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Fotografia: Mira
Publicado a: 27/08/2021

Comida de conforto.

InterMEDio’21 – dia 26 de Agosto: empatia para gente sentada

Fotografia: Mira
Publicado a: 27/08/2021

Há tabus espalhafatosos, mas sem substância, célebres simplesmente pelo secretismo. Outros, pelo contrário, são tácitos: factos ocultos porque todos aceitamos remetê-los ao silêncio, sem que alguma vez o tenhamos discutido. São esses os mais proveitosos, claro. Então… Porque é que ninguém fala das ementas nas cantinas dos festivais? Aqui vai: na cantina do interMEDio, uma das opções de jantar era choco frito. Está dito. Não voltem a perguntar. Mais adiante, abaixo do claustro neoclássico do Antigo Convento Espírito Santo, a noite na Praça da República anuncia-se comedida e diplomática, com um jantar-concerto de Nuno Guerreiro… desculpem, apesar da plateia sentada e da sessão musical um bocado insípida, não havia sopa de peixe e coisas flambeadas, ou lá o que servem em eventos desses. 

O chef foi o tenente-vocalista da Ala dos Namorados, natural de Loulé, acompanhado do baterista Vicky Marques, do acordeonista Dinis Oliveira e dos guitarristas André Santos e Norton Daiello. Dedicaram um quinhão do alinhamento a um álbum vindouro, Na Hora Certa (composições tépidas de Tiago Torres da Silva); os outros quinhentos foram para clássicos da Ala, como “Os Loucos de Lisboa” ou “Solta-se o Beijo” (letra de Catarina Furtado, importa sempre dizer). Embeiçado com a terra natal, dedicou-lhe também “O pomar das laranjeiras” dos Madredeus… e “Tia Anica de Loulé”.

Sorvidos os restos de sopinha, entra a trituradora Moullinex (com dois “l”, não nos processem). Mais uma data da digressão de Luís Clara Gomes em apoio a Requiem For Empathy, o irmão mais novo de Hypersex — mais austero e consistente, mas também mais sensato. Não, isso não significa “aborrecido”: é o produto de alguém que erodiu as fórmulas habituais da sua disco veraneante, para facilitar o cálculo do buildup natural. É assim que informa a sua electrónica carregada de âncoras pop, mas sem lhe prescrever formatos. Fusão de texturas e sinapses, como na video-projeção da abertura.

Não foi ainda o reencontro entre música e neurociência que Moullinex guarda na gaveta, após as experiências no Lux Frágil e numa fazenda do sudeste alentejano, onde luzes e sensores acusavam a resposta emocional das “cobaias” (através da variação de indicadores biométricos, como a respiração e os batimentos cardíacos) a uma performance preliminar de Requiem. Aqui, não houve a mesma dotação tecnológica, excepto uma câmara em rotação sobre o quarteto (Guilherme Salgueiro aka YANAGUI, Guilherme Tomé Ribeiro aka GPU Panic e Diogo Sousa). Mas houve boa razão para crer que, se Loulé tivesse sensores, explodiria num clímax de cores (apesar do monocromatismo desta fase de Moullinex).

Esse clímax tecnicolor viria, perto do fim, com “Luz”, a foz de um percurso simultaneamente exploratório e pragmático para quem assistia. Dancem, caraças: instrução tão válida para a senhora provavelmente embriagada, de sacola no ombro e fora da plateia, como para a gente sentada que a pouquíssimo custo se ergueu. O tipo de movimento ascendente que guia Requiem, do início cerebral de “Inner Child” até ao desbloqueio total em “Hey Bô” — ao contrário dos outros convidados, em tele-presença, Afonso Cabral veio em carne e osso conduzir a catarse. 

Por vezes, em concerto, o disco não transmite o dilema central entre emoção e treva: a gloriosa “Minina di Céu”, com Sara Tavares, traduz-se com demasiada força, adiantando-se ao que seria um lugar natural de encerramento. Nada mais do que um pequeno azar, um minúsculo ajuste. Pela altura em que chega a imperiosa “Ngona Nwana”, conduzida por Selma Uamusse, somos demolidos, devolvidos a um estado pré-crítico, também pré-empatia. Onde todos temos tempo para lançar barcos na imaginação, ondular as águas do pensamento, despertar a criança interior. Como aquelas que, enquanto Moullinex dá espectáculo, brincam: o jogo consiste apenas em dar uma volta ao poste e sorrir para quem veja. Requiem For Empathy também é sobre isso.


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