Investigadora, cantora, compositora, gestora cultural e analista internacional: vertentes de interesse não faltam à multifacetada Isabella Bretz. A brasileira radicada em Portugal foi uma das vencedoras da convocatória Ibermúsicas 2023, programa que lhe permitiu realizar um importante estudo sobre “A Música Como Ferramenta de Diplomacia Cultural na Ibero-América”. Nele, propôs-se a compreender de que forma a música desempenha um papel fundamental na ligação e construção de relações internacionais com os países sul-americanos onde o português e o espanhol são as línguas predominantes.
Os resultados desta investigação serão apresentados no evento inaugural do MATE 2024, um festival que promove o diálogo intercultural, o reconhecimento de talento e a inovação, além de ser uma plataforma de encontro para profissionais das Indústrias Culturais e Criativas. Como descrito na sua sinopse, este foi um estudo em que Bretz abordou “possibilidades e desafios para que festivais e artistas atuem como embaixadores culturais, fortalecendo os laços culturais e económicos entre os países ibero-americanos”, tendo permitido à investigadora “explorar como a música pode desempenhar um papel importante na criação e manutenção de políticas públicas que visam garantir maior igualdade de oportunidades e inclusão para músicos de diferentes géneros e origens étnicas.”
Da motivação por trás desta pesquisa, passando pela discussão dos seus métodos e conclusões, até às projeções de futuro baseadas em observações empíricas, conversámos com Isabella Bretz para compreender e perspetivar o papel da música no mundo contemporâneo. As respostas da investigadora oferecem uma visão esclarecedora sobre aquilo que torna a música numa ferramenta poderosa e transversal a todo o tecido social, com um impacto profundo em áreas que vão do entretenimento à cultura, da economia à política.
Foi uma das vencedoras da convocatória Ibermúsicas 2023, programa que apoiou o seu projeto de investigação centrado na música como ferramenta de diplomacia cultural na Ibero-América. Como surgiu a ideia de desenvolver este estudo e qual a motivação por detrás dele?
Este é um tema que adoro, que já estudo e com o qual trabalho há vários anos. Apesar de hoje ser artista e produtora cultural, essas não são minhas áreas de formação. Sou graduada em Relações Internacionais e também fiz uma pós-graduação em Direito Internacional, então assuntos relacionados a internacionalizações fazem parte da minha vida há bastante tempo (inclusive, outro nome que se dá ao profissional, além de “analista internacional”, é “internacionalista”). Desde quando comecei a minha carreira artística, em 2012, minha ideia era construir um caminho um pouco diferente, que unisse esses dois universos de alguma forma. Felizmente, é assim que tem sido! Desenvolvo um projeto multidisciplinar chamado “Abreviar Distâncias”, com foco na lusofonia, além de outras iniciativas que envolvem cultura internacionalmente, como o Sonora – Festival Internacional de Compositoras. Dando sequência aos meus trabalhos e pensando no que propor para o programa Ibermúsicas, que é sempre muito aberto a ideias variadas, pensei: “Que tal trazer esse debate sobre diplomacia cultural, tendo como referência a Ibero-América?”. Deu certo! Acho importantíssimo olharmos para a cultura sob diferentes lentes, não somente a criativa, mas a econômica e política também. E a região ibero-americana tem uma diversidade cultural gigantesca, além de muita facilidade de comunicação. Precisamos criar mais pontes. É a minha segunda pesquisa com recorte na região. No ano passado, também com apoio do Ibermúsicas, iniciei um mapeamento de iniciativas de empoderamento feminino na música na Ibero-América, ao lado da Deh Muss e do Sonora. Essa pesquisa, inclusive, cresceu demais, recebeu alguns apoios importantes e se tornará uma plataforma online. Mas isso eu conto melhor no MATE.
Vai apresentar os resultados desta investigação como evento inaugural do MATE 2024, um festival que promove o diálogo intercultural, o reconhecimento de talento e a inovação. De que forma decorrerá esta apresentação e como acredita que poderá dar o mote para o resto do festival?
