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Fotografia: Tiago Pestana
Publicado a: 18/01/2024

R&B feito em Portugal, num disco de seis faixas.

James dos Reis sobre Camadas: “O EP sou eu a abrir a porta para me virem conhecer melhor”

Fotografia: Tiago Pestana
Publicado a: 18/01/2024

Foi há quatro anos que James dos Reis iniciou um percurso em nome próprio, vários anos após a experiência longínqua da boyband No Stress. Apadrinhado por Agir, começou por usar a sua voz melódica por cima de instrumentais de cadências afro, que evocavam as suas raízes cabo-verdianas.

Agora, o cantor português lança finalmente o seu primeiro trabalho, o EP Camadas, onde explora um registo mais R&B com a ajuda de algumas colaborações, e se abre em temas mais íntimos. É um dos discos nacionais que marcam este início de 2024 e o Rimas e Batidas foi conhecê-lo melhor com uma entrevista ao seu autor.



Quando apareceste a solo em 2020, começaste logo a preparar este EP? Ou foi um projecto que só apareceu mais tarde?

Este EP apareceu bem mais tarde. Eu diria que foi no final de Fevereiro de 2022. Liguei ao meu produtor porque queria fazer um trabalho mais composto. Não queria voltar àquela dinâmica de lançar single a single como sempre fiz, então liguei-lhe no final de Fevereiro e em Março já estávamos a gravar. Fiz o EP em três semanas. Como já não lançava música há algum tempo, decidi fazer um EP. Penso que ainda não seja um artista com um grande público que justifique lançar um álbum. Quero muito fazê-lo um dia, mas step by step, primeiro um EP, com menos faixas. E encontrei esta forma para as pessoas me conhecerem um pouco melhor também.

E como foi o processo criativo dessas três semanas? Como é que abordaste a criação? Havia letras ou melodias que já vinham de antes?

Basicamente, reuni a minha equipa da altura. Assim que falei com o diogo seis, o meu braço direito e o meu produtor que me acompanha há algum tempo, reuni-me com ele e com o João Máximo e o que fizemos primeiro foi definir o que eu queria com este projecto e depois, sim, em equipa, fomos à procura do som que queríamos. Como o R&B sempre foi uma das minhas maiores influências, mas eu estava numa fase artística mais afro, decidi explorar este R&B, juntando um bocadinho de afro, funk, baladas e trap num bolo. Foi tudo feito de raiz, assim que encontrámos uma direcção. E a cena foi-se desenvolvendo de uma forma muito porreira, foi uma viagem muito fixe. Nesse processo convidei o Tyoz, que foi uma presença assídua neste processo de construção; e, mais tarde, o Lhast, como tem lá um estúdio mesmo ao lado, entrou em estúdio e na altura estávamos a trabalhar no “NPM” e ele sentiu bué o tema e perguntou: “mano, posso-te escrever o refrão?” E foi assim, tranquilo. O 9 Miller também se juntou a isto, mas foi mais a convite meu, porque eu gostava de ter um tema que não fosse escrito por mim. Que falasse de algo relacionado comigo, mas que viesse de outra cabeça. Falei com ele, ele veio a estúdio e escrevemos a música juntos. Foi o “Agora Naw”.

O processo foi bastante espontâneo, então.

Muito natural, estava muito fluido, o pessoal que se conectou foi super natural. Mesmo o produtor Bruno Mota também esteve lá no estúdio a ouvir as coisas. O Murta também passou por lá. O pessoal foi-se aproximando. E depois uns realmente fizeram parte, e outros não. Quem sabe, mais para a frente, quando fizer sentido.

E este é o teu projecto de estreia. Em termos conceptuais, o que é que querias transmitir com este primeiro trabalho? Porque acaba por ser um pouco um cartão de visita.

Sou eu a abrir a porta para me virem conhecer melhor. O meu approach foi muito mais honesto. Sempre tive alguma dificuldade em encarar certas camadas que tenho, e comecei a encará-las sem medo e foi a partir daí que nascem temas como o “Free to B”, em que falo abertamente e de uma forma muito directa sobre a minha sexualidade. Também há temas mais pessoais, como o “Luz do Dia”. Foi querer dar um passo em busca da minha verdade. 

Estas Camadas representam isso mesmo, não é? Ires mostrando, música a música, várias Camadas tuas.

Sim, o James não é só o gajo que apareceu com uma cena afro, é muito mais do que isso e finalmente senti que estava maduro o suficiente para começar a pôr isso nas minhas músicas e não ser só o gajo que quer fazer música cool. A verdade é um gamechanger

E, obviamente, torna qualquer artista mais autêntico, com uma identidade mais própria. Certamente que também procuravas isso.

