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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/10/2022

Entre o bonito e o feio.

Inês Malheiro: “A minha maior vontade é continuar a construir este parque de diversões”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/10/2022

Deusa Náusea, que veio ao mundo de forma completa no passado dia 14 de Outubro, podia ser a banda sonora de muitos dos nossos mais íntimos episódios oníricos. A oscilar entre o sonho e o pesadelo, o disco reflecte com bastante eficácia a polaridade de uma mente que busca explorar todas as sensações e impressões do subconsciente e manifestá-las através de música. Inês Malheiro – que apresentou ontem o álbum na Sede da Lovers & Lollypops (editora com quem também se estreia através deste álbum) e repete a dose hoje na Casa da Cultura, em Setúbal, e amanhã na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa – pensa em todos os seus processos criativos como um parque de diversões. Para si, a sua carreira a solo só faz sentido se este parque se mantiver de pé para conseguir encontrar o equilíbrio necessário entre o dilema do querer e do ter que. Em busca de um lugar onde todos as colagens e desenhos sonoros possam ser possíveis, a artista aborda esta energia como o seu lugar seguro no qual promete criar a sua música e até, quem sabe, o próximo álbum. 



Quem é Deusa Náusea?

Eu acho que Deusa Náusea não é ninguém. Acho que acaba por ser uma expressão que eu gosto muito. Na verdade, veio de um jogo de palavras que eu estava a fazer enquanto estava à procura de uma expressão, já não sei se para uma banda ou para um projecto. Mas, uma das coisas que eu costumo fazer para encontrar letras ou expressões que goste para o meu processo criativo, começo – muitas das vezes – só a escrever palavras e ver o que pode resultar. No fundo, olhar para as palavras mais como se fossem um objecto e não tanto como uma coisa que faça sentido. Tipo mapas de palavras, puzzles.

Achas que isso se reflecte no LP?

Acho. Mas é engraçado porque Deusa Náusea não veio para o disco, nem por causa do disco. Surgiu para outra coisa qualquer. De repente reparei que “deusa” e “neusa” eram palavras parecidas, “neusa” e “náusea” também e depois, para além de adorar o som que “deusa náusea” faz, e mesmo visualmente também acho uma expressão que fica bonita por escrito, guardei-a porque um dia queria utilizá-la para alguma coisa.

Isto tudo antes de haver este disco?

Eu acho que foi durante o meu processo de fazer o disco, mas não era para o disco. Só que depois fez bastante sentido porque Deusa Náusea tem um balanço entre uma coisa que pode ser bonita e uma coisa que pode ser feia.

Parte do teu percurso foi a trabalhar com outros artistas, apesar de existir The endless chaos has an end. O que é que marca este momento em que deixas de estar a trabalhar acompanhada para começares a produzir sozinha?

Já há algum tempo que faço as minhas coisas sozinha. Mas, sei lá, fazia uma música e colocava no SoundCloud, algo menos oficial e menos sério. Estava em casa sozinha e ia fazendo coisas. Para mim, querer fazer este álbum foi querer dar uma embalagem mais concreta a todas estas coisas que eu ia fazendo em casa. Queria apresentar isto de uma forma menos aleatória do que estar só a colocar músicas soltas no SoundCloud e, sim, é bastante diferente de colaborar com pessoas. Mas algo que eu também estava a sentir era que, quando colaborava com pessoas acabava por ser resultado de uma conversa, uma construção, e eu acabava por não ter controlo de tudo. Isto tem coisas incríveis mas também tem coisas menos incríveis…

Sentiste que foi libertador estares a fazer isto sozinha?

Agora sim. É diferente.

Como é que chegaste a esta abordagem, o corta-e-cola que se ouve ao longo das músicas mais na parte vocal, e que acaba por ser uma linha que une todo o álbum?

Essa abordagem é uma coisa com a qual me divirto imenso a fazer. Eu canto há algum tempo e, quando percebi que podia trabalhar a voz no computador a cortar e a colar, adorei. É pensar a voz como se fosse plasticina, é pensar no áudio como se fosse plasticina. Às vezes não é só voz no álbum, também dá para ouvir piano super esticado e cortado. Quando percebi que podia fazer isso com áudio e com a minha voz, para mim tornou-se mesmo um parque de diversões autêntico.

Gostas mais da parte em que estás a cantar ou preferes a parte em que estás a editar?

São sensações diferentes… gosto das duas.

Qual é o teu maior desafio criativo? 

Não tenho nenhum desafio claro na cabeça. Há imensas coisas que quero melhorar e continuar a trabalhar e uma coisa que eu senti ao fazer este álbum é como é que quero fazer o próximo. Há algumas coisas que no próximo álbum farei de forma diferente. Mas um dos grandes desafios que senti este ano é mais mental, sobre criar um espaço físico e mental para estes processos criativos serem mais fluídos e tentar balançar com querer fazer as coisas e ter de fazer as coisas. É super complicado mas é super necessário, eu não sou obrigada a fazer música, fui eu que quis ir por este caminho por isso acho que é fixe tentar manter sempre o parque de diversões. Eu acho super importante não deixar o parque de diversões cair – e às vezes ele cai e isso pra mim é o maior desafio.

Onde é esse parque de diversões? Algum lugar onde prefiras estar?

Eu trabalho sempre em casa, no meu quarto, que é onde tenho o meu material, as minhas coisas. Mas é mais um espaço mental, é mais fazer música porque eu quero e não porque tenho. Houve uma altura em que estava a fazer música porque tinha pedidos para fazer e tinha projectos específicos e tive muitos meses nesse modo e isso estragou um bocado o meu parque de diversões. Por isso, agora o processo é tentar melhorá-lo.

Como é que chegaste ao universo da música experimental?

Sempre ouvi música, sempre gostei bastante de ouvir música. Decidi estudar jazz na faculdade, estudei voz em jazz aqui no Porto, e na altura estava mesmo numa de explorar o que é esse universo jazzístico e, no caso da faculdade, era bastante tradicional. Mas lá apresentaram-me vários conceitos relacionados com improvisação mais ou menos tradicional e durante esse processo percebi que no mundo do jazz gostava mais da parte da improvisação livre, que era onde me sentia mais estimulada. E depois também foi na faculdade que aprendi a mexer com Logic e Ableton e percebi que podia fazer estas coisas com a minha voz. Descobri artistas nesta onda que me ajudaram também a ir nesta direção. Não é uma coisa que eu pense, “agora estou a ir nesta direção”, simplesmente vai acontecendo.

Há alguma coisa que mudavas neste álbum?

À medida que o tempo passa eu vou querendo coisas diferentes e isso é influenciado por conhecer mais música e mais pessoas e mais coisas que fazem com que depois a música que eu faça seja diferente.

Quais são os artistas que mais te inspiram para trabalhar?

Gosto muito de Klein, YATTA, que são pessoas que eu gosto bastante. Claramente a Laurel Halo, Julia Holter, LA Timpa e [Ben] LaMar Gay… Uma coisa importante para mim foi perceber quem eram essas figuras ao longo do processo do álbum.

Qual é a tua maior vontade para um futuro próximo?

Quero tocar… Pode ser meio estúpido de se dizer, mas é isso: conseguir estar contente com o que estou a fazer. Ir tocar a sítios, conseguir fazer música de forma “parque de diversões”. A minha maior vontade é continuar a construir este parque de diversões — já tem escorrega, mas ainda faltam algumas coisas.


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