Estar no MATE com esta investigação é um motivo de grande alegria para mim! Não faz sentido estudar um tema como esse sem discutir publicamente, sem trocar experiências, debater medidas, políticas públicas. O MATE é um encontro riquíssimo, com pessoas de diferentes posições na cadeia produtiva da cultura e também do poder público. É uma excelente ágora! Por isso, é o espaço perfeito para essa apresentação. Vou compartilhar com as pessoas um pouco da minha trajetória nesse âmbito, as motivações da pesquisa, informações sobre alguns programas de internacionalização e levantar pontos para debate (algumas críticas ao que tem sido feito hoje e também o compartilhamento de boas práticas que podem ser replicadas). Meu maior objetivo é sairmos de lá pensando em como construir processos mais eficazes, efetivos e eficientes para que possamos representar nossos países internacionalmente, trazendo resultados concretos para nós, da classe artística, e para os países. Essa conexão do assunto com a essência do MATE pode gerar boas conversas nos dias seguintes, aproximando as pessoas e criando pontes internacionais de colaboração, especialmente pela identificação que os países Ibero-Americanos têm entre si.
“A Cantiga É Uma Arma”, música de José Mário Branco lançada em 1975, é um importante lembrete do papel político que a música pode ter. No seu projeto, concluiu que a música desempenha um papel relevante na criação e manutenção de políticas públicas que visam garantir sociedades plurais e inclusivas. Quais são os mecanismos que levam a música e a política a imiscuir-se?
Música é política. Simplesmente não consigo ver de outra forma. Não precisa ser música de protesto para ser política. Até mesmo a que é percebida como puro entretenimento tem sua função social. A música retrata o tempo, a fase histórica, o pensamento, valores de uma comunidade, hábitos, organizações sociais. Ela cria senso de comunidade, fortalece identidades coletivas (“positiva” e “negativamente”). Vejam que exemplo mais emocionante: o sinal para que a Revolução de 25 de Abril começasse não foi um tiro, foi uma canção. O que “Grândola, Vila Morena” desperta em nós e em nosso comportamento é política! Na diplomacia cultural, como vamos tratar, a música tem a capacidade de ser um instrumento de paz, de compreensão entre os povos, de promoção da imagem internacional de um país. Ela pode retratar problemas a serem resolvidos, soluções a serem replicadas. Já pensaram por que há tanto plágio e utilização indevida de músicas em campanhas políticas? Ou por que tantas são censuradas em ditaduras? Porque existe nessa linguagem artística um poder incalculável sobre a sociedade. Eu desconheço algo que entre em nossa mente com tanta facilidade, sem pedir licença, tomando conta de nossos pensamentos. Já tentou ler um livro com uma música na cabeça? Você precisa ler 5 vezes o mesmo parágrafo. E você não precisa gostar dela para que tenha esse efeito. Afinal, todos nós sabemos de cor músicas que consideramos péssimas!
A política está relacionada à maneira como organizamos nossa sociedade e às decisões que tomamos para conviver coletivamente. Se a música expressa e molda pensamentos e costumes, que por sua vez se tornaram ou se tornarão decisões e ações, ela faz parte deste grande guarda-chuva que é a política. Além disso, ela forma uma indústria com milhões de empregos diretos e indiretos no mundo, gira a economia, atrai turismo cultural, contribui para o PIB e demanda legislações e direitos. Por isso, quando alguém diz que um artista deve apenas cantar suas músicas e deixar a política de lado (e não é preciso ser um Roger Waters para ouvir isso, eu mesma já ouvi), penso: “Meu caro Watson… Sinto muito mas não vai dar para obedecer aos seus desejos… É impossível”.
Identificou determinados padrões ou parâmetros como sendo promotores de uma relação saudável e construtiva entre música, política e sociedade?
Eu acredito que vários fatores são importantes para uma relação saudável entre música, política e sociedade. O primeiro deles é a liberdade de expressão, a autonomia no fazer artístico. É impossível gerar impacto com a música se não se pode falar sobre determinados assuntos, se não há liberdade crítica e autenticidade (lembrando aqui, obviamente, que crime de ódio não é liberdade de expressão). Outro fator crucial é a sustentabilidade das carreiras e a garantia de uma vida estruturada para profissionais da música: tempo para criar, remuneração justa, políticas públicas que funcionem, boas estratégias e investimento em formação de público, condições para circulação (“Todo artista tem de ir aonde o povo está”, já cantava Milton Nascimento), conscientização da população sobre o valor da cultura, entre outros.