Claro. Eu sempre estive muito perdido em termos de identidade. Consumo muita música, sou muito eclético, oiço muita coisa. E há uma diferença entre aquilo que tu gostas e aquilo que tu és e aquilo que fazes na tua arte. O que posso dizer agora é que este EP foi um capítulo que eu tinha mesmo de encerrar e já está, agora quero é que o pessoal desfrute. E acho que o próximo capítulo vai ser uma cena diferente e nem eu estava à espera. A vida tem formas muito estranhas de escrever alguns capítulos da nossa história. E o que vou fazer depois é totalmente diferente do que fiz até hoje. Não quero revelar muito, mas a cena afro vai estar presente só que de uma forma diferente.

Tu começaste com alguns singles mais ligados a sonoridades afro, às tuas raízes cabo-verdianas, e este EP é mais R&B, de inspiração afro-americana, algo mais global. E apesar de todos estes géneros de origem americana do rock ao rap terem tido uma grande expressão em Portugal, o R&B nunca teve um reflexo tão grande. Embora tenham existido alguns artistas e hoje em dia há mais ainda, as fronteiras entre géneros também se dissiparam que o fizeram por cá.

Sem dúvida, o R&B que consumimos em Portugal é o que se faz lá fora. Aqui, em termos de mercado, sempre foi um género muito fraco. Acho que nunca se conseguiu apreciar o R&B feito cá, por pessoas como o Gutto, entre outros que fizeram coisas muito boas. Mas, ao mesmo tempo, também não se fez muito por isso cá. Não se vê muitos artistas a quererem ir pelo R&B. A nível pessoal, senti necessidade de dar vida a um projecto mais R&B porque foi aquilo que sempre ouvi e está muito dentro de mim. Eu respiro muito o R&B. Então, arrisquei, porque estava numa onda mais afro e queria mostrar às pessoas que eu não era só aquilo. A forma como eu encaro a música é muito como a vida: nós vamos errar, vamos acertar e eu se calhar fui por um caminho que não era bem o meu, mas se calhar estou a reencontrar-me aqui e a seguir aquilo que sempre senti que devia fazer mas que até então não tinha feito por vários motivos. Ou porque estou a trabalhar com A, ou com B.

O que é que cresceste a ouvir?

Dentro de casa, kizomba, funaná… Porque venho de famílias cabo-verdianas. Mas o meu pai já me incutia uns Scorpions ou uns Metallica. Entretanto, da parte dos meus tios, comecei a ouvir mais rap e R&B. Mais tarde, comecei a ter muito interesse pelo jazz, pela soul… Fui sempre absorvendo um bocadinho de tudo, o que só me enriquece.

E cresceste entre a Cova da Moura e Carnaxide.

É verdade, vivi na Cova da Moura durante muitos anos só com a minha mãe. Entretanto, com 10 anos, mudei-me para Carnaxide já com os meus pais juntos. E desde então fiquei sempre aqui, até ao dia em que me mudei para Londres, onde estive sete anos.



A Cova da Moura obviamente é um sítio muito específico, pela comunidade que tem, por toda a discriminação que existe em torno do bairro. Sentes que, culturalmente, moldou muito a tua pessoa? Aquilo que ouvias, a forma como cresceste?

Claro que sim. Sempre tive uma educação muito regrada pelos meus pais, mas eu também vi e vivi muita coisa desde pequeno. Eu apanhei a Cova da Moura no final dos anos 90, era uma cena diferente, ainda que a essência se mantenha, e obviamente que me influenciou muito, em muita coisa mesmo. Tive amigos de infância que, anos mais tarde, depois de eu me ir embora, se tornaram rappers. E eu a ir ao estúdio com eles… Amigos como o Kromo di Ghetto, o Puto G, o Dany G. Sempre foram artistas que respeitei bué porque fizeram a cena deles e tiveram uma grande influência. Então a Cova da Moura sempre teve uma grande influência em mim.

E, lá está, musicalmente esses nomes são dos que mais associamos à Cova da Moura, a cena de rap mais street, mais crua. Tu nunca quiseste ir por aí? 

Sempre ouvi muito rap, posso dizer que sou muito fã, por exemplo, do Halloween, entre tantos outros. Obviamente que no bairro já cuspimos umas barras e já se fez umas brincadeiras, mas eu sempre soube que era um gajo mais melódico. Ou seja, um gajo que pode usar a voz de uma forma diferente e não como eles usam no rap. Então, sempre soube que não era rapper. Mas, de certa forma, isso depois inibe-te. Porque cresces num meio em que a influência é muito tough e de repente aparece lá um bacano a cantar Heeey girl, está um bocadinho fora do contexto [risos]. Mas sempre senti um grande respeito das pessoas, sempre que cantava. Quando ia ao estúdio da Cova da Moura, sentia sempre que o pessoal achava uma cena fixe. “Tu tens uma cena especial, és mesmo um gajo diferente”. Houve sempre assim um respect bom de ambas as partes. 

E de onde é que sentes que vem essa tua paixão e apetência para o lado mais melódico?

