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Publicado a: 19/07/2018

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[TEXTO] Moisés Regalado

Os significados da sigla KOD — “Kids On Drugs”, “King Overdosed” ou “Kill Our Demons” — e o simbolismo da data de lançamento (20 de Abril, ou, nos Estados Unidos, 4/20) dispensam qualquer explicação. O paternalismo do título e do conceito faz justiça à personalidade conservadora que caracteriza J. Cole desde há muito. Só que não isso não é o suficiente para o afastar do tempo presente. A sua relevância convive pacificamente com a de Drake, Desiigner, Jay-Z ou Lil Pump, rookie que J. Cole entrevistou em Maio deste ano, e foi precisamente nessa conversa que o fundador da Dreamville confessou a sua recente, mas crescente, admiração pelos novos artistas e sonoridades.

“Trap drums is the shit that’s hot now” e Jermaine Cole di-lo sem pudor ou ironia. As batidas — e os flows — de KOD circulam muito mais perto de Atlanta que de L.A. ou Nova Iorque, sem que o rapper, há muito credenciado como liricista de primeira, transpareça qualquer quebra de rendimento. Os refrões, os samples e a lucidez continuam tão próximos da raiz quanto possível e alimentam o rol de histórias que o rapper tem para contar, apesar da sonoridade contemporânea com que agora veicula a mensagem.

 



O pouco que mudou, relativamente aos quatros álbuns que antecederam KOD, é suficiente para o apontar como um artista mais completo e mais apto para disputar o lugar no pódio que tantos lhe atribuem. Porque J. Cole, além de mais tolerante, também está mais tolerável — e talvez haja relação entre os acontecimentos. As experiências que ainda polvilhavam os discos anteriores deixaram de o ser e Cole assumiu-se de uma vez por todas como um beatmaker de valências actualizadas. Logo agora que nada o fazia prever.

As últimas aparições de J. Cole enquanto convidado não se afastaram muito do registo que todos lhe conhecem e, perante a qualidade que tem apresentado, reforçaram-no como um dos principezinhos do boom bap (num processo semelhante ao de Joey Badass, MC em constante evolução). Mas Cole decidiu virar o jogo a seu favor e saiu-se bem. Adaptou-se quase definitivamente aos BPMs que têm ditado tendências e aproveitou para puxar as orelhas aos mais jovens através de uma linguagem que lhes é familiar.

A jogada foi de mestre e KOD não tem ponta solta por onde se lhe pegue. Por outro lado, e sendo, muito provavelmente, o registo mais homogéneo de Cole, também não há tantos momentos tão memoráveis quanto alguns que lhe marcaram a carreira recente. Muito provavelmente, só aí, ao ter essa percepção, se nota que Jermaine Lamarr não está a jogar em casa, mas, mais à Mourinho do que à Guardiola, a vitória acabou por lhe sorrir. Felizmente, rap não é futebol e não há eliminações, limites de jornadas ou constrangimentos etários. É só deixar a bola rolar e J. Cole, como tantos outros, saberá o que lhe fazer.

 


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