Democratização do acesso à cultura é também primordial, afinal as obras precisam chegar no povo, dialogar com o povo e gerar respostas de quem ouve. É preciso oferecer diversas formas de arte à população, mas se o objetivo for falar com o máximo de pessoas, linguagens mais rebuscadas e, de certa forma, elitistas, não cumprirão esse papel. A experimentação e a inovação são fundamentais, mas temos que entender que, para comunicar com a base, é preciso falar a sua língua. E dá pra fazer isso de forma inteligente e estimulante, isso não significa fazer arte plástica e pobre em conceito. Essa articulação entre música, política e sociedade precisa ser capaz de mobilizar as pessoas, de criar senso de coletividade. Enquanto respondia, lembrei de uma música brasileira que fez imenso sucesso, foi cantada e dançada por todo o país. A letra dizia: “Analisando essa cadeia hereditária / Quero me livrar dessa situação precária / Onde o rico cada vez fica mais rico / E o pobre cada vez fica mais pobre / (…) Mas eu só quero educar meus filhos / Tornar um cidadão com muita dignidade / Eu quero viver bem, quero me alimentar (…)”. Vejam quanta crítica existe nessa música! E alcançou milhões de pessoas. Só não se identifica quem é herdeiro ou milionário, uma parcela muito pequena da população. Reafirmo, mais uma vez, que não precisa ser uma música de protesto para ser política. Músicas com outras mensagens, em outras linguagens, também criam pertencimento, inspiram pensamentos e decisões coletivas. Da mesma forma, a acessibilidade física precisa ser garantida, para que essa relação aconteça em todas as camadas da sociedade.
E a diplomacia cultural tem sido uma ferramenta efetiva na construção desse diálogo entre música, política e sociedade?
Sim, a diplomacia cultural tem colaborado para a construção e o fortalecimento desse diálogo, mas é uma etapa posterior e ainda pode melhorar muito. Lembro que diplomacia cultural não é diplomacia artística, a cultura é algo muito mais amplo, abrangente, para além da arte. Mas vou me ater ao recorte da nossa conversa, que é a música. Por meio de eventos musicais, residências artísticas, colaborações entre artistas de diferentes países, programas de cooperação cultural e muitas outras iniciativas, pode-se conseguir bons resultados sociais, por exemplo: fomentar debates sobre questões que afetam os países de forma comum; fortalecer grupos marginalizados; promover soluções que podem ser reproduzidas em outros lugares; trabalhar a compreensão e a conciliação entre os povos; aproximar através de semelhanças e despertar interesse de um povo no outro; despertar a curiosidade através de grandes diferenças e muito mais. Mas, para que isso aconteça, assim como os resultados comerciais, econômicos e culturais em geral, é preciso que a diplomacia cultural seja pensada em conjunto, com a participação fundamental do governo, com políticas públicas, com incentivo a uma produção artística diversa e à circulação internacional.
Uma das principais teses da sua pesquisa é que a música contribui positivamente para as relações internacionais. No contexto ibero-americano, quais são alguns exemplos marcantes deste papel diplomático, agregador ou conciliatório que a música tem desempenhado entre nações?
O Brasil é um país com dimensões continentais, com uma população de cerca de 215 milhões de pessoas e é o único país que fala português na América do Sul. Seu mercado artístico é borbulhante em praticamente todas as áreas. E um grande diferencial é que ele consome intensamente a arte que é produzida em seu território. Seja nas novelas, nos festivais, no rádio ou nas plataformas de streaming, os brasileiros são apaixonados por música brasileira. Ainda bem! Mas além disso ser um grande ponto positivo, uma verdadeira conquista, também traz isolamento de outros países da região. É inacreditável que estejamos totalmente cercados por países hispânicos e os brasileiros praticamente não falam espanhol/castelhano. Até poucos anos atrás, apesar da boa recepção a grandes nomes como Shakira, Ricky Martin e Jorge Drexler, a música latina tinha pouco espaço no Brasil. Entretanto, com a explosão de gêneros musicais latinos nos E.U.A., no mundo e também no Brasil, o aumento do interesse dos brasileiros por países da América do Sul, assim como em sua língua, aumentou significativamente. Ritmos como reggaeton, cumbia e pop hoje fazem o público do país dançar e cantar em uma língua que não fez verdadeiramente parte da sua formação. Quem é que não conhece “Despacito”, de Luis Fonsi? Com o crescimento dessa conexão, estratégias de colaboração são muito usadas por artistas como Anitta e Ludmilla, não apenas para conquistarem novos públicos estrangeiros, mas porque seu público nacional também recebe muito bem essas parcerias. Do outro lado do Atlântico, nomes espanhóis como Rosalía e Silvia Perez Cruz vão conquistando os corações. É claro que este não é o único motivo, é um conjunto de fatores. Mas hoje vê-se muitos mais brasileiros interessados em conhecer a Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia… É inegável que o aumento da identificação cultural com estes países através da música traz uma aproximação emocional, fomento do turismo para esses destinos e maior busca pelo aprendizado da língua. Isso também se reflete com a geração de novas parcerias profissionais, motivações para realização de negócios e mais.
