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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 26/09/2022

Uma quentura que veio do som.

Iminente’22 – Dia 4: de pé até ao fim

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 26/09/2022

Tal como Sam The Kid, na noite anterior, Sara Correia entrou em palco com a confiança de quem joga em casa. A fadista nascida e criada em Chelas fez questão de o lembrar, logo no arranque de um concerto onde se apresentou segura e elegantíssima, de fato roxo e bem-talhado, voz ao alto e presença carismática. Num festival marcado sobretudo por música urbana e eletrónica, Correia protagonizou o momento fadista do festival, com uma hora de concerto que abriu o Palco Gasómetro, num dia com menor afluência, mas que concentrou um número considerável de pessoas para vê-la.

Sara Correia é uma das mais importantes vozes da nova geração do fado, apresentando-se com um alinhamento que percorreu temas do seu álbum homónimo, de 2018, e Do Coração, de 2020. E é mesmo do coração que lhe sai a voz, num canto arrebatador e incapaz de deixar indiferente qualquer plateia que a escute. Os arranjos modernos e cuidados fizeram o resto, dando espessura e modernidade à performance de uma artista que, num tempo em que tudo parece tão programado, se apresenta em palco com uma emoção e uma genuinidade capaz de partir até o maior coração de pedra. 

– João Mineiro



João Seria entrou em cena com a sua tradicional boina vermelha, para logo se posicionar na frente do Palco Gasómetro, prestando continência a todo o povo que se juntou para celebrar a longa vida do histórico Conjunto África Negra. Dos fundões de São Tomé, ainda na década de 70, até esta nova vida em que percorrem festivais pelo mundo fora – de Lisboa seguem para a América Latina, regressando logo de seguida para um concerto nos Países Baixos – passaram-se quase 50 anos. Cinco décadas celebradas em cima de um palco, onde os África Negra engrandecem o legado fundamental que deixaram na construção cultural da identidade da nação santomense, aliás bem lembrada pela bandeira do país ostentada no público durante todo o concerto. 

No seu inconfundível estilo que mistura elementos da rumba santomense, do soukous e do highlife, os África Negra não deixaram nenhum corpo sossegado, aquecendo uma plateia que dançou numa noite fria, especialmente aos sons de “Angelica” ou “Maia Muê”. João Seria, qual mestre de cerimónias, canta, dança e puxa por um público que nunca faltou à chamada. Acompanhando a banda, o público é cúmplice desta celebração que não tem nada de passadista.  Os África Negra são o nosso tempo e é também ao som da sua história que se construirá o futuro. 

– João Mineiro



Quando chegámos a “No Love Song”, ainda a procissão ia no adro. Pode não querer dizer grande coisa para a maioria das pessoas, mas era sinal claro que os Children of Zeus não teriam de se refugiar no tema (produzido pelo não menos incrível Beat Butcha) que levaram ao A COLORS SHOW para fechar o seu concerto em Lisboa, o primeiro em Portugal, com o seu catálogo a permitir-lhes gastar essa ficha logo ali. Também nessa altura, a dinâmica da dupla era óbvia: Tyler Daley cantava com alma como poucos o fazem em 2022 (e tão fiel às versões de estúdio que os arrepios vinham uns atrás dos outros) e Konny Kon fazia o seu papel de imperturbável aliado, uma figura que entregou barras, “Must thought I was someone else/ Fuck your love song/ I don’t love myself/ My tears the price/ I paid for all these classics/ Heart break, balled up, bouncing off waste paper baskets”, com autoridade e sem pestanejar.

Story So Far… (2017), Travel Light (2018) e Balance (2021) foram projectos que, de forma consequente e irrefutável, garantiram-nos que havia um duo de Manchester a fazer o hip hop mais soulful do mundo — sim, poucos têm este traquejo na actualidade, incluindo aqueles que vão criando a partir dos Estados Unidos da América. Ao vivo, a química é palpável, e o som no Palco Fábrica ajudou — até mereceu um props do grupo britânico. Para quem une com facilidade as pontas do rap (e até do trap como em “Slow Down”), soul e r&b em disco (com polvilhos de outras linguagens como dub e house aqui e ali), a tradução para o espectáculo foi irrepreensível com Gyalex (DJ e aniversariante) a entrar (e a ditar o tom logo de início com “On & On”) neste jogo a três em que todos ganharam. “Smoke With Me”, “Don’t Say a Word”, “Be Someone” e “No Sunshine Tomorrow (Sunset Version)” destacaram-se no alinhamento (com espaço para interpolações de “Everybody Loves The Sunshine” de Roy Ayers ou “Big Poppa” de Notorious B.I.G., por exemplo), mas “Still Standing”, uma canção imaculada, foi a estocada final numa passagem verdadeiramente triunfante por terras portuguesas.

– Alexandre Ribeiro



Neste último dia de Iminente, a noite fez-se ainda mais fria e ventosa, especialmente no desabrigado palco Gasómetro. Condições nada favoráveis para uma rapper como Karol Conká, que na hora do concerto “competia” com o calor dos Children of Zeus, num Palco Fábrica bem mais protegido da ventania. Nada que, no entanto, tivesse beliscado a energia da rapper que entrou em palco com a missão de conquistar quem decidiu assistir ao seu concerto. Mesmo em circunstâncias pouco favoráveis, foi uma das melhores entregas desta edição do Iminente. 

Karol é uma MC no controle, que não facilita nem perde o fôlego, mesmo com um alinhamento repleto de temas exigentes, que cantou com a mesma determinação com que ocupou o palco, interagiu com o público e com as câmaras e os técnicos que registavam a performance. Apesar de trazer na bagagem o seu mais recente Urucum, editado em março deste ano, e do qual apresentou as pujantes “Se sai”, “Cê não pode” ou “Louca e Sagaz”, foi sobretudo o álbum Batuk Freak, de 2013, que esteve em destaque, com temas como “Boa noite”, “Gueto ao luxo”, “Sandália”, “Gandaia”, “Voce não vai” ou “Mundo loco”. Curiosamente, num espectáculo preenchido de temas enérgicos, foi com “Dilúvio” que o público mais se parece ter conectado com a artista, sobretudo depois Karol ter apelado a que limpássemos todo o ódio coletivo que circula à nossa volta. 

Num concerto sem falhas, só sentimos a falta de uma maior passagem por Ambulante, excelente disco de 2018, do qual só ouvimos a atraente “Saudade” ou a poderosa “Kaça”, com que se despediu, deixando em suspenso a possibilidade de um encore. Fez-se um compasso de espera, o público aguardou o tempo mínimo, mas o vento era tanto que a dispersão foi inevitável. As luzes baixaram e Karol já não voltou. Foi pena. 

– João Mineiro


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