LP / CD / Digital

Injury Reserve

By the Time I Get to Phoenix

Edição Independente / 2021

Texto de Rui Correia

Publicado a: 04/01/2022

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Desde as mixtapes Live From The Dentist Office e Floss, editadas em 2015 e 2016, respectivamente, fez-se um longo caminho até chegarmos a By the Time I Get to Phoenix. O segundo álbum dos Injury Reserve soa urgente, do momento — embora tenha sido praticamente concluído no ano anterior à sua data de edição –, dissonante e desolador; o contrário do que podíamos ouvir em temas como “Gravy n’ Biscuits”, parte do seu primeiro longa-duração editado pela Loma Vista em 2019. Agora de volta à independência, e provavelmente representando o último registo da banda, tendo em conta a morte de um dos membros do grupo, Stepa J. Groggs, em 2020, e no decorrer de gravações do álbum, presenciamos o duo formado por Parker Corey e Ritchie with a T com a coragem de assumir um projecto póstumo com o fantasma do seu amigo ainda bem presente.

Um requiem rap, um álbum épico pós-rap, enfim, categorizem-no (acertadamente) se vos ajudar. A realidade é que, de facto, encontramos um álbum desafiador: se é expectável faixas desfragmentadas com recurso a samples? Bem, aqui elas são ultra-desfragmentadas, remisturas de canções rap com breaks pouco usuais, ou sem recurso a eles, dando sobretudo ênfase à ambiência e à distorção, ao culto de várias personalidades caracterizadas por diferentes tons/vozes gravadas numa sala escura por Ritchie; se é expectável temas com 16 barras, refrães, pontes? Esqueçam isso. “Do what you want”, como dizem na faixa “Smoke Don’t Clear”. 

Aqui o que conta é pintar, numa tela, emoções duma forma abstracta: deixar cair palavras ao chão, sentir e não pensar, enquanto a densidade sonora lhes dá forma e poder. Uma representação musical apropriada para o caos do capitalismo tardio, da confusa (des)informação, da insanidade pandémica e da morte anunciada da humanidade, medida em termos ecológicos. Em planos secundários há, claro, a morte do padrasto de Ritchie a pairar na sua mente, e ainda mais recente, a morte de Groggs. 



A principal influência para este álbum resultou de um DJ set em 2019 em que os elementos de IR remisturaram temas do primeiro álbum e desconstruíram músicas como a cover de “By The Time I Get Phoenix” de Isaac Hayes. Esse nome, aliás, acaba por dar título ao novo longa-duração por sugestão de Groggs. Depois de um espetáculo dos Jockstrap, tal como foi dito em entrevista ao crítico norte-americano Fantano, e durante a tour mundial em que seguiam na promoção do homónimo, o grupo gravou, em 2019, “Superman That”, segundo e último single deste novo registo. Nesta versão final usam um sample de “Athens, France” da banda inglesa Black Country, New Road (uma das grandes sensações de 2021), com uma letra que se manteve bem simples desde essa altura, mas suficientemente capaz de descrever o sentimento de perda e de reconquista do espaço pessoal. Um single genial sobre o desamor envolto em auto-tune desamparado, glitches e ruído (mental). No fundo, uma das temáticas mais antigas e recorrentes na arte e, recordando, presente na música original de Jimmy Webb que a inspirou:

“I can feel it in my bones
Man, they stripped what they own
Every stone that you’ve thrown
Every blow that you’ve shown
You can keep what you stitch until they peep now you reap what you sow
You can toot your horns hoot ‘n holler but that’s just how that shit go”

BtTIGtP é um comboio frenético e congestionado de pensamentos avulsos — mas estranhamente reconfortante. Uma versão actualizada de um Kid A de Radiohead, um 13 de Blur ou um To Bring You My Love de PJ Harvey. Embora possam (parecer) ser referências de lisonja ou descabidas, o som de IR é, neste seu esforço discográfico, mais europeu do que americano por ser uma “espécime” mais experimental e emocionalmente melancólica. Já na referência geográfica não pertencem às mecas do hip hop, são mesmo do Arizona, mais ao centro. A banda marca, contudo, uma presença extremada, mais aproximados a conterrâneos como JPEGMAFIA ou Danny Brown, também eles a explorar território musicais menos comuns e menos conhecidos dentro do rap.

Seja este o último álbum do grupo ou não, este ficará certamente recordado como o definitivo projecto que os eternizou no catálogo das mais importantes obras não-óbvias deste século e colocá-los, possivelmente, junto daqueles que ajudaram a esticar o que significa fazer-se rap.


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