O seu projeto também aborda as possibilidades e desafios para que festivais e artistas atuem como embaixadores culturais. Quais são as vantagens (e riscos, caso os haja), quer para os músicos, quer para os países, associados à internacionalização artística?
Existe uma certa visão de que internacionalizar é dominar o mundo. Mas não é bem assim. É possível internacionalizar em muitos níveis diferentes, tanto em termos de abrangência territorial como de impacto. Para os artistas, é muito bom abrir portas internacionais para alcançar mais visibilidade, estabelecer novas pontes de colaboração, desenvolver no âmbito profissional, estando expostos a novas formas de trabalhar, além de desenvolver pessoalmente. O artista é um criador, precisa de experiência de vida para produzir. Estar em outro país é um prato cheio para ter mais inspiração. Nas feiras internacionais de música, por exemplo, pode-se observar como os profissionais de diferentes lugares trabalham, como são feitas as contratações, como os artistas se apresentam, como o público reage… Um mesmo show em países diferentes gera reações diversas da plateia. Isso acontece até de cidade para cidade em um mesmo país. Esse repertório cultural só enriquece a trajetória artística e traz uma visão muito mais ampla da profissão e do mercado no qual se está atuando. No caso de festivais, há, por exemplo, a possibilidade de receber mais turistas estrangeiros ou de realizar uma edição em outro país. O Rock in Rio fez as duas coisas de forma brilhante. Existem festivais brasileiros criando edições em Portugal, como o próprio Rock in Rio, MIMO, Coala, VillaMix e outros.
Dentre os desafios, com certeza o principal é financeiro, pois são processos que demandam vários custos como passagens aéreas, hospedagem, produções, vistos, dependendo do país, etc. A logística é sempre muito mais cara. Para dar a volta, é importante conseguir o máximo de parcerias no local de destino, evitando transportes e importações, além de buscar apoios como editais culturais e leis de incentivo. Na Ibero-América, a língua pode ser uma barreira. Apesar de o “portunhol” salvar muitas vezes, em alguns casos é necessária uma comunicação mais formal ou até mais longa. Então, se souber a língua do país de destino, mesmo que em nível intermediário, já é muito melhor. Posso citar também o risco que se corre ao não fazer uma boa leitura do país de destino. Lembre-se: você é o estrangeiro. É você que se adapta ao local, não o contrário. É preciso pesquisar sobre os costumes do público, como funciona normalmente a produção, a média de valor que se cobra para um show de um artista com alcance semelhante ao seu, o tipo de casa de show/estabelecimento/festival, a conexão do público em questão com sua linguagem artística, que abordagem usar na divulgação e muito mais.
Para os países, as oportunidades são muitas: promoção da cultura nacional, despertar o interesse do público estrangeiro em seu país, incentivo ao turismo, desenvolvimento econômico através dos ganhos de artistas nacionais em outros mercados, incentivo ao desenvolvimento de uma música mais criativa, com diferentes influências, atração de patrocínios e investimentos não somente na música mas em outros setores e, principalmente, aumento do seu soft power internacional. Os riscos são menores que os ganhos, mas posso citar, por exemplo, uma representação com estereótipo negativo, promovendo uma imagem indesejada do país e perda de identificação do artista muito internacionalizado com suas raízes.
Quais são as áreas em que a música tem maior impacto político e social e aquelas onde, apesar de tentativas, o seu impacto ainda é limitado? Qual o caminho a seguir para aumentar esse impacto no futuro?
Pela minha experiência, observo que a música tem mais impacto político e social em áreas como identidade cultural, defesa da democracia e ativismo social em geral (como denúncias de grupos marginalizados pela sociedade, promoção da inclusão, etc). Há músicas que acabam se tornando “hinos” de algumas causas, como a igualdade de gênero e a inclusão LGBTQIAPN+. São músicas que mobilizam muitas coletividades, que são trilhas sonoras de protestos, de ações afirmativas e de obras audiovisuais que tenham esse propósito, por exemplo. Na educação, a música também tem um grande impacto. Até hoje lembro de conteúdos que foram ensinados na escola com música. No ensino de línguas e de literatura, é presença praticamente garantida e traz ótimos resultados. Inclusive, agora em setembro vou apresentar um trabalho na conferência TROPO, na Inglaterra, sobre a utilização de poemas musicados no ensino de literatura. E nele compartilho uma experiência pessoal, que é a utilização do meu álbum Canções Para Abreviar Distâncias no meio acadêmico, especialmente pela professora Cássia de Abreu na San Diego State University, num programa que já é realizado há 4 anos. A música também tem um ótimo papel em projetos de ação social, especialmente para crianças e adolescentes em áreas vulneráveis. Um exemplo simplesmente espetacular, replicado em várias partes do mundo, é o “El Sistema”, um modelo educativo musical desenvolvido na Venezuela por José Antonio Abreu. O programa, que é gerido pela Fundación del Estado para el Sistema Nacional de las Orquestas Juveniles e Infantiles de Venezuela (FESNOJIV), é amplamente reconhecido por seu impacto significativo na educação musical e no desenvolvimento social de jovens em situação de vulnerabilidade. Além de transformar vidas através da música, tem uma força artística impressionante, formando músicos de excelência. Em Portugal, a Orquestra Geração surgiu dessa inspiração.
