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Fotografia: Guilherme Nabhan
Publicado a: 18/06/2022

A ditar o seu próprio ritmo criativo.

IZA: “Acredito que ser uma figura pública é um privilégio e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade”

Fotografia: Guilherme Nabhan
Publicado a: 18/06/2022

Coragem, trabalho e respeito pelo próprio tempo foram os pontos-chave da conversa que tive recentemente com a IZA. Foi a partir desses pilares que a artista conseguiu consolidar-se como um dos principais expoentes do pop, um espaço disputado e também cheio de talentos no Brasil.

Prestes a actuar no Rock in Rio, em Lisboa, este domingo, dia 19 de Junho, a cantora acumula uma série de marcos importantes e sonhos realizados na sua carreira. O seu primeiro álbum, Dona de Mim, foi editado em 2018 e recebeu uma nomeação para o Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa nos GRAMMYs latinos. Em 2019 estreou-se como juíza no The Voice Brasil e foi ainda anunciada como Rainha de Bateria da Imperatriz Leopoldinense. Em 2020 entrou na lista dos 100 negros mais influentes do mundo, lista que abrange todas as áreas e é reconhecida pela ONU, além de integrar também a lista dos 10 líderes da próxima geração da revista Time.

Uma potência em tudo o que se propõe fazer, IZA mil em uma. A sua obstinação foi essencial para prosseguir uma carreira verdadeiramente corajosa, representativa e coerente consigo. Em entrevista ao ReB, ela começa por contar sobre como é ocupar esse papel no Brasil:

“A IZA é uma menina negra da zona norte do Rio de Janeiro que não pára de realizar sonhos que ela nunca sonhou. Eu realizo sonhos que eu nem tinha coragem de sonhar. Eu fico muito feliz de poder viver da minha arte, viver da música, muito feliz da música ter me escolhido. Eu amo isso desde muito nova, mas eu nunca imaginei que eu pudesse trabalhar com música porque eu não me via nos lugares. Agora isso já é uma realidade para mim e eu sou muito grata de poder dizer que eu trabalho com arte, grata por me conectar com as pessoas através do meu trabalho, tocar as pessoas através da minha música e viver a minha vida, e não sobreviver.”

Em 2016, IZA assinou pela Warner Music e em Novembro desse mesmo ano lançou o seu primeiro single. Em 2017, a artista começou a gravar o seu álbum de estreia e, em Outubro, o avanço, “Pesadão“, foi lançado em parceria com o Marcelo Falcão, vocalista d’O Rappa. A canção foi um sucesso nessa época. Desde então, a vida e a carreira de IZA mudaram completamente.

“Como artista, essa transformação toda tem sido incrível porque eu nunca imaginei que tanta coisa pudesse acontecer em tão pouco tempo, né? Às vezes as pessoas me dizem assim, ‘nossa IZA, mas caramba foi meio rápido…’ e eu falo: não foi meio rápido. Foi muito rápido! E isso não é sinónimo de pouco trabalho. Isso é sinónimo de trabalho dobrado! Então, eu estou muito feliz e muito realizada como artista, sabe? Como pessoa, foi uma transformação muito grande na minha vida, algo que eu preciso levar para a terapia até hoje [risos]. Mudou muito em pouco tempo. Você poder sair na rua num dia e no outro dia já não poder mais é engraçado, no mínimo. Aí acaba que é uma carreira minha, mas que precisa de uma adaptação de todas as pessoas que estão à minha volta, pessoas que fazem parte da minha vida, da minha família e até meus amigos precisaram se adaptar a essa minha nova condição de vida. São coisas que eu ainda estou digerindo porque tudo aconteceu muito rápido.”

Especialmente nos últimos anos, o entretenimento no Brasil tornou-se palco de conversas relevantes sobre representatividade, causas sociais e políticas. O país enfrenta uma grave crise social, política e humanitária e a fome já atinge 33 milhões de pessoas. O aumento da pobreza extrema nas ruas é visível, com mais de 200 mil pessoas sem sítio para viver e, por isso, é impossível dissociar as agendas sociais da arte, da música e do quotidiano — estão no dia a dia e já não conseguem fechar os olhos. IZA nunca escapou à sua responsabilidade como artista e acredita que a arte deve ser um agente de mudança.

“Eu acho que surgi no momento em que as pessoas estavam começando a falar sobre empoderamento e representatividade. Isso nunca foi minha intenção, eu só queria cantar sobre o que era ser eu e sobre o quanto era difícil para mim enxergar além daquilo que a sociedade tinha desenhado. Eu canto desde muito pequena e eu só tive coragem mesmo de cantar profissionalmente depois dos meus 25 anos, então foi realmente um momento de ruptura. Eu falava muito sobre isso no início, então muitas pessoas me procuravam para falar sobre o assunto. Às vezes eu entendia que eram pessoas que só queriam fazer parte de uma pauta, mas também tinham pessoas que realmente queriam fazer parte disso, que sabiam a importância de se falar sobre isso, entende? Sobre o quão discrepante é nossa realidade no país e o quanto a mulher negra ainda é deixada de lado em diversos âmbitos da nossa sociedade. Eu fico muito feliz de que cada vez mais se fale sobre isso. Claro, eu não quero falar só sobre isso. A gente quer falar sobre outras coisas, mas eu entendo a importância de falar e ressaltar que nós todos temos lugar à mesa. Isso é uma coisa que precisa ser amplamente discutida ainda e fico muito feliz de saber que o público também tem cobrado de seus artistas este posicionamento coerente, tentando entender se seus artistas realmente vivem aquilo que eles pregam e dizem. Acredito que ser uma figura pública é um privilégio e ao mesmo tempo uma responsabilidade. A gente precisa ter responsabilidade sobre a nossa fala e sobre como a gente influencia outras pessoas, então, se você se sente à vontade e tem lugar de fala para falar sobre determinados assuntos, é importante sim que você fale, porque a gente não tem noção do quanto isso pode impactar a vida dos outros. Isso faz com que a gente não seja só um artista mas que a nossa arte seja vetor de mudança também.”



