma descrição do momento que está a viver. As canções de Friend foram concluídas em 2023, com a artista a dedicar os restantes dois anos à identidade gráfica do disco. Friend é por essa razão uma obra total, um gesamtkunstwerk. E também uma afirmação: de uma identidade nova, múltipla e heterogénea. Um retrato dos tempos, com todas as suas contradições.


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