Sempre tive um grande fascínio pelo showbusiness americano. Eu nem estava muito ligado à música em puto, mas a cena do showbusiness foi algo que me foi marcando muito. Acho que a certeza veio no secundário, quando eu estava nas aulas de biologia e já cantava inconscientemente. E os meus colegas só me diziam: “mete um vídeo no YouTube, faz covers, mostra às pessoas o que sabes fazer.” Mas eu era muito inseguro, porque nunca tive um guia, nunca tinha tido aulas vocais, nada… Tudo o que sempre soube fazer foi ao cantar os outros. Na altura era muito influenciado pelo John Legend, pelo R. Kelly, e depois ia para o bairro a tentar imitá-los. E depois até que consegui, fui fazendo vídeos e a cena foi crescendo. A certeza de que queria ser artista foi ficando cada vez maior. 

Foste para Londres e começaste a apostar mais na música quando voltaste, certo? Mas como é que isso aconteceu?

Antes de Londres, fiz parte de uma boyband que eram os No Stress. Éramos, basicamente, os One Direction de Portugal [risos]. Eu era mesmo muito tímido e, para mim, cantar era uma cena que fazia em casa ou aqui no bairro sempre às escondidas. E um amigo meu tinha-me falado desse casting, que foi no Paradise Garage. Entro lá dentro, de repente vejo muita malta que na altura estava nos Morangos com Açúcar, e eu fiquei: what the fuck. Eu nunca tinha estado em cima de um palco nem tinha pegado num microfone. Fui, cantei, a cena até correu bem e fiquei. Então, durante dois ou três anos, fiz parte dessa banda que me deu a oportunidade de, do nada, estar a actuar no Campo Pequeno ou na MEO Arena. De repente estava a pisar grandes palcos e eu vinha do bairro e nem sabia bem lidar com aquilo tudo, mas dava-me um gozo enorme. Todas as vezes que eu subia ao palco ou tinha que dar uma entrevista, era exciting mas, ao mesmo tempo, um acto de coragem. Porque eu nunca tinha vivido aquela realidade. Entretanto, a banda estava a dias de terminar, na altura o nosso manager era o mesmo do do Anselmo Ralph, quando ele estava na berra, e ele quis que eu ficasse cá a solo. Mas uma coisa era estares numa banda, outra era a solo. E eu sentia que ainda não tinha as competências para seguir uma carreira a solo, então quis dar um tempo. Na altura fui para Londres, decidi mesmo ter uma nova experiência de vida, queria sair daquele ninho dos pais e queria estar em contacto com o mundo real, para crescer fora daqui. Durante sete anos, não fiz nada de música. Não estive a cantar nem nada. E, a dado momento, o Agir manda-me mensagem. Ele já me tinha ligado há uns anos, mas eu tinha chegado a Londres há cerca de um mês. E disse-lhe: “brother, fico lisonjeado, mas mudei a minha vida toda agora, só estou cá há um mês, não posso voltar agora de novo.” Cinco ou seis anos depois, ele manda-me mensagem. Eu estava no gym e ele diz-me: “ainda estás com medo?” Eu nessa altura estava a fazer moda, já estava mais dentro daquele novo estilo de vida que eu tinha, e disse: “Ok, isto está fixe aqui, eu posso ir e vir, e posso ir para a música também. OK, está na hora, ‘bora.”

E a experiência dos No Stress certamente que te deu muita estaleca e noções sobre a indústria da música, sobre como é que as coisas funcionam.

Muita estaleca. Eu nem tive aquele tempo para errar. Eu cantava sozinho e de repente estava a actuar para milhares de pessoas em festivais. Tivemos uma fase em que fazíamos a primeira parte do Anselmo Ralph, ele já tinha um público vasto, foi uma experiência incrível. Não foi fácil lidar com aquilo tudo, mas quando tu amas aquilo que fazes, tu só vais em frente e queres é viver e fazer. E como tinha os meus colegas comigo, éramos o suporte uns dos outros. Foi uma experiência incrível que me deu uma estaleca enorme.

O que é que te fez querer ir para uma boyband? São projectos que têm, obviamente, características muito específicas.

Sim, e nem tinha muito a ver com aquilo de que eu gostava desde miúdo. Cresci a ouvir Lauryn Hill, Erykah Badu… Uma boyband nem era bem uma cena de que eu gostasse. Mas só o facto de eu ter uma oportunidade que podia mudar as coisas… Fui e foi a melhor coisa que fiz.

Para terminar, conta-nos como é que vai ser o teu ano. Vais querer actuar, vais lançar mais música nova? O que é que podes contar?

Neste momento penso em deixar o EP respirar um pouco. E, depois disso, quero lançar mais coisas. Acho que tenho de ser mais consistente na forma como lanço as músicas, mas também não quero entrar naquela dinâmica de lançar avulso. Quero fazer a coisa com cabeça, tronco e membros e posso dizer que estou super entusiasmado com o que vem aí. Espero cantar muito ao vivo porque é o clímax disto tudo. É o que eu mais gosto: estar em contacto com o público. Espero que seja um ano repleto de boas oportunidades e que eu consiga demonstrar da melhor maneira este novo capítulo que estou a viver, que consiga transmitir esta verdade que está aqui dentro.


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