Indo contra a pressão do mercado e até de parte dos fãs, que querem sempre mais, IZA optou por respeitar o seu próprio tempo e não se forçar a lançar um álbum por ano. Esta decisão também acaba por impactar directamente os processos criativos da cantora, que criou um som autoral e não se tornou refém de hits e números nas redes sociais para construir a sua presença.

“Eu acho que é muito importante mostrar para as novas gerações e para quem já nasceu nesse meio de Internet que quem dita o ritmo das coisas é a gente. Não existe um ritmo certo, uma frequência certa a ser seguida. Aliás, até existe mas ela é a sua. A gente não precisa se dobrar a tudo aquilo que o mercado pede porque, afinal de contas, nós somos o mercado. Eu acho que isso também é uma forma de sobreviver feliz e criativa, fazendo o que eu faço. Eu acho que não seria uma artista feliz se eu precisasse lançar um álbum por ano. Fico muito feliz pela equipe que trabalha comigo e a gravadora entenderem exactamente o jeito que eu sou. Óbvio que, em relação a esse álbum, não foi só uma escolha artística, mas também uma escolha pessoal, já que 2020 foi um ano muito complicado, para mim e para todo o mundo. Foi o auge da pandemia aqui no país, vivemos tempos muito obscuros. Eu perdi pessoas da minha família em decorrência do COVID-19 logo no início da pandemia e isso mexe muito com a cabeça da gente, por isso é muito importante aprender a respeitar o nosso ritmo. Eu acho que isso é uma coisa positiva. Quem gosta de você e do seu trabalho vai esperar o seu momento certo de compartilhar a sua arte. Eu acho que esse álbum novo não poderia vir em um momento melhor.”

A sua mais recente música, “Fé”, com videclipe publicado no passado dia 3, chega alguns depois de “Sem Filtro”, como uma amostra do segundo álbum, previsto para ser lançado até Setembro. No primeiro disco, a artista brilhou e cravou seu nome no cenário do r&b, soul, pop, reggae e dancehall. No novo projecto, ela mergulha fundo nas raízes brasileiras. Os fãs podem aguardar por feats com Rael, com a banda Onze:20 e por uma composição de Carlinhos Brown, um presente para a artista. O álbum também explora uma nova versão de IZA: mais madura, com menos entraves. 

“Meu novo álbum representa um amadurecimento, sem dúvidas. Não é que busque temas diferentes, mas eu busco uma forma diferente de me expressar sobre esses temas, uma versão minha mais madura, me entende? Não é que eu envelheci, não nesse sentido, mas no sentido de me sentir mais segura para falar um palavrão, por exemplo, para cutucar certos assuntos que no primeiro momento da minha carreira talvez eu não tivesse coragem. É nesse sentido que é bom, é um amadurecimento da artista que eu sou. O processo criativo dele foi bem parecido com o do outro [Dona de Mim, 2018], que eu demorei um ano e meio para fazer e eu estou demorando praticamente o mesmo tempo para entregar o meu trabalho novo. Dessa vez eu ainda tenho um estúdio na minha casa. A sensação de construir uma coisa com o Sérgio, meu marido… eu o conheci no estúdio, quando estava criando o Dona de Mim, mas na época ele não era meu marido. Mas desta vez também tem o Sérgio como produtor, mas agora ele é meu marido e estamos gravando dentro da nossa casa. Isso com certeza influenciou nesse amadurecimento e nessa vontade, nessa possibilidade de me sentir mais segura fazendo música.”

Questionada sobre a expectativa para a apresentação no Rock In Rio, em Lisboa, a cantora foi clara: é apaixonada por Portugal, admira muito a forma como o país consome a música brasileira sem barreiras e é o primeiro país europeu que ela visitará.

“É uma realização muito grande, eu nunca imaginei que neste momento da minha carreira eu pudesse fazer parte deste festival [risos].  Eu não sei o que esperar da plateia, não sei se tem muita gente que me conhece, que acompanha meu trabalho. Estou com muita expectativa de levar o meu melhor para as pessoas e, quando eu digo o meu melhor, não estou falando só de música mas também o que eu tenho de mais bonito dentro de mim, porque é isso que me deixa realizado em cima do palco. Vai ser minha primeira vez na Europa, meu primeiro show na Europa. Quando tinha tempo, eu não tinha oportunidade, e quando eu tive a oportunidade não tive tempo. Agora finalmente conseguimos juntar as duas coisas [risos]. Estar neste lugar a trabalho, realizando um sonho, é demais!”


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