Com relação às áreas de menos impacto, acredito que saúde seja uma delas. Não se escreve muito sobre saúde física, embora já existam muitas canções sobre saúde mental e que ajudam as pessoas a normalizarem a busca por tratamentos e melhores estilos de vida. Outra área que pode ser muito mais desenvolvida com o apoio da música é a sustentabilidade e proteção do meio ambiente. A criação de programas públicos com este fim pode auxiliar nesse crescimento. Portugal, através da DGArtes, deu um bom exemplo com o concurso “Arte e Ambiente”. Participei e por meio dele lancei, com o coletivo “pequenezas” do qual faço parte, um álbum com 6 microcontos e 6 minicanções sobre várias temáticas ligadas ao meio ambiente. Foi muito bom pensar sobre tudo isso durante o processo de criação e a obra pequenezas: cada passo até o amanhã foi bem recebida pelo público. Mais iniciativas assim por parte dos governos são muito bem-vindas para ocupar mais espaços, tratando desses temas através da música.
Ao meu ver, a forma de aumentar o impacto é aumentar o investimento. Mais interesse em produzir música com diferentes temáticas gera mais debates, mais ação e mais mudança.
Além de investigadora, é também cantora, compositora, gestora cultural e analista internacional. Por exemplo, é co-criadora do Sonora Festival, um encontro internacional que tem como objectivo o reconhecimento e valorização das mulheres compositoras e a mitigação de desigualdades de género no meio musical. De que forma todas estas valências e o seu trabalho em diversas frentes motivaram e contribuíram para o desenvolvimento deste projeto de investigação?
Eu trabalho com muitas, muitas coisas diferentes. Se eu fizer uma lista completa, vão dizer que sou doida, sem foco, perdida, dispersa e qualquer outro sinônimo que encontrarem. Mas na minha mente existe um sentido, existe uma linha que permeia tudo isso, e existe um caminho. A cada dia que passa, esse caminho toma uma forma mais concreta. Em 2011, eu desisti do mestrado em Relações Internacionais para o qual estava tentando entrar para gravar um disco. Passei os anos seguintes trabalhando com música e cultura, realizando projetos que uniam esse mundo artístico à minha formação. Aos poucos, foram acontecendo coisas que confirmaram essa direção. Em 2016, fui uma das criadoras do Sonora – Festival Internacional de Compositoras, do qual sou coordenadora geral até hoje, ao lado da Deh Muss, idealizadora dessa rede que, por um trabalho coletivo, chegou a 16 países e 74 cidades. Ele foi e é uma revolução constante na minha vida e na de milhares de mulheres que passam por ele como artistas e na produção. Em 2017, lancei o Canções Para Abreviar Distâncias: uma viagem pela língua portuguesa, e com ele tenho trabalhado a lusofonia com shows, atividades culturais e acadêmicas em muitos países. Em 2023, fui convidada para ser Mestre de Cerimônias e mediadora do Dia Mundial da Língua Portuguesa, na sede da UNESCO, em Paris. Esta foi, para mim, a coroação de que a caminhada estava na direção certa, pois, além de estar no contexto da lusofonia, uma das áreas em que atuo, aconteceu em uma instituição que trabalha a paz no mundo através da cultura e da educação. Hoje estamos aqui conversando sobre Diplomacia Cultural na Ibero-América. Sou curiosa, gosto do mundo, gosto de muito. Essa pesquisa é o resultado disso, da vivência cultural no chão de fábrica, na base da pirâmide, e do estudo de um pedacinho do mundo. As coisas levam tempo para maturar. Quanto mais aprendo, mais vejo que há muito para aprender. No fim, é tudo uma coisa só, é a minha história. Hoje, o que eu queria costurar na minha vida há 13 anos atrás, costurado está.