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Publicado a: 29/02/2016

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[TEXTO] Miguel Arsénio

Quantas cidades podem caber dentro de uma cassete? Quantos mundos enfim? E quantas linguagens podem ser compactadas em 47 minutos de música? Quantos sonhos podem afinal ficar armazenados num só objecto? Ora Breathless, o segundo álbum do enigmático produtor Immune, dificulta a resposta a todas essas questões ao ser um milagre de fulgor e abrangência, que absorve mil referências sem que nenhuma pareça inadequada. Será possível que Breathless seja ao mesmo tempo uma besta, que se alimenta alarvemente de variadíssima música digital, e o mestre do equilíbrio necessário para que este seja um álbum de avultado valor narrativo e evocativo? Sim, sim e sim. Breathless consegue mesmo arrancar-me esta introdução extasiada precisamente pelo que tem de viagem alucinante pelos muitos géneros presentes na espessa memória de Londres, uma vez mais a cidade-inspiração para um disco dificílimo de catalogar com uma ou duas palavras.

Faz por isso todo o sentido que Breathless surja em cassete entre as primeiras propostas da Dream Catalogue™ (retenha-se este nome) para 2016. Poucas coisas ao nosso alcance são tão imprevisíveis como um sonho ou uma noite louca sem plano traçado. De igual modo, não é nada fácil prever o rumo de Immune em cada uma destas 14 faixas que, no conjunto, não revelam pontos evidentemente fracos (mais uma vez sobressai a sua qualidade de compêndio bem blindado). Em Immune (que pode ser ou não a figura sombria na capa) cabem diversas identidades e esse é mais um dos aspectos em que o produtor britânico se assemelha a Burial, nome sagrado tantas vezes capaz de agradar às mais variadas tribos. Repare-se, por exemplo, em como “New Years Eve” tem aquele vai e vem de vozes fantasmagóricas que nos remete quase de imediato para as miragens urbanas de Burial.

Mas essa aparente proximidade entre os produtores é entretanto afectada por um elemento raro no espectro sónico de Burial e por sua vez abundante em “New Years Eve”, assim como no restante Breathless: um pesado bafo shoegaze que varre por completo as incursões techno e new age do disco aqui invocado. E a forma como aplica este último recurso deixa Immune muito mais perto do subestimadíssimo Pluramon do que de tantos outros suspeitos habituais como o já referido Burial. Ficamos agradavelmente intrigados com este desvio estético.

Tão conseguida invocação deste tratamento shoegaze contribui também para que Breathless desencadeie um factor surpresa que faz tanta falta à música de hoje. Depois de um Night Visions tão ligado às manhas da microscópica (embora muito influente) vaga vaporware, ninguém ficaria muito surpreendido se Breathless fosse só mais um epitáfio dedicado a esse tipo de música (conspirada por Daniel Lopatin e James Ferraro) tão ligada ao futuro utópico prometido pelas máquinas e virtualidades das décadas de oitenta e noventa. Breathless passa à frente de qualquer discurso fúnebre dedicado à vaporware e atreve-se a ser só mesmo um vital e espantoso álbum cheio de cidade e sonho. E é assim que Immune passa a fazer parte do muito concorrido primeiro pelotão da Dream Catalogue™.

 

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